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Ensino obrigatório do Criacionismo nas escolas? Sim ou não?

Ensino obrigatório do Criacionismo nas escolas? Sim ou não?

Artigo de Mustafá Ali Kanso

Um certo deputado que adora uma polêmica [e com isso roubar espaço sob os holofotes da mídia e ganhar alguma visibilidade] lançou um projeto de lei com uns 90 anos de atraso.

Tal projeto seria mais apreciado em 1925, quando Johns Scopes, um professor de biologia de Dayton, no Tennessee, estava sendo condenado por ensinar a teoria da evolução, depois de a Assembleia Legislativa do estado ter proibido.

Mas vamos aos fatos:

Em pleno século XXI, numa quinta-feira, mais precisamente em 13 de novembro de 2014, um certo parlamentar do PSC (Partido Social Cristão) que coincidentemente é pastor evangélico, apresentou um projeto de lei que quer tornar obrigatório o ensino do criacionismo em todas as escolas brasileiras, sejam elas públicas ou privadas.

Eis os artigos:

Art. 1º Fará parte da grade curricular nas Redes Públicas e Privadas de Ensino, conteúdos sobre criacionismo.

Art. 2º O chefe do Poder Executivo regulamentará esta lei.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Quando li essa notícia, eu me perguntei:

Qual será a concepção criacionista que ele advoga?

O criacionismo cristão — evidentemente.

Apenas esse.

Fiquei surpreso!

Um pastor é versado em teologia e sabe da exuberância, diversidade e complexidade da paleta multicolorida que compõe todos os credos mundiais e suas diversas correntes. Para se ter uma ideia, só na Índia estão catalogados 320 milhões de deuses.

É nessa parte que faço um importante questionamento:

Face a grande diversidade de correntes e crenças religiosas no mundo:

Por que não ensinar nas escolas a cosmogonia hindu ou sikhista ou islâmica ou judaísta ou budista ou xintoísta ou kadercista ou taoísta ou maori ou celta ou bahá’í ou wicca ou jainísta ou rastafári ou zoroastrista ou cao dai ou messiânica ou cheondoísta ou tenrikyo ou unitário-universalista ou cientologista ou pastafári?

E por que não o criacionismo tupi-guarany ou caingangue ou apurinã ou caiapó ou tingui ou carajás ou xavantes ou yorubá (que inclui em nossa terra a umbanda e o candomblé)?

Afinal estamos no Brasil?

(E desculpe-me querido leitor, querida leitora, se não citei aqui a sua religião – pode postá-la nos comentários que eu me redimo.)

Caso essa lei seja aprovada seria justo e democrático ensinar apenas o criacionismo cristão em detrimento das demais correntes?

Recordando que criacionismo ou design inteligente são concepções religiosas (logo não-científicas mesmo que muitos defensores batam o pé) fica difícil afirmar numa sala de aula, com todas as letras do idioma religioso, que essa é a verdade sobre a criação.

– Afinal na religião não existe lugar para dúvidas – é preciso praticá-la com a total convicção de que seus preceitos são a expressão da mais pura e legítima Verdade sobre a vida, a morte, a criação, o universo e tudo mais.

A defesa da religião e seus preceitos é, antes de tudo, um ato de fé.

Por isso tais preceitos devem ser pregados em seus respectivos templos cujo ingresso é realizado pelos praticantes e cultores de forma espontânea e livre.

Nunca de forma obrigatória pela força de nenhuma lei.

Também é coerente afirmamos que o criacionismo como todo o preceito religioso deve ser pregado por líderes religiosos especialmente formados para isso — compondo o que se denomina “formação religiosa” ou “educação religiosa” na qual se inclui a história da própria religião e — em destaque — todo o seu arcabouço de princípios morais e éticos.

Sem entrar no mérito se a religião ou a ciência apresenta ou não a verdade, ou se o criacionismo está errado e o evolucionismo está certo ou vice-versa, é preciso deixar claro que:

— Numa sociedade que se arroga livre e democrática é fundamental a defesa do direito insofismável do ser humano de acreditar em um deus, em vários ou em nenhum.

— E como cidadãos devemos dar o exemplo e defender esse direito.

Ninguém pode ser perseguido, coagido, humilhado, constrangido, subjugado ou aviltado por sua opção de acreditar ou não.

Existe portando a necessidade do respeito à escolha alheia.

Essa liberdade é defendida pela constituição de todas as nações notadamente livres e democráticas.

Assim,

Como um professor de formação científica, poderia afirmar numa sala de aula plural, com crentes de diversas correntes religiosas que o cristianismo está correto em detrimento dos preceitos, muitas vezes contrastantes, das demais concepções cosmogônicas?

Bem ao contrário do conceito científico que não apenas aceita, mas exige sua falseabilidade, na religião a dúvida é veneno.

O pensamento científico está em eterna pugna consigo mesmo, a ponto de afirmar que suas verdades são provisórias — o que demanda sua checagem e contestação continuada para merecer esse seu título de “conceito científico” como é feito com o “evolucionismo” a exemplo das demais teorias científicas.

Daí a necessidade imanente do respeito pela diversidade e pluraridade das explicações e concepções do mundo.

Em nossas salas de aula, onde o estado é laico, o respeito pela diversidade e liberdade religiosa é fundamental.

E é com o pensamento científico que se concebe o mais valioso na formação da cidadania que é a tolerância.

A tolerância por ideias, pensamentos, crenças, escolhas afetivas e políticas contrastantes à nossa.

O cientista aprende a tolerar quando suas ideias e concepções são contrariadas e confrontadas.

Aliás o verdadeiro cientista precisa visceralmente disso. Para não estagnar-se.

Eu tive aulas com um professor de ciências muito querido que, sempre que ensinava evolucionismo, convidava os alunos da sala que possuíssem religiões diferentes que manifestassem a sua concepção do universo ou trouxessem como convidado seu líder religioso.  Não foram poucas as vezes que padres, pastores, rabinos, xeques, gurus, pais de cabeça, etc. apareciam na aula para conversar e divulgar o preceito de suas respectivas religiões num espaço democrático e plural.

Mas, isso era espontâneo!

Sem obrigatoriedade e nem ataques pessoais.

Mas era esse professor que conseguia isso, com sua maestria.

Será que todos os professores e escolas estão instrumentalizados e todas as comunidades são tolerantes e imparciais para nos oferecer as miríades de visões contrastantes do mundo religioso sem que ocorressem conflitos?

Afinal na sala de aula vivemos o mundo da instrução e religião é um assunto muito mais complexo que isso.

É por essa razão que eu defendo a coerência.

Assim:

Numa aula comum, conceitos científicos – é para isso que existem as escolas.

Numa aula de religião, conceitos religiosos – é para isso que existem os templos.

Nada mais simples que isso.

Afinal foi o maior mestre cristão quem nos ensinou:

— Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus

Artigo de Mustafá Ali Kanso 

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[Leia os outros artigos  de Mustafá Ali Kanso  publicado semanalmente aqui no Hypescience. Comente também no FACEBOOK – Mustafá Ibn Ali Kanso ]

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LEIA A SINOPSE DO LIVRO A COR DA TEMPESTADE DE Mustafá Ali Kanso

[O LIVRO ENCONTRA-SE À VENDA NAS LIVRARIAS CURITIBA E SPACE CASTLE BOOKSTORE].

Ciência, ficção científica, valores morais, história e uma dose generosa de romantismo – eis a receita de sucesso de A Cor da Tempestade.

Trata-se de uma coletânea de contos do escritor e professor paranaense Mustafá Ali Kanso (premiado em 2004 com o primeiro lugar pelo conto “Propriedade Intelectual” e o sexto lugar pelo conto “A Teoria” (Singularis Verita) no II Concurso Nacional de Contos promovido pela revista Scarium).

Publicado em 2011 pela Editora Multifoco, A Cor da Tempestade já está em sua 2ª edição – tendo sido a obra mais vendida no MEGACON 2014 (encontro da comunidade nerd, geek, otaku, de ficção científica, fantasia e terror fantástico) ocorrido em 5 de julho, na cidade de Curitiba.

Entre os contos publicados nessa coletânea destacam-se: “Herdeiro dos Ventos” e “Uma carta para Guinevere” que juntamente com obras de Clarice Lispector foram, em 2010, tópicos de abordagem literária do tema “Love and its Disorders” no “4th International Congress of Fundamental Psychopathology.”

Prefaciada pelo renomado escritor e cineasta brasileiro André Carneiro, esta obra não é apenas fruto da imaginação fértil do autor, trata-se também de uma mostra do ser humano em suas várias faces; uma viagem que permeia dois mundos surreais e desconhecidos – aquele que há dentro e o que há fora de nós.

Em sua obra, Mustafá Ali Kanso contempla o leitor com uma literatura de linguagem simples e acessível a todos os públicos.

É possível sentir-se como um espectador numa sala reservada, testemunha ocular de algo maravilhoso e até mesmo uma personagem parte do enredo.

A ficção mistura-se com a realidade rotineira de modo que o improvável parece perfeitamente possível.

Ao leitor um conselho: ao abrir as páginas deste livro, esteja atento a todo e qualquer detalhe; você irá se surpreender ao descobrir o significado da cor da tempestade.

[Sinospse escrita por Núrya Ramos  em seu blogue Oráculo de Cassandra]

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