Testemunhas oculares podem estar equivocadas

Por , em 28.09.2011

O americano Troy Davis foi executado recentemente por injeção letal, e sem dúvidas sua morte ainda levantará muitas questões polêmicas. Afinal, Davis foi acusado de assassinato baseado apenas em testemunhas oculares, algumas das quais alteraram o que tinham dito anteriormente. Essa questão não traz dúvidas apenas entre os indivíduos que ficaram com o pé atrás acompanhando esse caso, mas também nos cientistas cognitivos.

“Esta não é a primeira vez que uma pessoa é condenada apenas com base em depoimentos de testemunhas oculares e em provas circunstanciais”, disse Jason Chan, professor de psicologia na Universidade de Iowa. Ele acrescentou que o número de testemunhas oculares que deram seu depoimento foi relativamente incomum.

Jason Chan não pode revelar a verdade do caso, mas ele disse que relatos de testemunhas oculares de crimes são como outras memórias: não são totalmente confiáveis.

“Muitas vezes as pessoas superestimam sua capacidade de lembrar-se das coisas, e este excesso de confiança pode levar outras pessoas (como o júri) a acreditar no que elas estão dizendo” afirmou Chan.

Algumas das falhas de memória que mexem com sua confiabilidade acontecem logo na cena do crime. As coisas acontecem rapidamente, e a carga emocional de testemunhar cenas fortes pode impedir que as pessoas percebam detalhes importantes.

Se há uma arma, as pessoas tendem a voltar todas suas atenções para ela. Elas prestam mais atenção na arma do que no rosto da pessoa que está a segurando, por exemplo. Por isso, muitas vezes as informações que entram em nosso sistema de memória são limitadas.

A próxima fonte de incerteza de memória acontece durante a investigação. Questionamentos sugestivos podem distorcer as lembranças e as informações. Cada vez que uma testemunha reviver o crime, seja em voz alta para um investigador ou em sua própria cabeça, a memória distorcida é reforçada.

Um caso famoso que retrata isso foi o da estudante universitária Jennifer Thompson, que foi estuprada. Horrorizada, tentou descrever o agressor para a polícia e a um artista que fez um desenho do possível estuprador. O retrato era muito semelhante a Ronald Cotton, que ficou preso por 11 anos, injustamente, já que o verdadeiro autor do crime foi identificado bem mais tarde.

É provável que o esboço da polícia tenha alterado a memória do rosto do estuprador na cabeça de Jennifer. Quando ela viu o desenho a sua confiança só cresceu, e a imagem de Ronald Cotton começou a assombrá-la. Quando ela conheceu seu estuprador real no tribunal, ela nem mesmo o reconheceu.

A culpa não foi exatamente da fraqueza de Jennifer, mas da distorção da memória, comum ao longo do tempo e em determinadas situações.

Muitas vezes, depois de testemunhar eventos traumáticos, como um assassinato ou mesmo o atentado às Torres Gêmeas, de 11 de setembro, nós pensamos que nos lembramos de todos os detalhes vividamente. Mas a verdade é que muitas vezes erramos, como muitas investigações têm demonstrado.

Também é possível que várias informações se misturem a nossa memória, e imaginemos que esse conjunto de ideias faz parte de um todo verdadeiro. Se, por exemplo, uma testemunha ocular der uma declaração e, em seguida, ouvir policiais falando sobre o crime, ela pode inserir o conteúdo da conversa na memória antiga.

“Há muitos casos em que a desinformação é introduzida nas pessoas sem elas perceberem”, disse Chan. “Pode ser pela polícia, ou através de amigos. As pessoas podem confundir as nossas memórias, ainda que não tenham informações específicas relativas ao caso testemunhado”.

Testemunhas podem se sentir confiantes sobre falsas memórias. Se um policial disser: “Esse é o cara”, ou “Nós imaginamos que seja ele”, a confiança de uma pessoa em memórias instáveis pode aumentar, sem que elas sequer saibam de onde veio o sentimento de certeza.

Existem maneiras de melhorar a qualidade dos relatos de testemunhas oculares. Uma das principais maneiras de fazer isso é recolhendo o testemunho cedo, antes que as memórias sejam contaminadas. Também há orientações para que os investigadores sejam os mais neutros possíveis, para evitar influenciar sutilmente uma testemunha e pegar o suspeito errado.

Mas enquanto os julgamentos criminais se arrastarem por muitos anos, o potencial de contaminação de memória continuará a existir. [LiveScience]

5 comentários

  • nml:

    O testemunho ocular depende muito da pessoa, da situação. Não é o ideal apenas esta sustentação pois deveria amparar um extenso trabalho investigativo. Li também de um delegado que é a ‘prostituta das provas’. Quem conhece um pouquinho de Brasil, vai entender.

  • Bovidino:

    Sabe-se perfeitamente que todos os nossos sentidos são passíveis de erro e a visão é um deles.
    As ilusões de ótica estão aí para provar.
    Todavia, os erros judiciais são provocados muito mais pela demora dos processos e dos julgamentos, pela influência parcial dos investigadores e dos advogados, sem contar com a possibilidade de testemunhas industriadas e pagas para mentir.

  • Marte:

    Há um excelente filme – “Meu Primo Vinny” (estrelado por Joe Pesci, Ralph Macchio, Marisa Tomei) – que trata justamente disso. No filme, um advogado fanfarrão, vivido por Joe Pesci, provoca uma reviravolta em um julgamento provando que as testemunhas oculares não são tão confiáveis assim.

    Infelizmente, para Troy Davis, a vida não imitou a arte.

    • Cesar:

      Excelente filme, lembro dele até hoje. O autor colocou no filme todos os erro de percepção possíveis. E no fim, colocou a cereja do bolo, que foi o testemunho de uma especialista (a Marisa Tomei, fantástica) que realmente conhecia o seu trabalho.

    • Marte:

      Bônus: Marisa Tomei levou o Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo papel.

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