Aranhas tem uma evolução de arrepiar

Por , em 8.05.2014

Está nos cinemas a mais nova aventura do Homem-Aranha, que já ganhou, ao todo, 5 filmes e inúmeras publicações em quadrinhos. Porém, mesmo com todo o esforço da Marvel, você só consegue pensar em aranhas como bichos peçonhentos terríveis que usam duas de suas infintas pernas para arrombar as suas pálpebras e injetar veneno em seus olhos enquanto você está dormindo?

Eu também. Mas prepare-se, pois quando você descobre como elas evoluíram para produzir este veneno, esses seres ficam ainda mais assustadores.

As aranhas são sub-estudadas, porque, como os próprios especialistas concordam, elas são terríveis portadoras da morte e, quando manuseadas, são susceptíveis de cair em nossas roupas e rastejar por nosso corpo. E também porque há um monte delas. Se extrapolar nas estimativas, existem cerca de 38 mil espécies de aranhas, e ao longo de sua história de 130 milhões de anos, elas evoluíram complicados coquetéis venenosos.

Elas sabem como usar esse veneno precisão. Quando se trata de envenenamento, as aranhas são mais sofisticadas do que as cobras, que geralmente precisam ver um animal de rapina e determinar a quantidade de veneno a ser usada antes de dar a mordida. As aranhas podem variar a quantidade de veneno durante uma mordida. Sempre que a vítima é inesperadamente forte, ou talvez apenas mais propensa a lutar, a aranha injeta mais veneno. Também é um veneno especialmente formulado. Diferentes aranhas desenvolvem diferentes coquetéis que funcionam melhor para as suas presas em particular.

Isso é justo, afinal, todo mundo tem que comer. Entretanto, há aranhas que têm pequenas peculiaridades em seu veneno. Por exemplo, a Atrax robustus (uma caranguejeira australiana conhecida pelo nome comum de aranha-teia-de-funil), considerada por alguns a aranha mais mortal do mundo, tem um produto químico em seu veneno que mata seres humanos, macacos, moscas de fruta e filhotes de rato. A química é tão específica que não prejudica ratos adultos – apenas filhotes de ratos. O produto químico não mata mais nada, nem mesmo outras coisas que a Atrax robustus realmente come – é um pequeno presente inclusivo para seres humanos, filhotes de ratos e moscas.

As aranhas viúvas (pertencentes ao gênero Latrodectus) são um pouco mais compreensíveis. Elas têm um veneno que é específico para insetos, mas também têm uma neurotoxina em seu veneno que só funciona em vertebrados. (Por sinal, elas também têm um tipo de veneno que funciona como uma neurotoxina de crustáceos.) A toxina que tem como alvo os vertebrados, chamada α-latrotoxin, parece ser resultado de uma alteração genética dramática nestas aranhas, mas ninguém sabe direito porque essa mudança aconteceu.

Já foi documentado que, ocasionalmente, as viúvas-negras, as mais mortais do grupo, se alimentam de lagartos ou camundongos que de alguma forma ficaram presos em sua teia, mas a grande maioria de sua dieta é de insetos. Parece que um dia as aranhas tomaram uma aversão a qualquer coisa com uma espinha e decidiram gastar muita energia evoluindo uma toxina para matá-las, sua morte servindo para alguma coisa ou não.

Talvez o exemplo mais horrível de uma toxina aleatoriamente eficaz é a da Loxosceles reclusa, conhecida nos Estados Unidos como aranha-marrom reclusa. Mordidas destas criaturas são raras, porque elas tendem fugir e se esconder ao invés de ficar e lutar, mas se isso acontece, elas são cruéis.

No início, as pessoas que eram mordidas pelas aranhas-marrom reclusas apenas sentiam um pouco de coceira e dor. Mais tarde, muitas vezes, os tecidos ao redor da mordida se danificavam. Nos casos graves, a carne morria, deixando enormes buracos que se parecem com uma das maldições do Antigo Testamento. Isso é confuso, porque não só estas aranhas não comem vertebrados, como a toxina também não faz mal imediatamente. Ou seja, não serve para assustar mamíferos, contudo vai prejudicá-los bem depois de eles terem esquecido que foram mordidos.

O produto químico que causa o dano de tecido é chamado esfingomielinase D, geralmente abreviado para SMD na literatura médica. Ele é encontrado na aranha-marrom reclusa e suas familiares nas Américas e nas aranhas assassinas da África. As duas compartilham um ancestral da época do supercontinente de Gondwana.

Por que essa toxina surgiu? E por que permaneceu com as aranhas por tanto tempo quando as ajuda tão pouco?

Quando os cientistas analisaram apenas a morfologia das aranhas para determinar quais delas eram relacionadas, eles acreditavam que apenas estas duas espécies de aranhas desenvolveram esta toxina em particular. Todavia, uma olhada no DNA mostra que não é esse o caso. O ancestral comum de quatro espécies diferentes de aranhas desenvolveu o SMD. Duas perderam a capacidade de produzi-lo ao longo dos anos, mas as aranhas-reclusas e as aranhas-assassinas, apesar de evitarem os seres humanos, têm a capacidade de fazer as pessoas parecerem que estão sendo rasgadas por dentro por um demônio. Aparentemente, apenas pela diversão.

As aranhas podem ter sido o Homem-Aranha original

E onde foi que o ancestral da aranha-marrom reclusa conseguiu este veneno? É um quebra-cabeça interessante, já que a única pista que temos é extremamente estranha. Estas aranhas compartilham uma toxina em seu veneno com uma certa bactéria – e nenhuma outra espécie conhecida na Terra. A toxina é exclusiva para estas duas espécies e os cientistas acreditam que pode ter havido algum tipo de transferência de genes entre elas.

Seja ela lateral ou horizontal, é sabido que a transferência de genes acontece entre os seres vivos. Genes passam entre as espécies e o animal “dotado” com os genes pode realmente passar esses genes para sua prole. Geralmente, apenas as bactérias podem passar DNA entre si, mas há um tipo de transferência lateral de genes que pode acontecer entre bactérias e células eucarióticas. (As células eucarióticas são células que se separaram em partes, como organelas e um núcleo, em vez de deixar tudo flutuando dentro da parede celular principal. O nosso corpo é feito de células eucarióticas.) Plasmídeos, que são pequenos pacotes de DNA, podem ser transferidos entre as bactérias e células animais. O mais famoso destinatário da transferência horizontal de genes é uma lesma do mar que passou a ter a capacidade de fazer fotossíntese após comer algas e absorver o DNA delas.

O fato de que esta aranha e esta bactéria, e não outras criaturas, compartilham uma toxina em particular indica que uma transferência lateral de genes pode ter ocorrido – nós só não sabemos quem passou a característica para quem. A bactéria pode ter pego os genes da aranha. Por outro lado, as aranhas podem ter sido como o próprio Homem-Aranha – tendo uma nova interação com uma criatura estranha e de repente ganhando poderes bizarros depois desta interação.

Isso pode explicar por que elas continuam desenvolvendo venenos que funcionam em nós ao invés de nos seus alimentos.

Se elas nos matarem e nos comerem, poderiam um dia absorver o nosso poder e a nova Era das Aranhas começará. (Talvez essa seja a hora mais apropriada para sugerir que você imagine uma aranha em tamanho humano e com polegares opositores. Espero que você consiga pegar no sono esta noite). [io9]

6 comentários

  • Ponce:

    E eu tive o desprazer de ser picado por essa aranha. Quase morri sem sentir absolutamente nada, mesmo quando minha perna começou a necrosar. Anda me pergunto como a evolução pode gerar algo assim.

    • Cesar Grossmann:

      Tem coisa pior, pensa só no estrago que os parasitas podem fazer. A Evolução não tem moral nem ética.

  • Max Sthainy:

    Pela primeira vez loguei só pra comentar aqui no site. Artigo muito bem escrito. Parabéns a quem escreveu!

  • Lucas Pereira:

    É, não vou dormir de noite…

  • Genioso Irreligioso:

    “Se elas nos matarem e nos comerem, poderiam um dia absorver o nosso poder e a nova Era das Aranhas começará. “… ou terminará; se as coitadas herdarem alguns de nossos “defeitinhos humanos”; como entre outros: matarmos a nós mesmos! 😉

  • sergio_panceri:

    Ta aí algo que eu sempre deduzi porém nunca tinha lido a respeito…. “Transferência de Genes”
    Ótimo artigo!!!

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