Drogas psicodélicas poderão funcionar como “intervenção cirúrgica” para depressão e ansiedade

Por , em 10.12.2016

Dois estudos parecidos podem mudar a forma como nós encaramos as drogas alucinógenas. O resultado de ambas as pesquisas mostra que estas drogas podem ter um resultado fantástico e jamais visto no tratamento da ansiedade e da depressão causadas pelo medo da morte. Usando a psilocibina, substância psicoativa dos cogumelos alucinógenos, pesquisadores americanos comprovaram que a substância funciona melhor do que a medicina tradicional nestes casos.

Dinah Bazer é uma mulher americana de 60 anos que foi diagnosticada com câncer de ovário em 2010. A moradora do Brooklyn, professora de patinação no gelo e ex-programadora de TI, ficou devastada. Felizmente, os médicos foram capazes de tratar com sucesso a sua doença com a quimioterapia, mas o pavor do ressurgimento do câncer permaneceu.

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“Eu estava totalmente consumida pelo medo e pela ansiedade”, descreve ela. Por isso, em 2011, Bazer se inscreveu em um experimento da Universidade de Nova York, no qual os pesquisadores estavam tentando testar uma substância que, eles esperavam, teria uma capacidade aparentemente “mística” para combater a depressão e a ansiedade ligadas ao medo sobre o fim da vida.

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A droga que eles estavam testando não era algo feito em laboratório. Era a psilocibina, o componente essencial dos cogumelos P. cubensis psicoativos.

Acompanhada por terapeutas treinados, Bazer tomou uma pílula. A princípio, ela não sabia se era a droga ou um placebo, mas uma vez que os efeitos começassem a acontecer, ficaria claro. Em cerca de 40 minutos, ela começou a “viagem”.

“Eu visualizei meu medo como uma massa física em meu corpo”, disse ela. Então, a mulher ficou com muita raiva. Ela gritou para que a “massa” saísse. E então essa mulher que foi ateia toda a sua vida adulta – e ainda é – teve uma sensação estranha. “Eu estava banhada no amor de Deus, e isso continuou por horas”, disse ela. “Eu realmente não tinha outra maneira de descrever essa experiência incrivelmente poderosa”. A sensação desapareceu, mas também o medo, a depressão e a ansiedade. Eles não voltaram.

A procura por aprovação

Bazer estava participando de um dos dois ensaios clínicos controlados dos efeitos da psilocibina em pacientes que lidam com depressão e angústia relacionados ao enfrentamento do fim da vida. Além de alguns pequenos estudos-piloto, esses dois ensaios – um realizado por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins e outro, em que Bazer participou, na NYU – foram os primeiros estudos maiores de seu tipo. Os resultados de ambos os estudos foram publicados no Journal of Psychopharmacology em 1 de dezembro, juntamente com 10 comentários de proeminentes especialistas no campo da psiquiatria.

Os resultados de ambos os ensaios foram tão encorajadores que os cientistas envolvidos esperam que eles serão capazes de obter o consentimento da Food and Drug Administration (a agência que controla, entre outras coisas, a liberação de medicamentos nos EUA) para avançar para uma Fase 3 de grande escala do estudo, o terceiro e final conjunto de ensaios em humanos que é necessário antes que a FDA considere a aprovação de um novo medicamento.

“Este é um caminho potencial para a aprovação clínica”, diz Roland Griffiths, professor de psiquiatria e ciências comportamentais na JHU School of Medicine, que liderou o estudo da JHU e é um dos pioneiros na era moderna da pesquisa psicodélica. “Mas essa aprovação requer o próximo passo, que é obter permissão para avançar”.

O recente anúncio de que a FDA permitiria ensaios neste nível usando MDMA – o nome químico para a droga comumente conhecida como Ecstasy – para tratar o transtorno de estresse pós-traumático também lhe dá esperança, especialmente porque ele diz que a MDMA pode ter ainda mais “bagagem” do que a psilocibina quando se trata de obter aprovação.

Volta aos anos 60

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Em certo sentido, trata-se de uma “renovação” da pesquisa sobre o poder das substâncias psicodélicas, de acordo com Griffiths e Stephen Ross, professor associado da Faculdade de Medicina da NYU, que liderou o estudo da NYU.

Nos anos 50 e 60, os psiquiatras ficaram encantados com o poder do LSD, da psilocibina e de outros alucinógenos – substâncias que pareciam capazes de reorganizar a maneira como os pacientes viam o mundo e, segundo eles, ajudavam a superar as lutas com o alcoolismo e outras dependências. Mas a era da proibição das drogas pôs um fim a essa pesquisa por décadas.

Os cientistas começaram recentemente a fazer experimentos novamente com essas substâncias. Griffiths disse ao site “Business Insider” que começou a analisar experiências com voluntários saudáveis por volta de 2000, num momento em que tal sugestão chocava os conselhos de revisão, que achavam que seria muito perigoso.

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Mas, lentamente, ele conseguiu convencê-los. O pesquisador começou a recrutar voluntários que não tinham experimentado LSD ou cogumelos mágicos. Esta era uma das partes mais difíceis, diz ele, já que ele queria que as pessoas fossem novatas com os psicodélicos, mas a maioria das pessoas que ele achava que não tinham medo da ideia já haviam experimentado algumas.

Dose única

Depois que os pesquisadores estudaram um número de pessoas saudáveis, certas coisas sobre efeitos da psilocibina ficaram claras. Num contexto terapêutico, eles não encontraram efeitos adversos graves e duradouros do fármaco. Isso não significa que eles descobriram que ele é totalmente livre de risco, no entanto.

Griffiths é também o pesquisador sênior em outro artigo publicado recentemente no Journal of Psychopharmacology que entrevistou pessoas que tomaram alucinógenos fora de um ambiente clínico sobre suas piores experiências. Algumas pessoas disseram que passaram por experiências difíceis ou perigosas, algumas inclusive que as levaram a buscar tratamento psicológico mais tarde (Essa é uma pequena porcentagem de casos de uso psicodélico, e muitas dessas mesmas pessoas ainda dizem que suas experiências foram importantes e significativas, mas vale a pena estar ciente).

Mas em um ambiente clínico, uma alta porcentagem de voluntários relataram que a experiência foi uma das mais significativas que tiveram em sua vida, chamando-a de “espiritual” – algo que inspirou reverência e aumentou sua satisfação geral com a vida.

Experiências místicas

O mais interessante foi que essa substância parecia capaz de induzir de forma confiável e consistente o que se conhece como “experiências místicas”.

Esses efeitos profundos foram tão poderosos que eventualmente Griffiths e outros pesquisadores tentaram usar a psilocibina em pessoas lutando para lidar com a ansiedade sobre o fim da vida depois de serem diagnosticadas com uma doença potencialmente fatal, como o câncer. “Nós não temos uma boa maneira de tratar a ansiedade existencial e depressão que é proeminente em pacientes com câncer e não respondem bem ao tratamento tradicional”, ele disse ao Business Insider.

No entanto, uma única dose de psilocibina já pareceu útil, de forma profunda. Os pesquisadores deram aos pacientes uma dose de cerca de 20 miligramas de psilocibina para uma pessoa pesando 70 quilos. Os trabalhos anteriores de Griffiths mostraram que as pessoas que têm “viagens ruins” frequentemente tomam mais – uma média de 30 mg, o que equivale aproximadamente a 4 gramas de cogumelos secos.

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Demora cerca de 20 a 40 minutos para que as pessoas comecem a sentir os efeitos. Os pacientes ouviram música durante sua experiência. Griffiths diz que sua playlist incluiu uma mistura de música clássica, incluindo Henryk Gorecki, Bach e Beethoven; canto indiano, incluindo “Om Namah Shivaya”, de Russill Paul; New Age; e música do mundo, para que os pesquisadores pudessem estudar a “melhor” música para a experiência.

Os efeitos da psilocibina desapareceram após cerca de quatro horas – uma das razões pelas quais pesquisadores gostam de trabalhar com essa droga em vez de LSD, que pode durar até 12 horas. Depois, os pacientes conversaram e escreveram sobre o que tinham passado.

Mesmo seis meses após a experiência, 80% dos 51 participantes no estudo da JHU mostraram diminuições significativas na depressão e na ansiedade, conforme medido pelo que é considerado uma avaliação psiquiátrica “padrão ouro”. A equipe da NYU diz que entre 60% e 80% de seus 29 participantes tinham similarmente reduzido a ansiedade e a depressão 6 meses e meio após uma única viagem psicodélica.

Estes achados correspondem aos resultados de outros estudos piloto sobre a psilocibina até o momento. Esses estudos sobre o tratamento da depressão e ansiedade relacionados ao câncer têm sido promissores o suficiente para que os pesquisadores tenham começado pequenos estudos sobre o uso de psilocibina para tratar formas mais comuns de depressão. E, até agora, esses resultados têm sido encorajadores. A medicina tradicional para estes casos leva tempo, tem efeitos colaterais e muitas vezes não é muito melhor do que um placebo. Neste caso, uma dose parecia capaz de fazer uma enorme diferença.

Griffiths diz que uma maneira que os pesquisadores caracterizaram a experiência é como sendo o inverso de um Estresse Pós-Traumático. Nestes casos, uma experiência terrível pode mudar a forma como o cérebro de uma pessoa faz com que ela perceba o mundo, com efeitos duradouros. A experiência com a psilocibina seria como o oposto disso – uma única experiência significativa que as pessoas valorizam muito e tem efeitos transformadores e duradouros.

“Eu não acho que tenhamos modelos psiquiátricos como esse”, diz Griffiths. “É mais como uma intervenção cirúrgica”. (Abaixo, é possível ver as conexões feitas em um cérebro comum e, à direita, em um cérebro com psilocibina):

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Ainda assim, o processo de pesquisa ainda está no início. Centenas de pessoas já receberam com segurança doses de psilocibina, mas ela ainda é considerada uma droga, o que significa que legalmente não tem aceitação médica. Qualquer pesquisador sabe que antes que eles realmente possam dizer que a psilocibina é um medicamento seguro e eficaz, ela precisa obter passar pelos processos de aprovação necessários.

Como funciona a consciência?

E ainda há uma pergunta muito importante ainda não respondida, que podemos estar longe de compreender: como a psilocibina e os outros psicodélicos funcionam?

Sabemos que pessoas que tomam psilocibina e outros alucinógenos – nesses estudos, os participantes consumiram psilocibina sintética, não na forma de cogumelo – relatam que eles têm experiências místicas ou espirituais, coisas que consideram significativas. Mas não sabemos o que causa essas experiências.

Segundo Griffiths, ainda não sabemos o que é responsável pela nossa própria consciência no cérebro. Nós não temos uma boa maneira de caracterizar cientificamente as coisas que transformam a consciência. “Estamos em níveis muito primitivos de compreensão de experiências mais profundas deste tipo”, aponta ele.

Algumas teorias já foram levantadas. Uma interessante tem a ver com uma rede no cérebro conhecida como a rede de modo padrão, algo que associamos ao pensamento auto-referencial – pensar sobre nós mesmos. Em pessoas deprimidas, a atividade nesta rede do cérebro vai para cima, talvez por causa de algum tipo de auto-obsessão ou ruminação associada à depressão.

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Mas em certos momentos, essa atividade cai. A meditação parece estar associada a uma forte queda na atividade cerebral desta rede, o que parece corresponder à ideia de dissolução do ego, que é o objetivo de algumas práticas meditativas, segundo Griffiths. Ele diz que realmente se interessou em estudar a psilocibina por causa de sua longa prática de meditação, o que o fez pensar sobre a consciência e os significados das experiências espirituais (embora ele diga que era inicialmente um cético sobre alucinógenos).

A psilocibina parece causar uma queda na atividade da rede em modo padrão que é muito semelhante àquela induzida por certas meditações. Mas a experiência mística induzida é tão profunda que Griffiths acha que a diminuição da atividade não pode ser tudo o que está acontecendo. “Eu suspeito muito de histórias simplistas”, diz ele. Mesmo as pessoas que não encontram realmente a experiência “mística” ainda parecem sofrer uma reorganização no cérebro que muda sua percepção do mundo, algo que parece além das explicações até agora. Ainda mais difícil de entender são as mudanças de longo prazo causadas pela droga.

Olhando para a frente

Os pacientes nos estudos publicados em 1 de dezembro estavam lidando com ansiedade de fim de vida relacionada ao câncer, e deve ser salientado que, por agora, essas são as únicas pessoas a quem temos alguma ideia de como psilocibina afeta em um sentido clínico. Os dois estudos tinham desenhos relativamente semelhantes, embora existissem algumas diferenças. O estudo da NYU teve mais de um componente de psicoterapia organizada, e as pessoas que observaram os participantes eram terapeutas treinados. No estudo da JHU, que envolveu mais participantes, alguns dos observadores eram psicólogos, enquanto outros não tinham treinamento formal.

Em ambos os estudos, os participantes tiveram duas intervenções: uma com uma dose completa de psilocibina e outra com uma espécie de placebo. A NYU usou niacina, uma forma de vitamina B, como placebo. A JHU deu aos participantes psilocibina ambas as vezes, mas uma era uma dose não-psicoativa muito baixa: 1 mg a cada 70 kg, em vez de 20 mg. Griffiths diz que, uma vez que os participantes sabiam que iriam obter psilocibina ambas as vezes, eles tinham alguma capacidade de distinguir a diferença quando eles esperavam se sentir melhores porque eles “tomaram psilocibina” e quando eles realmente tiveram a experiência psicodélica completa.

E enquanto estes são os maiores estudos de seu tipo até agora, eles ainda são muito pequenos. Pesquisadores dizem que eles vão precisar ver resultados semelhantes em um número maior de pacientes lidando com a ansiedade pelo fim da vida, provavelmente por causa do câncer, a princípio. Griffiths e Ross disseram que esperam que outros estudos, em seguida, observem pacientes lidando com doenças terminais e ansiedade existencial – embora haja definitivamente uma chance de que se a psilocibina se mostra eficaz em casos de ansiedade por causa do câncer, ela pode funcionar para outros casos de depressão e outros tipos de ansiedade.

Eles estão começando a projetar ensaios para essas pesquisas agora. “Este é apenas um processo longo e contínuo”, disse Griffiths. “Quando eu iniciei esta pesquisa, a maioria dos meus colegas era cética, as pessoas pensaram que eu tinha ficado um pouco louco. Agora eu recebo chamadas a todo tempo de alunos que estão familiarizados com o que estou fazendo e dizem ‘Eu quero fazer isso’. Eu acredito que, com o tempo, seja em 10 ou 20 anos, vamos ter aprendido como otimizar o uso desses compostos, e vamos ter realmente bons modelos para usá-los terapeuticamente”, disse ele. Só o que podemos esperar é que o preconceito seja superado e não fique no caminho destes avanços. [Business Insider]

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