As pessoas mais ricas do mundo certamente não são conhecidas por andarem de ônibus, mas estes 85 indivíduos, que juntos controlam tanta riqueza quanto a metade mais pobre da população mundial, poderiam caber em um único biarticulado.
Quem expõe esse dado chocante é a Oxfam International, uma confederação de 13 organizações e mais de 3.000 parceiros que busca soluções para o problema da pobreza e da injustiça através de campanhas, programas de desenvolvimento e ações emergenciais.
Seu novo relatório adverte que as 85 pessoas mais ricas em todo o globo compartilham uma riqueza combinada de £ 1 trilhão (cerca de R$ 3,8 trilhões), enquanto 3,5 bilhões dos mais pobres dividem outro £ 1 trilhão.
“[O relatório da Oxfam] é mais uma confirmação de que a economia global está distorcida”, afirma Philip Jennings, secretário-geral da UNI Global Union, uma federação internacional de sindicatos com sede em Genebra. “Estes são níveis de desigualdade que não vemos desde 1920”.
Os 1% mais ricos do mundo concentram quase metade de todo o dinheiro no globo. Ele possuem juntos US$ 110 trilhões (cerca de R$ 257 trilhões), o equivalente a 65 vezes mais do que a riqueza total da metade mais pobre do mundo junto. Os dados, compilados do relatório World Wealth do Credit Suisse e da lista de bilionários da Forbes, mostra que os mais ricos aumentaram suas fortunas em 24 dos 26 países pesquisados entre 1980 e 2012.
A Oxfam teme que esta concentração de recursos econômicos ameace a estabilidade política e movimente tensões sociais. “Esta concentração maciça de recursos econômicos nas mãos de poucas pessoas representa uma ameaça significativa para os sistemas políticos e econômicos inclusivos. Ao invés de avançar juntas, as pessoas estão cada vez mais separadas por poder econômico e político, inevitavelmente aumentando as tensões sociais e o risco de colapso da sociedade”, diz o relatório.
A desigualdade de riqueza é um dos tópicos que líderes políticos e grandes empresários vão discutir nos picos nevados de Davos, na Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial esta semana. Poucos, se algum deles, irão chegar ao fórum de ônibus. Jatos particulares e helicópteros devem descer nas redondezas enquanto algumas das pessoas mais poderosas do mundo se reúnem para discutir o estado da economia mundial ao longo de quatro dias.
Winnie Byanyima, diretor-executivo da Oxfam, vai participar das reuniões e disse: “É impressionante que, no século 21, metade da população do mundo – que é 3,5 bilhões de pessoas – não possuem mais do que uma pequena elite cujo número poderia caber confortavelmente em um ônibus de dois andares”.
Oxfam também argumenta que isso não é acidente – a crescente desigualdade tem sido impulsionada por uma “tomada de poder” pelas elites ricas, que cooptaram o processo político para fraudar as regras do sistema econômico em seu favor. Desde o final de 1970, as taxas de impostos para os mais ricos caíram em 29 dos 30 países para os quais existem dados disponíveis, segundo o relatório.
A organização postula que a luta contra a pobreza não pode ser vencida até que a desigualdade seja abordada. “Ampliar a desigualdade é criar um círculo vicioso, onde a riqueza e o poder estão cada vez mais concentrados nas mãos de poucos, deixando o resto de nós a lutar por migalhas”, argumenta Byanyima.
Brasil tem diminuição de desigualdade
O presidente dos EUA, Barack Obama, identificou a igualdade econômica como uma das questões que definem a nossa época. Em um discurso em dezembro, ele disse que o aumento da desigualdade “desafia a própria essência do que somos como povo”. Nos EUA, os 1% mais privilegiados representam 95% do crescimento pós-crise financeira desde 2009, enquanto os 90% da parte de baixo da lista tornaram-se mais pobres.
“Nos últimos 30 anos, 7 em cada 10 pessoas têm vivido em países onde a desigualdade econômica tem aumentado”, explica Nick Galasso, um dos coautores do estudo. “Esta é uma tendência que vem se desenrolando globalmente nas últimas duas ou três décadas. Nós não vimos qualquer vontade política de coibir isso”.
Felizmente, a América Latina segue na contramão desta tendência –temos diminuído a desigualdade na última década. “Entre os países do G20, as economias emergentes geralmente eram aquelas com maiores níveis de desigualdade (incluindo África do Sul, Brasil, México, Rússia, Argentina, China e Turquia) enquanto os países desenvolvidos tendiam a ter níveis menores de desigualdade (França, Alemanha, Canadá, Itália e Austrália)”, explica o relatório. “Agora, todos os países de alta renda do G20 (exceto a Coreia do Sul) estão vivendo o crescimento da desigualdade, enquanto Brasil, México e Argentina estão vendo um declínio”.
No documento, a Oxfam aponta o Brasil como um caso de sucesso na redução da desigualdade, em parte devido ao crescente gasto público social, um programa de transferência de renda de larga escala que impõe condições para o recebimento (Bolsa Família) e um aumento no salário mínimo de mais de 50% desde 2003.
No entanto, a instituição deixa claro que a democracia ainda é frágil e a desigualdade ainda é muito alta no país. A boa notícia é que as ações recentes mostram que as enormes disparidades de renda podem ser combatidas com intervenções políticas.
A Oxfam pediu que os participantes do Fórum Econômico Mundial firmem um compromisso pessoal para resolver o problema, abstendo-se de se esquivar de impostos ou de usar sua riqueza para buscar favores políticos (como indicou uma pesquisa da confederação em seis países – Brasil, Espanha, Índia, África do Sul, Grã-Bretanha e Estados Unidos -, a maioria dos entrevistados acredita que as leis são distorcidas para favorecer os ricos).
Entre outras coisas, a Oxfam sugere o estabelecimento de uma meta global para acabar com a desigualdade extrema em todos os países, uma regulamentação maior dos mercados para promover crescimento sustentável e diminuição dos poderes dos ricos de influenciar os processos políticos.
Além de ser moralmente duvidosa, a Oxfam defende que a desigualdade econômica também pode agravar outros problemas sociais, como a desigualdade de gênero. Até as reuniões dos poderosos já sofrem nesta área, com o número de participantes mulheres caindo de 17% em 2013 para 15% este ano. [TheGuardian, USAToday, BBC]
Dica de artigo de Rafael Slonik.