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Da Informação à Sabedoria

Por Mustafá Ali Kanso

[Ao mestre Marcimiano in memoriam]

Em um desses treinamentos de professores, patrocinados por uma instituição pública aqui de Curitiba, fui questionado por uma auxiliar de ensino em Educação Infantil, sobre um dos grandes temas que acompanha a humanidade desde a alvorada das civilizações:

Qual a principal diferença entre informação, conhecimento e sabedoria?

Isso me fez refletir sobre toda a minha prática, nesses últimos trinta anos que atuo como educador, seja à frente das novas gerações em sala de aula, no cotidiano da vida escolar, seja à frente de professores em treinamento, como o que eu vivia naquele momento.

Nessa avaliação à queima-roupa, não encontrei nada mais eloquente, para tentar traduzir essa diferenciação que uma vivência, nos meus tempos de recém-formado como engenheiro químico, que na sequência vou relatar. Deixo ao leitor, o direito de julgamento, se minha resposta foi satisfatória ou não.

O objetivo desse artigo, portanto, é convidá-lo, querido leitor à essa delicada reflexão.

Mas, vamos ao relato:

Naquele final de ano tirei férias com a família num sítio de um grande amigo. O meu contato ativo com a natureza foi cômico, para não dizer desastroso.

Nas cavalgadas eu tentava me esmerar, para não fazer feio, porém o cavalo simplesmente não me obedecia. Nunca vi animal mais teimoso. Quando eu relaxava as rédeas o animal me levava de volta para o rancho para ter com seu tratador de nome Marcimiano. Um senhorzinho, já avançado em anos, que mesmo sem nenhuma escolaridade era considerado e respeitado por todo efetivo do sítio.

– O que há de errado com esse animal, “seu” Marcimiano?

O simpático velhinho, simplesmente tirava a cela, o pelego, os arreios e repetia o processo de encilhar o cavalo. Coisa que eu já efetuara, repetidas vezes, em todos os detalhes.

O tratador, então me explicou, com muita didática:

– O senhor e o cavalo já não são os mesmos de ontem. Estão um dia mais velhos, um dia mais teimosos.

A informação me remeteu ao filósofo Heráclito:

“Um homem jamais se banha duas vezes nas mesmas águas do mesmo rio”.

Naquela noite, quando uma fogueira emitiu chispas contra o céu estrelado minha filha (que na época tinha quatro anos) me perguntou, encantada, que brilho fantástico era aquele.

Com a plateia de amigos ao redor da fogueira, aproveitei para fazer uma brincadeira:

– São os elétrons dos átomos de carbono e hidrogênio que retornam à camada L da eletrosfera e libertam luz visível, no espectro de 500 nanômetros.

Minha filha achava graça de minhas explicações técnicas.

O velho Marcimiano usou outra explicação:

– Veja, são estrelinhas que estão subindo aos céus.

Minha filha olhou para cima, para o magnífico espetáculo das estrelas e ainda mais encantada concluiu:

– Que lindo! Elas estão voltando para suas mamães!

De fato muitos átomos de hidrogênio escapam da gravidade terrestre e retornam ao espaço e em verdade os átomos mais pesados que o hidrogênio são “gerados” pelas estrelas – suas “mamães” – se usarmos essa analogia.

Mas era apenas informação e conhecimento que eles intuíam?

Naquela mesma noite, ao nos recolhermos, o velho Marcimiano com suas frases insólitas me convidou a outra reflexão:

– É muito bom ver fogueiras ao redor da fogueira.

O aquilo significava?

Ele me explicou com o mesmo didatismo de sempre:

– Todos nós somos fogueiras professor. O tempo sopra sobre cada um de nós até sobrar cinzas.

E antes de se retirar completou:

– Espero que a luz de sua candeia sirva para iluminar alguém.

Quando minhas férias terminaram, me despedi de todos do sítio, em especial do velho Marcimiano:

– Nunca consegui encilhar um cavalo como o senhor!

Ele me respondeu sorridente:

– Não se avexe professor! Todos nós somos mestres de nosso ofício!

Talvez o componente oculto no processo que brindava toda a sua maestria, fosse o afeto, com o qual ele tratava todos os seres vivos.

Por vezes, podemos ter a informação e até o conhecimento, mas a sabedoria de sua aplicação construtiva só é conquistada com o coração.

Pode parecer piegas, mas a cada dia eu me convenço que é aí que reside toda a diferença:

Enquanto a informação pode modificar o meu discurso e o conhecimento,  a minha conduta – só a sabedoria é capaz de modificar o meu caráter e, assim,  me transformar a cada dia num ser humano melhor!

E para concluir:

Como buscadores que somos;

– Que a luz de nossa candeia (minha e sua) – meu querido leitor – sirva todos dias para iluminar alguém!

Uma ótima semana a todos!

-o-

[Imagem: Fire de Natanonoda ]

 

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Navegando entre a literatura fantástica e a ficção especulativa Mustafá Ali Kanso, nesse seu novo livro “A Cor da Tempestade” premia o leitor com contos vigorosos onde o elemento de suspense e os finais surpreendentes concorrem com a linguagem poética repleta de lirismo que, ao mesmo tempo que encanta, comove.

Seus contos “Herdeiros dos Ventos” e “Uma carta para Guinevere” foram, em 2010, tópicos de abordagem literária do tema “Love and its Disorders” no “4th International Congress of Fundamental Psychopathology.”

Foi premiado com o primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos da Scarium Megazine (Rio de Janeiro, 2004) pelo conto Propriedade Intelectual e com o sexto lugar pelo conto Singularis Verita.

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