Gordura saturada faz bem ou mal para a saúde?

Por , em 1.04.2014

Guias de alimentação saudável costumam ressaltar o fato de que a gordura saturada pode ser responsável por  aumentar o nível de colesterol LDL no sangue – também conhecido como mau colesterol – e ser, em tese, um importante fator de risco para doenças cardíacas. Outros, no entanto, afirmam que as gorduras saturadas não são um grande problema em nossa alimentação.

Mas afinal, a gordura saturada é santa ou pecadora?

Ou será que a busca por um único culpado nos faz passar batidos pelas sutilezas inevitáveis de um problema multifatorial, tais como são as doenças do coração?

O colesterol é uma substância encontrada apenas em produtos de origem animal, além de ser um componente essencial de nossos corpos, facilmente produzido dentro do nosso organismo. Uma dieta rica em ácidos graxos saturados pode aumentar a produção de colesterol, auxiliada por fatores genéticos, até que chegue a níveis preocupantes – e que aumentam drasticamente o risco de ataques cardíacos.

As gorduras em alimentos são classificadas, com base na sua estrutura química, como saturadas, monoinsaturadas ou poli-insaturadas. Os ácidos graxos poli-insaturados são divididos em ômega 3 e ômega 6s. Já os alimentos em si são definidos de acordo com o principal tipo de ácido graxo que contêm. O óleo de oliva, por exemplo, é classificado como “monoinsaturado”, apesar de 16% de seus ácidos graxos serem saturados e 9%, poli-insaturados.

Uma margarina anunciada como “poli-insaturada”, por sua vez, pode ter 45% de ácidos graxos poli-insaturados, mas também será composta por 30% de monoinsaturados e 25% saturados. Isto significa dizer que o teor de gordura saturada passa de 50%, o que de forma alguma é uma quantia insignificante, mas esta pode ser a impressão que se tem ao rotular o produto apenas como “poli-insaturado”.

Uma vez dentro do seu corpo, gorduras e colesterol – ambos insolúveis em líquidos – são transportados no sangue por compostos de proteína e gordura (chamados de lipoproteínas) que variam em sua densidade e função. As lipoproteínas de baixa densidade (LDL, ou “mau colesterol”) transportam o colesterol do fígado e podem depositá-lo na placa sobre as paredes das artérias coronárias, entre outras. Isto é capaz de restringir o fluxo de sangue e, em conjunto com reações inflamatórias, a placa pode bloquear uma artéria, causando um ataque cardíaco ou um acidente vascular cerebral. É por isso que o colesterol LDL vem frequentemente acompanhado pela alcunha “mau” (níveis elevados de LDL também podem ser responsáveis por problemas de ereção nos homens).

As lipoproteínas de alta densidade (HDL, ou “bom colesterol”) carregam pedaços soltos de colesterol de volta até o fígado para sua eliminação e são, portanto, “boas”. A proporção do total de colesterol HDL em relação ao LDL colesterol agora parece ter uma correlação mais forte com o desenvolvimento de doenças cardíacas do que apenas os níveis de LDL sozinhos.

Ainda presentes nesta equação biológica estão os triglicerídeos, que são a forma como a gordura circula no sangue imediatamente após as refeições, e que estão disponíveis para as células de energia e suscetíveis de serem utilizados durante atividades físicas. Qualquer excesso, que pode vir de muita gordura, carboidrato ou álcool ingeridos, é armazenado como gordura no corpo. Altos níveis de triglicerídeos frequentemente acompanham um alto nível de LDL, HDL baixo e índice de gordura corporal elevado. O Ômega 3, encontrado principalmente em peixes, pode ajudar a baixar os níveis de triglicerídeos.

Para chegarmos a fundo na questão que o título deste texto propõe, precisamos também passar pelos tipos de gordura saturada. Dos muitos ácidos graxos saturados em alimentos, três (os ácidos mirístico, palmítico e láurico) possuem maior efeito no aumento do colesterol no sangue. Grandes quantidades de ácidos graxos de cadeia mais curta (encontrados em alimentos como manteiga, queijos de cabra e leite de vaca e de coco) podem aumentar os níveis de triglicerídeos.

Por outro lado, alguns ácidos graxos saturados, tais como o ácido esteárico (presente na gordura da carne bovina e no chocolate) tem a capacidade de aumentar os níveis de triglicerídeos do organismo, mas não têm nenhum efeito sobre o colesterol no sangue. Tudo isso pode parecer um pouco complicado (e realmente é), mas há algo mais simples no centro da questão que é muito mais importante: o debate se as gorduras saturadas ou insaturadas são “boas” ou “ruins” são distorcidos por ignorar qual alimento é a sua fonte.

Imagine que a mesma quantidade de gordura saturada é encontrada em 35 gramas de queijo e de chocolate branco, em 70 gramas de batata frita, 90 gramas de castanha de caju torrada, um pedaço de 145 gramas de picanha, uma colher de sopa de banha, 50 gramas de margarina poli-insaturada e 15 gramas de molho holandês (feito à base de ovos e manteiga). Seria um absurdo supor que todos estes alimentos são equivalentes nutricionalmente, mas se você observar apenas o seu conteúdo de gordura saturada ou monoinsaturada, a impressão é de que são todos, de fato, equivalentes.

Estudos mais antigos utilizaram óleos líquidos adicionados a uma dieta padrão e relataram que os ácidos graxos saturados reduziram o nível de colesterol no sangue. Em populações próximas ao Mar Mediterrâneo, a maioria das gorduras insaturadas vem de azeite de oliva e frutas oleaginosas, como nozes e castanhas – alimentos com grande variedade de outros componentes benéficos. Nos Estados Unidos, por outro lado, as principais fontes de gorduras insaturadas incluem produtos como óleos para fritura e doces para passar no pão, como manteiga de amendoim e Nutella.

Até muito recentemente, aliás, estes doces eram feitos por hidrogenação parcial (adição de átomos de hidrogênio a) óleos líquidos. Este mesmo processo era utilizado para óleos comerciais para fritura, salgadinhos, doces, bolos, bolachas e tudo que possuía uma camada crocante em cima. Demorou anos até que os cientistas percebessem que a hidrogenação parcial produzia um ácido graxo trans insaturado, mas desagradável, chamado ácido elaídico. Esta gordura aumenta o colesterol LDL, diminui o HDL, aumenta inflamações, além de uma série de outros efeitos indesejáveis.

Voltando à pergunta-chave da matéria: a gordura saturada é santa ou pecadora? Depende da quantidade consumida e de outras características do alimento que a contém.

Uma revisão muito citada de estudos observacionais concluiu que não existe associação entre gordura saturada e doenças cardíacas. No entanto, além de grandes falhas na metodologia do estudo terem sido apontadas no meio científico, os autores da revisão em questão são apoiados pela gigante Unilever e por associações de laticínios e de carne bovina, o que caracteriza claros conflitos de interesse envolvidos.

E as empresas do setor alimentício não facilitam em nada ao produzir alimentos com baixo teor de gordura, mas com açúcar e amidos refinados em substituição à gordura. Uma coisa é certa: a diversidade de alimentos que contêm gorduras saturadas e insaturadas em nossas dietas modernas é uma grande fonte de confusão.

Para se ter uma ideia, a página oficial da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard (EUA) coloca a gordura saturada na coluna das “gorduras ruins”, ressaltando que “a gordura saturada encontrada na manteiga, no leite, no queijo e em outros produtos lácteos é a que mais aumenta os níveis de LDL, seguida pela gordura saturada da carne”.

Por outro lado, a Fitness Magazine, uma importante revista norte-americana voltada para o público feminino com o foco em saúde e bem estar, publicou uma extensa matéria intitulada “A verdade sobre as gorduras saturadas”. Nela, a jornalista Sally Kuzemchak afirma que a gordura saturada tem sido acusada injustamente e apresenta estudos que confirmam seu ponto de vista.

“Os pesquisadores dizem que havia indícios ainda mais antigos de que a gordura saturada não merece a reputação de vilã da dieta. A ‘hipótese da dieta cardíaca’, de que a gordura saturada faz mal para o coração, de décadas atrás, foi baseada principalmente em estudos com animais e em experimentos de curta duração, que se focavam apenas nos níveis de colesterol das pessoas, e não na ocorrência ou não de ataques cardíacos entre elas”, escreve.

Uma maneira simples de evitar toda essa confusão de “boa gordura” contra “má gordura” é seguir padrões alimentares associados a baixos níveis de doenças cardíacas e outros problemas de saúde. Isso também ajuda a evitar o absurdo criado de pensar exclusivamente em termos de nutrientes individuais em vez dos alimentos como um todo.

Uma boa dica é seguir os padrões alimentares mediterrâneos, que favorecem incluem poucos processados e dá preferência ao queijo branco e ao iogurte em vez de manteiga. A base da alimentação do dia a dia é composta por uma grande variedade de frutas, verduras, legumes, oleaginosas e grãos, assim como azeite de oliva extra-virgem, ervas e especiarias.

Carnes vermelhas e alimentos ricos em manteiga ou açúcar são reservados apenas para ocasiões especiais. Trata-se de uma maneira agradável e comprovadamente saudável de se alimentar, e sem muita neura se a gordura que você está comendo é “do bem” ou “do mal”. [Medical Xpress, Universidade de Harvard e Fitness Magazine]

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