Seria o fim do shampoo como o conhecemos?

Por , em 20.10.2014

Se você estiver sem nada para fazer e com uma folga no orçamento durante um passeio por Nova York, talvez possa ser uma boa ideia fazer uma visita ao salão Hairstory, no centro de Manhattan. Lá, ao ser atendido pelo cabeleireiro Wes Sharpton, peça para que ele use em você o Purely Perfect (“Puramente Perfeito”) para lavar seus cabelos. Algumas pessoas o usam como uma máscara; outros apenas aplicam e enxaguam. O estúdio ainda oferece cortes, coloração e escova, tudo com produtos da marca.

Ao invés de um mero e mortal shampoo, esse é chamado de “creme de limpeza”. Inventado por Michael Gordon, o criador da marca Bumble and Bumble, funciona como um substituto de shampoo – um tratamento tudo-em-um de limpeza e nutrição. O que o separa dos itens de cuidados capilares que enchem as prateleiras dos mercados e farmácias é que ele não contém “surfactantes” – os detergentes que dão ao shampoo suas qualidades de formação de espuma. Ele também não tem sulfatos ou parabenos, duas substâncias químicas que têm associações leves com câncer. Em vez disso, ele é feito de aloe vera, óleos diversos e substitutos de sulfato. Por isso, não tem uma consistência espumosa, como shampoo, ficando um pouco mais parecido com uma loção hidratante.

Ele limpa mesmo assim, insiste Gordon. “O problema com o shampoo é que você tem que fazer um monte de produtos para tentar corrigir o que o shampoo faz”, diz. Os produtos químicos mencionados tiram dos cabelos seus óleos naturais, o que nos faz precisar do condicionador. A fórmula de Gordon, por outro lado, depende de álcoois graxos, que são produtos de limpeza suave, por isso não há necessidade de combater nada com produtos adicionais. Isso significa menos tempo no chuveiro, menos desperdício de água e menos coisas para comprar – ainda que um frasco de menos de 250 ml de Purely Perfect custe gritantes US$ 40 (mais de R$ 80).

Com a sua criação, Gordon espera mudar a rotina de banho dos norte-americanos e matar o shampoo ao longo do caminho. “Eu acho que, honestamente, em cinco anos as pessoas vão dizer: ‘Oh Deus, lembra quando nós costumávamos lavar o cabelo com shampoo?'”, afirma o profissional. No futuro de Gordon, todos estaremos usando o PP e “limpadores” similares, não os “espumantes” atuais.

Considerando-se o domínio (ou tirania) do shampoo em sua forma atual, a visão dele é ambiciosa. Porém, essa causa não é só dele. Purely Perfect é apenas o mais recente produto a chegar ao front da resistência. Ele se junta a uma comunidade de outros produtos sem espuma e livres de sulfato.

O que é o shampoo, afinal?

Como o criador de Purely Perfect observou, a principal propriedade de shampoo é sua espuma, ou a presença de detergente, o termo genérico para os surfactantes ou sulfatos. Limpadores minimizam ou, no caso do PP, erradicam completamente o ingrediente, transformando o shampoo em algo mais próximo de um creme ou loção.

Surfactantes, de acordo com os fabricantes de produtos de limpeza sem shampoo, são ruins. “Cada vez que se ensaboa, você está quebrando o seu cabelo, tornando-o mais fino, mais fraco, causando desbotamento da cor e roubando do seu couro cabeludo seus óleos essenciais naturais, causando estragos”, explica Chaz Dean, o criador da Wen Produtos para Corpo e Cabelo. “Você não usaria sabões ásperos e produtos químicos para limpar a pele, então por que usá-los para limpar o seu cabelo?”, questiona.

A espuma do shampoo, ainda que agressiva para o cabelo, não existe apenas pelas aparências – ela realmente limpa. “Nós realmente não limpamos tanto quanto um shampoo normal”, admitiu Ralf Zissel, que faz parte da gerência do No-Poo, outro produto sem detergente feito especificamente, mas não exclusivamente, para aqueles abençoados com cabelo encaracolado. “Mas também acho que não é necessário limpá-lo com esses ingredientes agressivos”, acrescentou Zissel. A lavagem diária pode, contudo, ser um exagero. Isso é especialmente verdade para as pessoas com cabelo grosso ou crespo que possam querer reter óleos naturais para manter o cabelo macio.

Mais pessoas de todos os tipos de cabelo estão comprando essa promessa. As vendas da No-Poo quase dobraram nos últimos três anos e 2014 promete ser melhor ainda. Enquanto isso, as prateleiras ficaram mais lotadas com produtos que se afastam da nossa concepção tradicional de shampoo.

“É um movimento que está se tornando uma dos tópicos de mídia de beleza mais sensacionalizados no último ano, aproximadamente”, acrescentou Colin Walsh, presidente da DevaCurl, fabricante do No-Poo. Ele e outros atribuem a tendência à consciência a respeito dos ingredientes. Shampoos livres de sulfato, por exemplo, praticamente não existiam há 10 anos. O Pureology basicamente criou a categoria quando foi lançado no início dos anos 2000, postulando-o como uma alternativa melhor para cabelos tingidos. A L’Oreal adquiriu a marca em 2007, e agora shampoos “sem sulfato” estão disponíveis em redes de farmácias populares presentes em todo os EUA. No Brasil, diversas marcas já oferecem o produto e são queridinhos daqueles que têm cabelos cacheados.

“Isso se encaixa com a tendência atual de mercado de incentivar o natural”, diz Tim Barrett, analista da Euromonitor. A gerações atuais viram os resultados do abuso químico e não querem seguir esse caminho. Ao invés disso, os consumidores estão inclinados na direção de produtos com ingredientes orgânicos e alguns estão até mesmo abandonando o shampoo completamente.

Mas isso funciona?

A ciência da recusa a usar shampoos é instável. “Se você lavar o cabelo todos os dias, você está removendo o sebo”, explica Michelle Hanjani, dermatologista da Universidade de Columbia (EUA). “Em seguida, as glândulas de gordura compensam produzindo mais óleo”. O correspondente da Hairpin cita este fenômeno em seu último artigo e relata que agora seu couro cabeludo produz menos óleo. Porém, Nicole nega essas alegações, comparando-as com o mito de que barbear mais faz o pelo crescer mais rápido e mais grosso. “Nós sabemos que isso não é verdade”.

Além disso, pouca evidência científica sugere que os produtos químicos no shampoo são simplesmente ruins para nós ou para o meio ambiente, o que, naturalmente, é a mensagem subjacente do Purely Perfect com a sua notável falta de determinados produtos químicos. A Academia Norte-Americana de Dermatologia admite que sulfatos são realmente “severos” e alerta as pessoas que têm pele sensível.

A literatura médica mostra que shampoos tradicionais podem causar dermatite de contato irritativa para algumas pessoas. A maioria das pessoas, no entanto, não terá problemas. A Sociedade Norte-Americana do Câncer rejeitou a ideia de que os sulfatos e parabenos sejam cancerígenos presentes nos shampoos. “Não se esqueça que todos esses produtos são diluídos”, Zissel observou.

Apesar de todas as outras reivindicações, a guerra contra o shampoo é sobre a estética. “A funcionalidade é mais poderosa do que o marketing”, garante Walsh. As pessoas compram Deva porque ele tem menos produtos químicos, mas só continuam a usá-lo por ter bons resultados.

O Purely Perfect pode atrair pessoas com a sua “postura veemente contra shampoo”, contudo ela só será bem sucedida se os usuários gostarem do que ele faz com a aparência do seu cabelo. E Gordon sabe disso. Usando o Instagram e ações de marketing do Hairstory, por exemplo, eles tentam popularizar o look um pouco oleoso que é resultado de seu produto livre de detergente.

Para a sorte do empresário, além de um mercado crescente de beleza natural, o grunge está de volta e, com ele, o cabelo oleoso. [Fast Company]

Deixe seu comentário!