Derretimento extensivo do solo do Ártico pode ser uma bomba relógio do clima

Por , em 3.04.2016

Abaixo de boa parte do Ártico existem vastas quantidades de gases de efeito estufa, trancados por milênios em solos gelados. Com isto em mente, dois estudos dão uma má notícia em dose dupla: não apenas estes reservatórios estão descongelando mais amplamente do que se pensava, mas, nesta fase, não há muito que pode ser feito para combater a situação.

Segundo o jornal “The Washington Post”, em meio às temperaturas quentes que atingiram o Ártico este ano, os dois estudos ampliam as preocupações com um dos cartões selvagens do aquecimento do planeta, já que o aquecimento acelerado dos solos do Ártico (chamados de permafrost, ou pergelissolo) poderia aumentar muito o efeito estufa.

Gelo milenar

Em um grande estudo internacional publicado na semana passada na revista “Nature Geoscience”, uma equipe de pesquisadores de regiões que vão desde o Alasca à Rússia relatam que o permafrost está derretendo mais rápido do que o esperado, mesmo em algumas das áreas mais frias. Nestas regiões, o congelamento do inverno abre rachaduras no chão, que, no verão, se enchem de água da neve derretida. Quando acontece o recongelamento no inverno, grandes fatias de gelo se formam no meio do chão gelado. Estas “cunhas de gelo” podem se estender por dez ou quinze metros de profundidade e, em alguns casos, podem ter milhares de anos de idade.

Mas, usando amostragem de locais altos do Ártico na Rússia, Alasca e Canadá com base em dois estudos de campo e observações de satélite, a pesquisa descobriu que em todo o Ártico, os topos destas cunhas estão derretendo, à medida que a camada superior do solo permanentemente congelado – que se encontra abaixo de uma “camada ativa” de solo que congela e descongela regularmente – também começa a descongelar. Dez dos onze locais avaliados mostraram degradação extensiva.

“Nos locais onde temos uma quantia suficiente de dados, estamos vendo esse processo acontecer em menos de uma década e mesmo depois de um verão quente”, conta Anna Liljedahl, principal autora do estudo e pesquisadora da Universidade do Alasca em Fairbanks, em entrevista ao “The Washington Post”. “A comunidade científica tinha a hipótese de que este permafrost estaria protegido do aquecimento do clima, mas estamos mostrando que a parte superior do permafrost, mesmo que seja muito fria, é muito sensível a esses eventos aquecimento”.

Estudo pioneiro

O novo estudo incide especificamente sobre as consequências desta degradação das cunhas de gelo na hidrologia da região. O derretimento das cunhas de gelo redistribui a água em uma escala maciça. Ela pode fluir para longe, em rios e no Oceano Ártico, ou se acumular em lagos.

No entanto, a implicação real é muito mais ampla, de acordo com o coautor Ken Tape de Liledahl, também professor na Universidade do Alasca-Fairbanks. “É o primeiro estudo em que essas características e mudanças foram documentadas em todo o Ártico”, afirma Tape. Em estudos ocasionais, um só lugar era analisado. “É muito diferente dizer que isso está acontecendo em todo o Ártico”.

“[O Ártico] é uma região que pensávamos até recentemente que se manteria inteira com um pouco mais de facilidade, porque há tanto permafrost gelado, e o frio vai tão fundo”, continua o pesquisador. “Eu acho que a ideia era que ele seria mais estável do que isso”.

Influência mundial

Para outro dos coautores, o especialista em permafrost Vladimir Romanovsky, também da Universidade do Alasca-Fairbanks, a degradação do permafrost não afeta apenas a água, mas também a atmosfera do planeta. “A degradação de cunhas de gelo mostra que a parte superior do permafrost está derretendo e o descongelamento da parte superior do permafrost definitivamente está produzindo gases de efeito estufa adicionais”, diz.

O problema é que, quando estes solos congelados descongelarem, mesmo por apenas uma parte do ano, os microrganismos que vivem dentro deles podem começar a quebrar plantas mortas, mas preservadas, de eras passadas, e liberar seu carbono na forma de dióxido de carbono ou metano. Romanovsky diz acreditar que a atmosfera da Terra já contém mais gases de efeito estufa devido a este descongelamento.

Estima-se que o permafrost ártico contém aproximadamente o dobro do total de carbono presente em toda a atmosfera planetária em suas profundezas geladas, porque estas paisagens o preservaram lentamente durante grandes períodos de tempo.

Mudanças na paisagem

O resultado deste degelo não é apenas a liberação de mais dióxido de carbono na atmosfera. O derretimento das cunhas de gelo leva ao afundamento do solo, criando uma paisagem acidentada, não natural, que prejudica o transporte e a infraestrutura do Ártico. “Em vez de ter uma paisagem relativamente suave, em que é fácil de dirigir veículos de neve, você cria esta paisagem acidentada, com desníveis que poderiam chegar a um ou dois metros de altura”, explica Liljedahl.

Há alguns argumentos de que pode haver outros fatores que compensariam as emissões de carbono do permafrost. Alguns têm sugerido, por exemplo, que mais plantas vão crescer no Ártico mais quente, capturando mais carbono, e que isso vai ajudar a compensar as perdas do permafrost.

Mas no segundo estudo, recentemente publicado na revista “Environmental Research Letters”, uma avaliação feita por cerca de 100 cientistas do Ártico encontrou poucos motivos para acreditar que haverá qualquer fator que compensará as emissões de gases do permafrost o suficiente para reduzir o nível de preocupação.

“Não se deve contar com o Ártico e a biomassa boreal para compensar a liberação de carbono do permafrost”, conclui a avaliação de especialistas. O artigo sugere que a região do permafrost vai se tornar uma fonte de carbono para a atmosfera até 2100, independentemente do cenário de aquecimento.

Controle do aquecimento global

Estes estudos são cruciais por causa das consequências para o problema das alterações climáticas. Quase não há um limite de quantos gases de efeito de estufa podem ser emitidos se quisermos evitar um determinado nível de aquecimento – digamos, 1,5 graus Celsius ou 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.

Os pesquisadores chegaram a quantificar um limite, sugerindo que não poderíamos emitir mais de 1.000 bilhões de toneladas, ou gigatoneladas, de dióxido de carbono de 2011 em diante se quisermos uma chance melhor de este aumento na temperatura global ficar abaixo de 2 graus Celsius. O resultado inevitável é um orçamento de carbono planetário extremamente apertado para os próximos anos.

O degelo do permafrot tem o potencial de derrubar tudo isso. A última coisa que o mundo precisa, enquanto tenta reduzir as emissões de gases de efeito estufa, é o surgimento de uma nova fonte importante deles, provocada pelo aquecimento em si. No entanto, é exatamente disso que estamos falando.

Ainda é bastante incerto quanto e quão rápido o permafrost pode emitir. Porém, dado o atual conhecimento científico, poderia facilmente ser bem mais de 100 gigatoneladas de dióxido de carbono até o final do século – ou um décimo do orçamento de carbono que ainda temos. E poderia até ser mais do que isso.

Para Romanovsky, devemos contar com pelo menos esses 10% de déficit no orçamento de carbono devido ao derretimento do permafrost em qualquer tipo de projeção para os gases do efeito estufa. “E eu diria que neste momento [as emissões pelo permafrost] ainda são lentas, mas com um maior aquecimento, provavelmente até meados do século, elas serão muito maiores”, afirma. [The Washington Post, Nature Geoscience, IFLS, Environmental Research Letters]

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