10 sociedades anarquistas que funcionaram

Por , em 13.11.2017

A palavra “anarquia” ganhou um sentido ideológico hoje que não faz jus ao pensamento original.

Um dos precursores do anarquismo foi William Godwin (1756 – 1836), que propunha um novo tipo de arranjo social em que as pessoas não estivessem subordinadas à força dos governos e leis.

Na época, o anarquismo, como o comunismo, era visto como um sistema de governança alternativo que poderia substituir o capitalismo, criando uma sociedade mais justa.

Os anarquistas acreditavam que toda instituição dotada de poderes impedia o alcance da liberdade. Dessa forma, o Estado, a Igreja e outras instituições deveriam ser abolidas em favor de um mundo regido por pessoas livres. Além disso, as classes sociais também deveriam ser combatidas, por meio da extinção das propriedades privadas.

Apesar de ter florescido e ganhado força ao longo do século XX, o anarquismo não conseguiu se firmar como movimento generalizado no mundo moderno, embora tenham existido algumas tentativas bem-sucedidas.

Confira exemplos de sociedades anarquistas que funcionaram por um tempo, ou que funcionam até hoje:

10. Revolução anarquista catalã


Em resposta ao golpe de Estado espanhol de julho de 1936, quando os fascistas tentaram controlar a Espanha, a Confederação Nacional do Trabalho-Federação Anarquista Ibérica (na sigla em espanhol, CNT-FAI), um partido anarquista da Catalunha, liderou uma revolta popular organizando milícias contra as forças nacionalistas.

Essas milícias eram constituídas por 18 mil trabalhadores (incluindo George Orwell, que lutou pelos catalães). Eles foram capazes de derrotar as forças nacionalistas e ganhar independência. As milícias eram lideradas por delegados eleitos que decidiam juntos o curso de ação de cada uma.

A CNT-FAI foi criticada por se juntar ao governo nacional, o que significava trabalhar com grupos socialistas como o Partido Socialista Unificado, mas afirmou ter feito isso para ter uma melhor chance de ganhar a guerra contra a Espanha.

Também foi capaz de implementar algumas das políticas que defendia, como a coletivização de terras e recursos. Os anárquicos incentivaram a coletivização voluntária, onde os trabalhadores reuniam seus recursos e realizavam reuniões gerais com todos os seus participantes. As fábricas também foram confiscadas e controladas por comitês de operários.

Eventualmente, o governo anarquista caiu em uma grande ofensiva nacionalista em 1938.

9. Comuna de Paris


Em 1871, a Comuna de Paris surgiu como uma reação à guerra franco-prussiana, sendo frequentemente considerada como o primeiro exemplo de classe trabalhadora conquistando poder.

Depois que o exército francês foi derrotado pelos alemães, a Guarda Nacional de Paris se uniu aos cidadãos para realizar eleições livres e determinar quem governaria a cidade.

A “Comuna” implementou políticas anarquistas, como transformar os locais de trabalho em cooperativas. Nas palavras de Mikhail Bakunin, um comunista famoso na época, foi uma “negação claramente formulada do Estado”.

Entretanto, os anarquistas se opuseram a algumas ações da Comuna, como o estabelecimento de um Comitê de Segurança Pública que usava o terror para proteger os ideais da revolução. No geral, eles acreditavam que a Comuna não iria longe porque manteve ideias de representação governamental.

Por fim, o governo da França derrotou a Comuna e restabeleceu seu controle sobre a cidade.

8. Território Livre


O Território Livre foi um estado anarquista criado na Ucrânia por Nestor Makhno, cuja existência durou de 1918 a 1921.

Este foi um dos poucos Estados baseados inteiramente na ideologia anarquista no mundo, e tinha uma bandeira bastante provocativa: uma imagem de um crânio com as palavras “Morte a todos que impedem o caminho da liberdade para os trabalhadores!”.

Com um exército de 100 mil homens, conhecido como Exército Negro, Makhno assumiu a seção sudeste da Ucrânia e implementou uma sociedade anarquista, estruturada através do estabelecimento de organizações trabalhistas e camponesas em que os membros votavam questões específicas em comitês. Avessos a um governo central de qualquer tipo, congressos eram convocados para discutir questões nacionais que precisavam de debate.

No final, o Exército Vermelho invadiu o Território Livre e conseguiu finalmente derrotar o Exército Negro em 1921. Ironicamente, Trotsky havia escrito em suas memórias que ele e Lênin haviam considerado seriamente a criação de uma sociedade anarquista como meio de experimentar com a ideia de uma sociedade sem Estado.

7. Freetown Christiania


Criada em 1971, a comunidade anarquista Freetown Christiania, em Copenhague, na Dinamarca, ainda está ativa. Fundada em uma área militar abandonada, a comunidade simplesmente reivindicou o local, declarando-o uma cidade livre.

Como resultado desse status, seus ocupantes não precisam pagar impostos e podem vender maconha abertamente. A comunidade também desencoraja a propriedade privada, inclusive proibindo seus cidadãos de possuir carros particulares. Armas e violência também são proibidos, como forma de evitar crimes.

Em 2012, o governo dinamarquês decidiu vender a terra para os moradores da comunidade, e eles aceitaram o acordo. Uma fundação foi criada para garantir que a propriedade da terra fosse coletiva.

6. Twin Oaks


Em 1967, um pequeno grupo de pessoas decidiu construir uma sociedade baseada nos valores de igualitarismo e sustentabilidade.

A comunidade de Twin Oaks se reúne em 400 acres de terra no estado americano da Virgínia, onde seus membros se dedicam a atividades como jardinagem, agricultura e artesanato.

Todos os recursos que eles obtêm – como as colheitas ou o dinheiro da venda de artesanato – são divididos. Todos os automóveis, motos, computadores e instalações recreativas compradas pertencem à comunidade e estão disponíveis para uso geral.

5. Comuna de Strandzha


A Comuna de Strandzha, na Bulgária, foi uma sociedade anarquista proclamada em 18 de agosto de 1903.

Liderada por Mihail Gerdzhikov, um guerrilheiro da Organização Revolucionária Interna da Macedônia, seu exército de apenas cerca de 2.000 pessoas conseguiu estabelecer um governo provisório nas montanhas de Strandzha, enfrentando uma oposição turca de 10.500 soldados.

Um sistema comunitário foi estabelecido, e os recursos eram distribuídos uniformemente de acordo com a necessidade. No entanto, a comuna foi derrotada pelas forças otomanas apenas um mês depois, em 8 de setembro de 1903.

4. Região Autônoma de Shinmin


Em 1924, a Federação Comunista Anarquista Coreana (KACF, na sigla em inglês) começou a promover a criação de sindicatos anarquistas e de um sentimento anti-imperialista na China.

Cinco anos depois, declarou que a província de Shinmin era independente da China e imediatamente procurou estabelecer uma forma descentralizada de controle na região.

Como outras sociedades anarquistas, a KACF adotou uma associação de “comitês” criados especificamente para áreas, distritos e aldeias. Esses “conselhos” cooperavam uns com os outros e decidiam individualmente em questões como agricultura, finanças, educação e outras decisões importantes para a comunidade.

No entanto, devido às tentativas do Japão Imperial de conquistar a região, bem como as investidas de Stalin para derrubá-la, a KACF foi finalmente derrotada em 1931.

3. Rojava


Embora não seja uma sociedade anarquista, Rojava (também conhecida como Federação do Norte da Síria) é uma zona autônoma influenciada por princípios anarquistas.

Separada do governo sírio desde novembro de 2013, seu sistema político oficial é descrito como socialismo libertário. Rojava empresta seus ideais do filósofo Murray Bookchin, que propôs que o Estado-nação ideal deveria promulgar o “municipalismo libertário”. Essencialmente, isso significa criar assembleias para votar problemas a nível local e executá-los dentro de suas comunidades.

Abdullah Ocalan, membro influente do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ordenou que seus seguidores criassem essas assembleias municipais, eventualmente se desenvolvendo para o sistema atualmente seguido.

2. Zomia


Estendendo-se das terras altas vietnamitas e do planalto tibetano até o Afeganistão, Zomia é uma região geográfica com uma população de 100 milhões de pessoas cujo nome foi cunhado por Willem van Schendel, da Universidade de Amsterdã (Holanda), em 2002.

A área é vista por alguns cientistas políticos, como James Scott, da Universidade Yale (EUA), como uma rejeição do Estado moderno e um exemplo de sociedade anarquista em ação.

A China e o Vietnã não têm controle sobre essa região “fora do alcance”. Como resultado, eles se autogovernam em grande parte. As culturas tendem a ser ferozmente não hierárquicas, com regras que limitam a quantidade de riqueza e poder que se pode exibir.

Scott argumenta que a região se formou como resultado de pessoas fugindo de estruturas mais tradicionais de Estado para ganhar mais liberdade. Por exemplo, a falta de linguagem escrita na Zomia foi uma escolha consciente dos nativos, feita por causa da burocracia inerente que pode surgir a partir dela.

1. Bir Tawil


Embora não seja um Estado nem uma sociedade, Bir Tawil é um local ideal para os anarquistas tentarem implementar suas ideias sem precisar provocar qualquer governo próximo.

Isso porque é uma das poucas áreas no mundo não reivindicadas por um Estado-nação reconhecido. Portanto, é efetivamente uma região sem lei e sem governo.

Esta anomalia ocorreu quando os britânicos assinaram um acordo com os egípcios afirmando que a sua nova colônia britânica do Sudão teria uma fronteira com o Egito ao longo do paralelo 22. Ao mesmo tempo, os britânicos criaram uma fronteira administrativa separada que colocava as tribos de Hala’ib (ao norte do paralelo 22) sob a jurisdição do Sudão. O triângulo de Bir Tawil (ao sul do paralelo 22) ficou sob o controle do Egito.

Quando o Sudão alcançou sua independência em 1956, o governo reivindicou a fronteira administrativa como sua fronteira oficial, enquanto o Egito reivindicou o 22º paralelo como sua fronteira.

Isso criou uma discrepância em que ambas as nações reivindicavam a região de Hala’ib, mais valiosa, enquanto nenhuma reivindicava Bir Tawil.

Como resultado, a terra é oficialmente um dos poucos lugares onde nenhum governo afirma exercer controle.

Bônus: Colônia Cecília


A Colônia Cecília foi provavelmente a primeira experiência anarquista no Brasil. Fundada pelo italiano Giovanni Rossi nas terras de Palmeira, cidade do Paraná, funcionou durante quatro anos, de 1890 a 1894.

No auge da comunidade, ela contava com 250 habitantes, muitos deles imigrantes italianos. O trabalho era distribuído entre os colonos, e eles praticavam conceitos como o ateísmo e o amor livre – coisas, aliás, que faziam Cecília não ser vista com bons olhos pelo resto do país.

Como em outras sociedades anárquicas, as decisões eram tomadas coletivamente em assembleias. Todos os habitantes possuíam o direito de opinar. Entre outros aspectos, Giovanni Rossi estabeleceu um método chamado pedagogia ácrata, considerada um ensinamento ao ar livre.

Entre os principais motivos para o fim da Colônia Cecília estão a miséria dos colonos, discórdia no que se refere à divisão de tarefas, ciúme derivado da prática do amor livre e o relacionamento dos imigrantes sicilianos com os maragatos durante a Revolução Federalista. [BrasilEscola, InfoEscola, Listverse]

5 comentários

  • Jo Vict Viana Pacheco:

    E por fim, encontramos o Anarco-Capitalismo, e unimos o bom e o moral em um só, olha que perfeição.

  • Luigy F. Tosoni II:

    Liberland?

  • Henrique Fendrich:

    Teve o Falanstério do Saí, em Santa Catarina. Acho que os próprios Amish são anarquistas ao seu modo.

    • Cesar Grossmann:

      Pelo que li recentemente sobre os Amish, eles consideram bastante qual o impacto de uma tecnologia sobre a comunidade antes de adotá-la. Mas é uma coisa particular, cada um chega às próprias conclusões. Tem Amish que usa internet e computadores, e outros que sequer tem energia elétrica.

  • Ernesto von Rückert:

    Ficou faltando citar a comunidade “Noivas do Cordeiro”, de Minas Gerais.
    https://www.youtube.com/watch?v=cVmj1hORxso

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