Alegria em aprender – maestria em ensinar

Por , em 3.06.2013

A alegria em aprender

Eu tive um professor de ciências que realmente impactou a minha forma de aprender.  Recordo com nitidez suas aulas. Eram divertidíssimas.

Ele iniciava a aula com uma série de perguntas sobre as coisas do nosso dia a dia. Geralmente era um problema real, que ele exagerava com contornos propositalmente absurdos. Coisa que a maioria de nós, depois de rir muito, atalhávamos em contraposições na tentativa de conter tantos exageros, como que a chamar à razão aquele gênio distraído que nos ministrava as aulas.

Depois ele propunha uma espécie de jogo. Uma competição para que resolvêssemos o problema. Os prêmios eram hilários.  Objetos estapafúrdios que ele retirava aleatoriamente de sua valise de professor-cientista-maluco no qual ficava patente seu divertido “improviso”.

Por exemplo:

  • Uma arruela enferrujada (extraída de um disco-voador “por suas próprias mãos”);
  • Uma maçaneta quebrada (da porta da casa de praia de Einstein em Matinhos-PR);
  • Uma bolinha de pingue-pongue vermelha (da coleção de Isaac Newton);
  • Duas tampinhas de Crush (bebidas por Alexandre Volta em uma convenção científica em Guarapuava-PR em 1915.)

Em assim por diante.

Obviamente essa “valiosa premiação” estava facultada à melhor solução do problema proposto.  Coisa que dependia de um conhecimento prévio que geralmente encontrávamos em nosso livro texto.

Assim para ganharmos a partida tínhamos que estudar com alguma antecedência.

Sabíamos de antemão qual era a regra do “jogo” e isso era também divertido.

Além da premiação, que surtia um efeito compensador puramente simbólico, existia o encantamento de solucionarmos um problema real.  Algo como a pertinência do aprendizado como se o conhecimento fosse uma ferramenta que devíamos aprender a construir.

Esse segredo é muito difícil de explicar, mas muito fácil de aprender.

A alegria em ensinar

Hoje quando recordo de suas aulas, consigo compreender suas técnicas de ensino e vislumbrar a genialidade de sua grande maestria.

Ele provocava um deslocamento em nossa cognição.

Através de seus questionamentos ele evidenciava um vazio que precisava ser preenchido.  E sempre criava novas ligações com aquilo que já sabíamos num encadeamento inovador e surpreendente. Então borbulhávamos de perguntas em nossa curiosidade juvenil, que era saciada apenas para ser novamente aguçada num ciclo que se repetia de forma sempre ascendente.

Porém, o que recordo também com muita clareza era a paixão com a qual ele ensinava.

Ideal e realidade

Sem dúvida, sua influência muito contribuiu para minha escolha profissional.

Felizmente posso seguir seu exemplo e trabalhar com essa mesma alegria, com esse mesmo grau de envolvimento.

Isso porque tenho tido muita sorte em trabalhar em escolas que possibilitam essa liberdade e esse direito do professor – o de ser professor de verdade.

Primeiro, porque o valorizam não apenas como um mero profissional repetidor de informações, mas como um agente que influencia significativamente a construção de nosso pensamento, bem como do nosso futuro.

Segundo, porque adotam um sistema de ensino ético, calcado em um projeto pedagógico consistente, onde o administrativo está a serviço do pedagógico e não ao contrário.

Nessas escolas o professor tem voz. E é professor!

Não é confundido com uma ama-seca ou com um servo guardador de rebanhos do século XV.

O Brasil precisa de mais escolas assim! Escolas que não venderam sua alma!

Seja para o capital e suas cruas regras de mercado.  Seja para ideologia do descaso e da má vontade institucionalizada.

Fico triste ao perceber que muitos pais que negligenciam a educação de seus filhos simplesmente os despejam na escola – e seja cada um por si – lembrando os visigodos em um campo de batalha. A culpa é da escola, do professor e do sistema. Nunca da sua má vontade, de seu desamor, de seu desrespeito e negligência para com seus filhos e também para com a sociedade ao largar no mundo pessoas com tal naipe de conduta.

Parece que tal clientela pré-histórica requer uma escola com igual perfil de negligência e abandono e que apenas finge cumprir a tabela. Onde isso vai parar?

Alegria em ensinar e a verdadeira maestria

Por um lado, está claro para todos nós dos benefícios de um aprendizado efetivo calcado na alegria de aprender e na pedagogia do afeto.

Por outro lado, quem terá alegria em ensinar?

  • Quando for mal pago?
  • Quando for tratado como cidadão de quinta categoria e obrigado a trabalhar 15 horas por dia isso sem contar o trabalho não remunerado que tem em casa (preparo de aulas, preparo e correção de provas, etc.).
  • Quando for desrespeitado em sua profissão e/ou pessoalmente ameaçado e intimidado por alunos, pais, coordenadores, diretores e principalmente pelo estado?

(aqui no Paraná até a cavalaria já foi usada por um governador para “intimidar” seus professores).

É por essas e outras razões a realidade do nosso penúltimo lugar em educação. O que é vergonhoso para um país com o tamanho do nosso! O que é vergonhoso e terrível para todos nós!

Quando o Brasil aprender essa simples lição, de que “nenhuma corrente é mais forte que seu elo mais fraco” – quem sabe dará chance aos seus professores de serem mestres de verdade.

-o-

[Leia os outros artigos de Mustafá Ali Kanso]

 

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Seus contos “Herdeiros dos Ventos” e “Uma carta para Guinevere” foram, em 2010, tópicos de abordagem literária do tema “Love and its Disorders” no “4th International Congress of Fundamental Psychopathology.”

Foi premiado com o primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos da Scarium Megazine (Rio de Janeiro, 2004) pelo conto Propriedade Intelectual e com o sexto lugar pelo conto Singularis Verita.

7 comentários

  • Felipe Jose da Silva:

    Eu moro nessa cidade chamada Guarapuava 😛

  • Vera Lúcia Chiaratti:

    Pois bem, aqui onde eu moro um pai foi chamado à escola para ajudar numa questão relacionada ao seu filho. Sabe o que ele mandou dizer? “- Se a professora não tem moral para educar meu filho, então ela não devia estar lá”… Eu prevejo um tempo em que ninguém mais vai querer (nem poder) ser professor, porque simplesmente as escolas se tornaram realmente um “depósito de projetos de marginais”, salvo algumas exceções. Que pena!

  • Adalberto Dorneles:

    Aristóteles dizia que era necessário ter simpatia entre o Mestre e o discípulo para que ocorresse o aprendizado. Naquele contexto Aristóteles já ensinava andando, dai sua escola ser conhecida como peripatética. Só aprendemos quando de fato sentimos que há da parte tanto do professor quanto do aluno uma vontade de ensinar quanto de aprender. A alegria pode ser o ingrediente motivacional, mas não é o único, já que no processo de aprendizado deverão estar sempre presente além da emoção a racionalidade. Talvez o problema das nossas escolas seja exatamente esse – falta emoção e a racionalidade não é aplicada na medida certa. Espero que melhore, já que nossas escolas em vez de ensinar reproduzem um enorme distanciamento do saber e um medo pela descoberta.

  • Marcelo Ribeiro:

    Os melhores deveriam ensinar os menores. Professores que conseguem infundir a felicidade que saber algo novo proporciona permitem fixar o conhecimento ao invés da matéria evaporar da mente logo após a prova.

    Não tive o privilégio de ter professores como o citado acima ou como o querido Mustafá quando era criança e meu gosto por aprender teve que surgir, de certa maneira, autodidaticamente, pois estudar era coisa rara, feita apenas no desespero para passar de ano no limite das notas.

    Sim, os pais tem muita responsabilidade. Mas a maioria vê a escola como estacionamento de crianças e não se envolvem praticamente de nenhuma maneira na vida escolar de seus filhos. Quando se envolvem é por obrigação.

  • Elianeadm:

    Gostaria de acrescentar o fato dos alunos não poderem ser reprovado. agora esta sendo a fase das creches, quando essas crianças crescerem mais sera a vez do ensino fundamental. E assim por diante, esta sendo investido dessa nova geração em diante pois essa atualmente ja é supracitada no referido artigo.

  • Evandro Oliveira:

    Mas isso existe. Só que para isso precisa se matricular em uma boa escola de gente de alto poder aquisitivo.

    Os lideres, os podorosos de nossa nação não tem o que reclamar quanto a educação. Dão a melhor, com os melhores professores bem pagos e nas melhores escolas.
    O problema são os outros 95% da nação.

  • Edgardo Aquiles Prado:

    Estórias como essa ensinam muito …

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