O cientista chinês Jiankui He, da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul em Shenzhen, alegou ter ajudado a criar os primeiros bebês humanos geneticamente editados, usando a tecnologia CRISPR.
O pesquisador disse à Associated Press que desativou um gene chamado CCR5 nas gêmeas nascidas este mês, Lulu e Nana. É um tipo de resistência natural ao HIV com o qual algumas pessoas nascem. Desligar o gene também oferece proteção contra a varíola e a cólera.
Vale observar que as alegações ainda não foram verificadas independentemente, nem publicadas em um artigo científico.
Controvérsia
He afirmou que desativou o gene em embriões de sete casais durante tratamentos de fertilização in vitro, com uma gravidez bem-sucedida até agora.
Embora a proteção contra o HIV possa soar como algo positivo, o mundo científico está indignado, especialmente por essa pesquisa ter sido realizada antes de a sociedade estar eticamente preparada para a edição genética.
Hannah Brown, especialista em biologia reprodutiva do Instituto de Pesquisa Médica e de Saúde do Sul da Austrália, disse que esse tipo de edição é desnecessário, tendo em vista que o HIV já é amplamente evitável para muitas pessoas.
Talvez mais preocupante seja o fato de que nós simplesmente não sabemos o suficiente sobre a técnica CRISPR para ter certeza de que é segura, ou como isso afetará as futuras gerações. Estudos recentes levantaram bandeiras vermelhas sobre os efeitos colaterais desse tipo de intervenção.
“O campo da edição genética está avançando rapidamente, mas não sem preocupações”, explicou Brown ao Science Alert. “A edição de genes baseada em CRISPR ainda está em estágio experimental, particularmente em embriões humanos”.
Bebê projetado
O CRISPR é uma técnica para editar genes que funciona mais ou menos como as funções “recortar” e “colar” em um processador de texto. Ela permite que os cientistas editem com precisão pedaços do código do DNA humano.
Apesar do seu potencial para eliminar doenças e superbactérias, existem preocupações com mutações genéticas indesejadas. Por isso, a comunidade científica quer ver seu uso cuidadosamente controlado.
Testes já foram realizados em embriões humanos, mas esses embriões só puderam crescer por alguns dias. Se realmente passamos por tal marco controverso ao ponto de termos o nascimento dos primeiros bebês editados geneticamente, a preocupação óbvia é se isso abrirá ou não a porta para os chamados “bebês projetados”, feitos de acordo com especificações exatas em termos de aparência e QI.
“Sempre foi inevitável que a modificação genética dos humanos começasse. Meu medo é que isso tenha ocorrido sem a devida consideração das consequências, tanto para a saúde humana quanto para a sociedade”, argumenta Channa Jayasena, professora de endocrinologia reprodutiva na Imperial College London (Reino Unido).
Incertezas
Não foi divulgado quem são os pais das gêmeas ou onde moram, mas documentos online indicam que a pesquisa foi liberada para ser realizada em Shenzhen – um relatório do MIT Technology Review cita arquivos do site Chinese Clinical Trial Registry (ChiCTR), representante chinês do Registro Internacional de Ensaios Clínicos da Organização Mundial da Saúde.
De acordo com os documentos, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica do Hospital HarMoniCare de Mulheres e Crianças de Shenzhen. Ele teria ocorrido entre 7 de março de 2017 e 7 de março de 2019 com casais em condições de receber terapia de fertilização in vitro.
No entanto, o portal TechCrunch entrou em contato com um representante do hospital, e este afirmou que “com certeza o processo de edição genética não ocorreu” lá, nem os bebês nasceram nas suas instalações médicas.
Provavelmente, ouviremos falar mais sobre essa polêmica na Segunda Cúpula Internacional sobre a Edição do Genoma Humano, em andamento em Hong Kong, nos próximos dias. [ScienceAlert, TechCrunch, Cnet]