A notícia científica mais importante desta semana foi publicada na quarta-feira (2), na revista Nature, e envolve a edição genética de embriões com mutação que causa uma doença cardíaca.
O trabalho foi conduzido por uma equipe de pesquisadores dos Estados Unidos (dos estados da Califórnia e Oregon), China e Coreia do Sul e financiado pela Oregon Health & Science University. Os resultados foram um sucesso, de acordo com os pesquisadores. Esse tipo de experimento já havia sido tentado na China em 2015, mas os resultados não foram tão animadores quanto esse.
A mutação genética editada foi a MYBPC3, que causa a cardiopatia hipertrófica, uma doença do músculo cardíaco que torna uma parte do miocárdio mais grosso, criando uma deficiência funcional do músculo. Pode causar desmaios, infarto do miocárdio e morte súbita. Afeta 0,2% da população geral, acometendo igualmente homens e mulheres e podendo aparecer em qualquer idade.
Outras mutações que também poderiam ser editadas com a mesma técnica em embriões são Doença de Huntington, fibrose cística, Alzheimer e alguns casos de câncer de mama e de ovário.
Técnica de edição
Para realizar este feito, os pesquisadores tentaram duas técnicas: na primeira, já conhecida anteriormente, foi utilizado um óvulo de uma mulher saudável e esperma de um homem com a mutação genética. Depois que o óvulo foi fertilizado, foi injetado um tipo de “tesoura genética” chamada CRISPR que cortou a seção com a mutação do DNA. A mutação foi reparada pela própria célula em alguns embriões, mas não em todas as células.
Já o segundo método, que é novidade, funcionou melhor: o esperma foi injetado junto com a “tesoura” no óvulo, e o resultado foi que mais embriões tiveram a mutação reparada, e todas as células apresentaram a reparação.
Os pesquisadores então permitiram que os embriões se desenvolvessem por vários dias para analisar o DNA das células. Em parte do experimento que envolveu 58 embriões, a edição corrigiu mais de 70% das mutações.
A pesquisa realizada na China em 2015 utilizou a primeira técnica e o resultado foi que a edição causou outros defeitos inesperados em outras partes do DNA. Uma preocupação relacionada a isso é que, caso gerasse bebês saudáveis, essas novas mutações poderiam ser passadas adiantes para as futuras gerações.
O diretor do centro de terapia genética e células embrionárias do Oregon Health & Science University, Shoukhrat Mitalipov acredita que injetar o esperma e a “tesoura” ao mesmo tempo é o segredo para que a técnica funcione.
Há necessidade para isso?
“Acho que isso é extremamente perturbador”, comenta Marcy Darnovsky, diretora do Centro para Genética e Sociedade, um grupo de vigilância sobre pesquisas genéticas que fica na cidade de Berkeley, na Califórnia. Ela acredita que casais com problemas genéticos já contam com alternativas seguras para selecionar embriões saudáveis que são fertilizados in vitro.
Fyodor Urnov, diretor associado do Instituto Altius de Ciências Biomédicas, uma ONG de pesquisas em Seattle, também questiona esta pesquisa. “Minha pergunta é: ‘por que se preocupar com isso se há uma forma ética, segura e eficiente para obter exatamente o mesmo resultado?’”, disse ele ao site de notícias científicas NPR.
Esses dois grupos de pesquisa se preocupam com a possibilidade do aparecimento de “bebês projetados”, aqueles que teriam suas características físicas e inteligência escolhidos pelos pais no momento da fertilização. Isso poderia causar um problema social na medida em que esses bebês seriam considerados superiores aos outros.
Paula Amato, uma das autoras do trabalho, admite que sempre que há uma nova tecnologia, há a possibilidade dela ser mal utilizada. “Pessoalmente eu não acredito que esse seja um motivo para não levar a pesquisa adiante. E acho que se você pode prevenir doenças sérias em gerações futuras, vale a pena ir nessa direção”, argumenta ela.
Alta Charo, especialista em bioética da Universidade de Wisconsin, diz que não há motivo para se preocupar com bebês projetados. “Essa não é a era da criação de bebês projetados. Isso é um passo para a possibilidade de edição de DNA em embriões humanos que é confiável e preciso”.
Dificuldades legais
Charo fez parte de uma comissão formada pela Academia Nacional de Ciências dos EUA e pela Academia Nacional de Medicina, que determinou no início de 2017 que esse tipo de edição genética é permitido, contanto que para tratar doenças.
Por conta das dificuldades legais, pesquisas desse tipo não podem ser financiadas pelo Instituto Nacional de Saúde e o Food and Drug Administration está proibido pelo Congresso de avaliar qualquer experimentos que envolvam embriões geneticamente modificados.
Mesmo assim, os pesquisadores estão confiantes em continuar a pesquisa, talvez no Reino Unido, que costuma autorizar experimentos genéticos envolvendo embriões que não são permitidos nos EUA.
Esse tipo de experimento tem sido encarado por parte dos pesquisadores como uma nano-cirurgia, que tem potencial para prevenir doenças que caso se desenvolvam, exigiriam cirurgias antes do nascimento do bebê, ainda na barriga da mãe, ou logo depois do nascimento e durante a vida toda. [NRP, NYTimes]