Afinal, somos heróis ou vilões?
Algumas de minhas palestras sobre narratologia (estudo das narrativas de ficção e não ficção por meio de suas estruturas e elementos) suscitam questionamentos filosóficos interessantes, como por exemplo, em uma de minhas preferidas, a que se reporta ao “Monomito” ou a “Jornada do Herói” surgiu:
O que há de herói ou de vilão em cada um de nós?
O Monomito é um conceito de jornada cíclica, presente em diversos mitos e foi desenvolvido pelo antropólogo Joseph Campbell, como um conceito de narratologia, mas que pode também transcender para a Psicologia da Educação, respeitando alguns de seus contornos limitantes, como por exemplo a própria validade da contribuição junguiana e freudiana à Psicologia da Educação, como veremos mais adiante.
O termo “Monomito” aparece pela primeira vez em 1949, no célebre livro de Campbell “O Herói de Mil Faces” tomando emprestada a terminologia de uma obra de James Joyce – o também célebre “Finnegan’s Wake”.
Podemos, segundo Campbell, encontrar o padrão Monomito em diversas obras literárias e cinematográficas, tais como Star Wars, Matrix , A Pequena Sereia, Mulan, Harry Porter, Percy Jackson, O Hobbit, A Grande Jornada, Senhor dos Anéis, entre outros.
A ideia de Monomito contextualizada em Campbell bebe nas mesmas fontes do conceito junguiano de arquétipos, das forças inconscientes da concepção freudiana e da estruturação dos ritos de passagem descrita por Arnold van Gennep. Tópicos que teremos, por questões didáticas, que abordar em outros artigos.
Campbell preconiza que o Monomito está dividido em três seções que se fecham numa estrutura circular:
- Partida (às vezes chamada Separação)
- Iniciação e
- Retorno.
A Partida apresenta o herói recebendo o chamado, se preparando e dando início à sua jornada heroica;
Na Iniciação são apresentadas as várias provações que o herói vive ao longo de sua jornada, pelas quais transcende suas condições iniciais, desenvolve e/ou aperfeiçoa seus dons e poderes;
É no Retorno que se pontua o momento em que o herói regressa ao seu ponto de partida, porém modificado, melhorado, transcendido pelo conhecimento e pelos poderes que adquiriu ao longo de sua jornada; e então promove a redenção daqueles que ficaram.
Em seu estudo Campbell defende que todos os mitos seguem em algum grau essa mesma estrutura de “Jornada do Herói”, e cita vários exemplos que se enquadram perfeitamente, tais como as histórias de Prometeu, Osíris, Buda, Jesus Cristo, etc. e também a Odisseia de Homero que além de seguir o paradigma com precisão ainda apresenta repetições frequentes da Iniciação.
É possível identificar, também, algumas dessas estruturas nos contos clássicos da literatura infantil como Gata Borralheira (Cinderela), Branca de Neve, O príncipe encantado, etc.
O contraponto Herói x Vilão, tão enriquecedor quanto emocionante em uma narrativa, requer sua adequada conceituação:
Entende-se por herói, o protagonista da história. O personagem que dotado de arrojo, coragem, magnanimidade e bravura realiza feitos extraordinários e focados no bem comum.
No conceito de Campbell:
“Herói é uma figura arquetípica que reúne em si os atributos necessários para superar/resolver de forma excepcional um determinado problema de dimensão épica.”
Usando, então de minha simplificação didática, eu diria que o herói além de fazer parte da solução ele poderia, em seu maior grau de heroísmo, efetivamente ser a principal fonte das soluções, onde, no exemplo maior de abnegação, ele sacrificaria sua própria vida.
Entende-se, em contrapartida, por vilão, o antagonista da história. O personagem abjeto, covarde, infame, vil e desprezível que usa de meios ilícitos para atender seus baixos interesses sempre inferindo em prejuízo para os demais ( por exemplo, sacrificando a vida dos outros para seu proveito próprio).
Originalmente “vilão” refere-se ao habitante de uma vila, provavelmente oriundo da palavra latina “villanus”, reportando-se a alguém designado a uma villa – uma grande quinta ou plantação agrícola, no Império Romano – significando, portanto, um camponês, que mesmo não sendo nobre se colocava mais próximo dos nobres, assumindo uma função de capataz ou feitor que ao explorar violentamente e impiedosamente o trabalho dos servos e escravos, foi trazendo, por essa razão, antipatia ao posto e ao título.
Por degeneração natural desse título o termo passou a equivaler a um não nobre, querendo significar alguém não nobre, tanto em desejos, aspirações quanto em atos.
Considerando a dicotomia de minha simplificação didática, poderia intuir que o vilão é a principal fonte dos problemas numa narrativa, senão parte componente indissociável de cada uma das questões a serem resolvidas pelo herói.
Mas afinal, o que há de herói e de vilão em cada um de nós?
Para responder, eu intuo, basta que façamos um inventário da nossa quota de problemas que criamos e/ou que resolvemos todos os dias.
Se o nosso saldo for positivo – estamos de parabéns!
Afinal, as dimensões épicas de nossa vida de herói são justamente mensuradas pela nossa capacidade de fazer a diferença na nossa vida e na vida das pessoas que nos cercam.
Isso sim é heroísmo.
Agora se o saldo de nosso inventário for negativo, ainda existe uma chance para nós.
Afinal o termo redenção, também aparece na narratologia, tanto na literatura, no cinema, quanto em nossa saga pessoal.
Todo o vilão poderá se redimir e migrar da vilania para o heroísmo. Basta ele querer.
É uma grande virada de roteiro que, sem dúvida, torna a história muito mais interessante.
Mas, bem, isso é assunto para um próximo artigo.
– o-
Em tempo:
Dia 05/10/13 – Estarei no Shopping Omar em Curitiba participando do Jedicon-PR com a citada palestra “O Mito do Herói” – aplicada evidentemente à saga Star Wars. – Imperdível!!
HORÁRIOS
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