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5 razões pelas quais a pré-história tinha mais igualdade de gênero do que hoje

Sabe aquela história de chamar atitudes retrógradas de pré-históricas? De chamar o machão que te passa uma cantada na rua de neandertal? Pode não ser a melhor estratégia. Isso porque um estudo de tribos de caçadores-coletores contemporâneos feito por antropólogos da University College London e publicado na revista “Science Magazine” sugere que, longe da nossa percepção comum, os nossos primeiros ancestrais podem ter enxergado a igualdade sexual como algo normal.

A escritora britânica Laura Bates fala sobre o estudo em sua coluna no jornal “International Business Times”. Bates é a fundadora do projeto Everyday Sexism (“Sexismo de todos os dias”, em tradução livre), que já recolheu mais de 80 mil histórias de mulheres sobre assédio e discriminação no trabalho e na vida cotidiana. Ela também é uma autora prolífica, colunista do jornal “The Guardian” e já recebeu diversos prêmios.

“Ainda há essa percepção mais ampla de que caçadores-coletores são mais machões ou dominados por homens”, apontou Mark Dyble, o antropólogo que conduziu o estudo, em entrevista ao “Guardian”. “Nós diríamos que foi apenas com o surgimento da agricultura, quando as pessoas poderiam começar a acumular recursos, que a desigualdade surgiu”.

Ele chegou a sugerir, ainda, que a igualdade entre os sexos pode ter sido uma vantagem de sobrevivência fundamental, que poderia ter desempenhado um papel na organização social e desenvolvimento humano. “Igualdade de gênero é um elemento de um importante conjunto de alterações à organização social, incluindo coisas como ligação a pares, nossos cérebros grandes e sociais e a linguagem, que distingue os seres humanos. É uma característica importante que não havia sido destacada antes”.

Segundo Bates, o estudo é apenas um de muitos, e há divergências inevitáveis ​​sobre exatamente como nossos primeiros antepassados ​​viveram. “Mas, refletindo sobre as suas conclusões, pode-se extrapolar benefícios significativos de que as mulheres pré-históricas podem ter desfrutado e que as mulheres no século XXI ainda estão lutando para conseguir”. A britânica chegou a cinco coisas que podem ter sido muito melhores para as nossas antepassadas do que são para nós.

5. Igualdade de oportunidades

O estudo revelou que, em ambos os povos estudados, as mulheres desempenharam um papel importante no fornecimento de subsistência para a família.

No caso do Mbendjele, por exemplo: “Os homens e as mulheres fazem contribuições substanciais para a provisão familiar, gastando uma quantidade significativa de tempo buscando por produtos florestais, incluindo caça, mel, peixes e plantas”. Isto sugere que nossos ancestrais podem ter compartilhado o trabalho.

Em 2015, porém, os homens ainda dominam o local de trabalho. Há mais do que o dobro de homens chamados John liderando as empresas do índice FTSE 100 do que mulheres. No Reino Unido, as mulheres representam apenas um décimo dos engenheiros, um quinto dos arquitetos, escrevem apenas um quinto das matérias de capa de jornais e são os criadoras de apenas 8% da arte pública no centro de Londres, para citar apenas alguns exemplos.

Em dezembro de 2014, havia apenas 26 CEOs do sexo feminino em empresas do ranking Fortune 500.

4. Sem disparidades salariais

A desigualdade no local de trabalho continua na hora do pagamento. Enquanto nossos antepassados, presumivelmente, se beneficiavam de maneira igualitária do alimento que coletavam, as mulheres de hoje continuam a ganhar menos que os homens. A diferença de remuneração global é de 19,1%, medida pelo salário horário bruto médio, e 9,4% na comparação entre o trabalho de tempo integral. E essa distância é ainda maior quando leva-se em consideração as mulheres negras, que, no Brasil, chegam a ganhar apenas 47,8% do salário de homens não negros, segundo dados de 2012 do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Internacionalmente, a Organização das Nações Unidas adverte que, ao ritmo atual de mudança, a diferença de remuneração ainda deve durar ao menos mais 70 anos.

3. Divisão nos cuidados com os filhos

Em ambos os grupos estudados na pesquisa, descobriu-se que os homens eram ativos na educação dos filhos, sugerindo que dividir a responsabilidade de cuidar dos filhos pode ter andado de mãos dadas com a divisão dos deveres da busca por alimentos. Hoje em dia, porém, as mulheres assumem o peso do trabalho não remunerado de cuidar da família, incluindo as crianças, e são mais propensas a trabalharem uma carga horária reduzida por este motivo.

O trabalho com carga horária reduzida normalmente paga bem menos por hora do que trabalhar em tempo integral, o que agrava as disparidades salariais. Mães com crianças menores de cinco anos são muito mais propensas a se ausentar do local de trabalho do que os pais, e um estudo da sociedade Fawcett sugeriu que “para cada ano que ela está ausente do local de trabalho, os salários futuros de uma mãe serão reduzidos em 5%”. Além disso, a pesquisa sugere que até 50 mil mulheres por ano no Reino Unido podem perder seus empregos como resultado de discriminação em função da maternidade.

2. Decisões compartilhadas

A premissa fundamental do estudo é que a igualdade entre os sexos pode ter sido demonstrada pelo fato de homens e mulheres terem ambos a sua vez na tomada de decisões que afetariam a família – especificamente onde e com quem viviam.

“Em 2015, nós ainda vivemos em um mundo em que muitas das decisões importantes que têm impacto sobre nossas vidas são feitas por organismos desproporcionalmente compostos por homens brancos. No novo Parlamento do Reino Unido, as mulheres ainda representam menos de um terço dos deputados, com 191 dos 650 assentos. Apenas 8 dos 38 juízes do Tribunal de Apelação e 21 dos 108 juízes do Tribunal Superior são mulheres”, afirma Bates. No Brasil, apesar de termos uma presidenta e cerca de 51% do eleitorado ser feminino, temos somente uma governadora e, dos mais de 64,6 mil cargos eletivos disponíveis nos estados, apenas cerca de 8,4 mil são ocupados por mulheres.

1. Sem nojo de pelos do corpo

“Sendo franca – neste momento eu estou deixando qualquer tênue ligação com o estudo – mas parece razoável assumir que, para os nossos primeiros ancestrais, o calor fornecido por pelos do corpo poderia ter sido considerado tão útil para as mulheres como era para os homens”, brinca a autora.

Hoje, por outro lado, decidimos arbitrariamente que, embora os pelos do corpo sejam considerados aceitáveis e normais para os nossos colegas do sexo masculino, se as mulheres têm a ousadia de permitir que eles cresçam sem aparações periódicas, elas são dignas de nojo e merecem virar o assunto do dia.

Se uma mulher dedica meia hora por semana aos pelos das axilas e das pernas e tira ou clareia os pelos faciais, ela perde o equivalente a mais de um dia a cada ano para estas tarefas socialmente impostas. Se ela optar por renunciar a esta preparação, ela corre o risco de experimentar estigma social e ser ridicularizada.

“Eu estou, naturalmente, sendo irreverente”, destaca a escritora. “Eu não estou tentando sugerir que a vida era ‘melhor’ para as mulheres pré-históricas do que é hoje; descartar as dificuldades muito reais que nossas antepassadas enfrentaram; ou diminuir os ganhos duramente conquistados na justiça social e igualdade legislativa que temos alcançado desde então”.

“Mas é surpreendente pensar que tantos séculos depois, ainda estamos enfrentando os desafios da divisão de assistência à infância, de recompensar mulheres de forma igual pelo mesmo trabalho executado e vê-las equitativamente representadas na política, nos negócios e no sistema judicial”. Podemos ter percorrido um longo caminho, mas ainda temos muito pela frente. [The Guardian, IBT, Science Magazine, G1, Senado]

Se quiser conhecer mais sobre o trabalho de Laura Bates no Everyday Sexism e como o projeto surgiu, assista sua palestra no TED:

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