Pesquisadora defende controle do estresse para perder peso

Por , em 13.08.2016
Imagem: Creative Commons / Alan Cleaver

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Apesar de esforços de governos e médicos, a obesidade continua sendo um problema mundial. Segundo um estudo publicado na revista “Lancet”, um quinto da população brasileira – quase 30 milhões de pessoas – é obesa. Se considerarmos todos os brasileiros com 18 anos ou mais que estão acima do peso, os números chegam a 56,9%, o que representa 82 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, 71% dos americanos estão acima do peso.

Pesquisas ainda não encontraram alguma droga que ajude as pessoas a perder peso e não recuperá-lo. As abordagens tradicionais, tais como dieta e exercícios, podem funcionar a curto prazo, mas, à medida que retomam seus hábitos, as pessoas quase inevitavelmente revertem o processo de emagrecimento. Além disso, o excesso de peso pode trazer outros problemas graves, mesmo depois de intervenções cirúrgicas. Ensaios clínicos randomizados de cirurgias para perda de peso têm mostrado algumas melhorias na diabetes, mas não na mortalidade, câncer e doenças cardiovasculares.

Segundo a professora de Medicina da Família e Comunitária e Pediatria na Universidade da Califórnia, San Francisco, Laurel Mellin, se algum dia houver uma “pílula” para perder peso, ela agirá mudando o cérebro, particularmente as áreas primitivas do cérebro, o “cérebro emocional” ou cérebro de mamíferos e de répteis. Estas áreas abrigam os circuitos que controlam o estresse e emoções, pensamentos e comportamentos gerados pelo estresse.

“Estes circuitos podem ser religados em seres humanos, de modo que, ao alterná-los, temos uma chance de tratar a causa raiz dos problemas relacionados com o estresse, incluindo a obesidade”, explica a pesquisadora em seu artigo no portal The Conversation. “Enquanto em alguns o sobrepeso e a obesidade são causados pela estrutura genética, cada vez mais pesquisas indicam que o estresse desempenha um grande papel no ganho de peso. Muitas pessoas sob estresse recorrer à comida buscando conforto”.

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Mellin e seus colegas se propuseram a desenvolver uma abordagem baseada em neurociência para lidar com a gestão de peso e com os excessos comuns que todos enfrentamos. Por meio de treinamento do cérebro emocional, a ideia era usar ferramentas baseadas em neurociência para mudar o cérebro de modo que toda a gama de excessos comuns desaparecesse gradualmente. No centro de tratamento e estudos comandado por ela nos Estados Unidos, o método tem mostrado resultados promissores.

“O cérebro emocional é comando central para o peso e os excessos comuns”, aponta. “Ele inclui os centros de medo, de recompensa e de fome. Quando o cérebro está sob estresse, todos os três centros impulsionam consumo de alimentos em excesso e ganho de peso. Temos fortes motivações para fazer exatamente o que nós sabemos que não devemos fazer. Não conseguimos evitar! Nosso cérebro emocional está sob estresse”.

Esse estresse aumenta o valor de recompensa da comida, aumenta a fome por carboidratos e diminui a taxa metabólica, quase garantindo o ganho de peso. “A conexão entre estresse e obesidade tem sido bem documentada”, explica a pesquisadora. “Nosso cérebro pensante (neocórtex) desliga e os extremos do nosso cérebro emocional dão as cartas”.

Para cuidar do seu corpo, cuide do seu cérebro

“O primeiro passo para assumir o controle do nosso peso é desestressar o cérebro emocional”, afirma Mellin, que dirige o centro nacional de coordenação de pesquisa para o treinamento do cérebro emocional [EBT, do inglês emotional brain training], em San Rafael, na Califórnia. “No treinamento do cérebro emocional, liberamos o estresse checando-o várias vezes ao longo do dia, identificando o nosso nível de estresse e, usando a técnica para aquele nível de estresse, reduzi-lo a um estado de bem-estar”.

De acordo com o método da pesquisadora, há cinco níveis de estresse e cinco ferramentas. Para se ter uma ideia de como eles funcionam basta respirar fundo algumas vezes, checar com você mesmo e identificar o seu nível de estresse. Em seguida, é só usar as ferramentas para aquele nível de estresse para reduzi-lo rapidamente.

1. Ferramenta de Compaixão (nível de estresse 1 – estresse muito baixo): Diga a si mesmo: “Sinto compaixão por mim mesmo”, então espere que uma onda de compaixão flua através do seu corpo. Em seguida diga: “Sinta compaixão pelos outros”, e sinta uma leve onda de calor. Por último, diga, “Sinta compaixão por todos os seres vivos.”

2. Ferramenta de Sentimentos (nível de estresse 2 – estresse baixo): Pergunte a si mesmo: “Como eu me sinto?”. Muitas vezes, três sentimentos se manifestam, mas espere tempo o suficiente para que um dos sentimentos seja mais forte. Esse é o sentimento que você está procurando! Em seguida pergunte: “O que eu preciso?” E, finalmente, “Eu preciso de ajuda?”.

3. Ferramenta de Fluxo (nível de estresse 3 – um pouco de estresse): Diga: “Sinto raiva de…” e veja quais palavras vêm a sua mente para completar essa frase. Diga a frase novamente, trocando por outros sete sentimentos: tristeza, medo, culpa, gratidão, felicidade, segurança e orgulho. Perceba a leveza em seu corpo e como o estresse desaparece. Por quê? De acordo com a equipe, quando nos permitimos sentir nossos sentimentos negativos, eles desaparecem. Já não estamos em perigo e o cérebro se concentra naturalmente em sentimentos positivos que nos dão a energia para seguir em frente e fazer coisas boas em nossa vida.

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4. Ferramenta de Ciclo (nível de estresse 4 – estresse alto): Comece afirmando o que está incomodando você; não se segure! Então, prossiga dizendo “Sinto raiva de… Eu não aguento quando… Eu odeio que…” e preste atenção a quais palavras chegam a sua mente. Isso pode desbloquear o circuito de modo que você possa mudar em um nível mais profundo. Faça uma pausa e respire profundamente algumas vezes, em seguida, diga as palavras: “Eu fico triste quando… Eu sinto medo de… Sinto-me culpado que…” e mais uma vez veja as palavras que chegam a sua mente.

Em seguida, ajude a você mesmo dizendo: “É claro que eu poderia fazer isso [comer demais, por exemplo], porque a minha expectativa surreal é…” e, novamente, espere as palavras borbulharem em sua mente inconsciente, como: “Eu me sinto seguro quando como demais”. “Isso é apenas uma falha de uma memória que precisa ser atualizada”, conta Mellin. Para atualizá-la, basta dizer a expectativa oposta – como “Eu não posso buscar a minha segurança na comida… Eu posso buscar a minha segurança conectando-me comigo mesmo”.

“Como você disse isso quando o circuito foi recém-desbloqueado, o circuito pode mudar para a expectativa que você escolher. À medida que a nova expectativa se torna dominante, os impulsos emocionais para vários excessos (incluindo alimentos) podem começar a desaparecer assim que a mudança de comportamento se torna mais fácil”, diz.

5. Ferramenta de Controle de Danos (nível de estresse 5 – estresse muito alto): Quando estamos tão estressados assim, precisamos ser ajudados e confortados. Às vezes, simplesmente abraçar suas pernas ou respirar profundamente já ajuda. Além disso, você pode dizer palavras calmantes repetidamente: “Não julgue. Minimize os danos. Sei que vai passar. Afinal, é apenas estresse e ele vai desaparecer”.

Circuitos de sobrevivência e impulsos para comer demais

“Uma vez que você começou a libertar o estresse do seu cérebro emocional, há grandes chances de que você note que muitas vezes você ainda se deixa levar por seus impulsos causados por ele. Você pode até se culpar por aquele lanche da madrugada ou aquela refeição sem sentido”, conta a pesquisadora. “Na verdade, [a causa disso] é apenas um circuito de sobrevivência”.

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Estes circuitos são codificados para que, quando estivermos estressados, busquemos o alimento para lidar a situação. O cérebro lembra que o alimento “nos salvou” do estresse, por isso codifica uma expectativa, como “Eu me sinto seguro quando como”. Esse circuito pode ser repetido por toda a vida, fortalecendo e a abatecendo esse comportamento em relação à comida.

Porém, de acordo com a especialista, as pesquisas atuais demonstram que esses circuitos de sobrevivência podem ser religados – e é isso que é feito com a técnica do EBT. “Na verdade, eles só podem ser religados quando estamos estressados. Só então o circuito é desbloqueado e as mudanças são mais duradouras”, escreve a cientista. “Quando está estressado e desejando comida, o usuário do EBT busca uma ferramenta, não a comida, e a usa para parar aquele desejo e mudar o circuito. A vontade de comer em excesso desaparece”.

O último passo: não recuperar o peso

Não recuperar o peso é difícil, mas, segundo Mellin, isso pode ser mais fácil se melhorarmos ponto de ajuste emocional do cérebro. Muitas vezes, um ponto de ajuste na tensão é codificado a partir de experiências adversas no início da vida e provoca uma sobrecarga de estresse crônico no cérebro emocional, uma configuração perfeita para a recuperação do peso.

“A solução é subir o ponto de ajuste emocional, tirando o cérebro emocional do estresse crônico, motivo pelo qual o programa do EBT destina-se a aumentar o ponto de ajuste”, diz. Com isso, aqueles que utilizam o método seriam mais resistentes a novas tensões e teriam menos probabilidade de recuperar o peso que perderam. “Acima de tudo, eles têm mais alegria em suas vidas diárias”. [I Fuking Love Science, The Conversation, Portal Brasil, BBC Brasil]

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