Saído direto da lenda amazônica: conheça o rio com água fervente

Por , em 19.02.2016

Durante séculos, nativos têm falado sobre um rio na Amazônia peruana com uma água tão quente que pode matar.

A lenda é famosa, mas a maioria dos cientistas não dava muito crédito a ela, pois rios quentes são geralmente associados a vulcões, e não existem vulcões naquela parte do país.

Isso até o geocientista peruano Andrés Ruzo começar a questionar se o rio poderia realmente ser real. Quando ele perguntou a sua família de onde vinha esse mito, sua mãe lhe disse que o rio não apenas existia, como ela e sua irmã já tinham até nadado nele.

Em 2011, Ruzo teve uma chance de explorar a floresta amazônica com a sua tia e, surpreendentemente, viu o famoso rio com seus próprios olhos.

86° C

Ruzo obviamente não foi o primeiro a descobrir o rio. Além disso, tal como sugerido pelo seu nome indígena – Shanay-timpishka, que significa “cozido com o calor do sol” -, também não foi o primeiro a se perguntar o que o deixou tão quente.

“Quando eu vi [o vapor quente], imediatamente peguei meu termômetro”, disse Ruzo em uma palestra TED em 2014. “A temperatura média do rio era de 86 graus Celsius, não é bem fervente, mas é definitivamente perto o suficiente… Não é uma lenda”.

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A parte mais intrigante do rio, porém, é o seu tamanho. Nascentes de água quente não são incomuns, e piscinas termais chegam a estas temperaturas em outras partes do mundo, mas nenhuma tem o alcance do Shanay-timpishka, que possui 25 metros de largura, 6 metros de profundidade e 6,24 quilômetros de extensão.

Por que tão quente?

O Shanay-timpishka está a 700 quilômetros do sistema vulcânico mais próximo. Logo, sua temperatura simplesmente não fazia qualquer sentido. Na verdade, ele é o único rio de seu tipo no mundo.

Ruzo passou os últimos cinco anos estudando o ecossistema da região na esperança de descobrir o que estava acontecendo.

Sua pesquisa, apoiada em parte por uma bolsa oferecida pela National Geographic, está finalmente começando a revelar alguns de seus segredos.

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O que esquenta a água do rio, aparentemente, são fontes termais alimentadas por falhas geológicas.

Sistema antigo

Imagine que a Terra é como o corpo humano, com falhas e rachaduras que funcionam como artérias. Estas “artérias” são preenchidas com água quente e, quando vêm à superfície, vemos manifestações geotérmicas como o rio fervente.

A análise química revelou que a água do rio originalmente caiu como chuva. Ruzo agora crê que sua formação aconteceu muito longe – talvez tão longe quanto nos Andes – e, ao longo de sua jornada, essa água escoou para baixo na terra, onde foi aquecida pela energia geotérmica da Terra. Eventualmente, o rio foi parar na Amazônia.

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Isso significa que ele é parte de um sistema hidrotérmico enorme, do tipo que nunca tinha sido visto em nenhum outro lugar do planeta.

Vida microbiana

Ruzo tem trabalhado com os biólogos Spencer Wells e Jonathan Eisen para sequenciar os genomas dos micróbios que vivem dentro e ao redor do rio. Juntos, eles descobriram novas espécies que são capazes de sobreviver ao calor.

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É claro que, por mais fascinante que o rio seja, como a lenda amazônica uma vez previu, ele pode ser mortal se você não for um desses micróbios.

Sua água pode ficar tão quente que Ruzo tem visto regularmente animais caírem no rio e ferverem lentamente até a morte.

Ainda assim, existe a possibilidade das pessoas nadarem no rio, como a mãe do cientista alegou ter feito. Isso só acontece depois de chuvas pesadas que diluem o Shanay-timpishka com água fria. Mais frequentemente, seu conteúdo é usado para fazer chá e para cozinhar.

Um local a ser protegido

Ruzo vai continuar a estudar o rio e sua fonte. Seu foco principal agora é proteger o ecossistema da área. Ele até se recusou a revelar alguns resultados de sua pesquisa até que o governo peruano garanta medidas de conservação adequadas ao lugar.

“No meio do meu doutorado, eu percebi que este rio é uma maravilha natural”, disse Ruzo ao site Gizmodo. “E não vai continuar a existir a menos que façamos algo a respeito”.

O pesquisador lançou o livro “The Boiling River” a fim de contar para o mundo sobre esse sistema único, e angariar apoio para salvá-lo de madeireiros e desenvolvedores.

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“O planeta está ficando pequeno, e maravilhas naturais como esta são poucas e distantes entre si”, conclui o cientista. [ScienceAlert]

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