Impulsionados pela ambição e pela curiosidade de descobrir o que existe do outro lado da morte, cinco estudantes de medicina deliberadamente pararam seus corações para experimentar “a vida após a morte” no novo filme “Flatliners” (Sony Pictures), que estreou nos Estados Unidos em 29 de setembro.
Eles rapidamente descobrem que há consequências inesperadas e terríveis nessa “brincadeira” – mas nem tudo o que experimentam depois de “morrer” se restringe ao domínio da ficção científica. Um crescente corpo de pesquisa está traçando os processos que ocorrem após a morte, sugerindo que a consciência humana não se apaga imediatamente depois que o coração para de bater, segundo os especialistas.
Mas o que realmente acontece com o corpo e com o cérebro nos momentos que sucedem uma parada cardíaca?
Os termos “parada cardíaca” e “ataque cardíaco” são frequentemente confundidos, mas não se referem a condições idênticas, de acordo com a American Heart Association (AHA). Durante um ataque cardíaco, uma artéria bloqueada evita que o sangue atinja uma parte do coração, o que pode interromper as atividades nessa área – embora o coração continue a bater, explicou a AHA.
Durante a parada cardíaca, os sinais elétricos que impulsionam a ação de bombeamento do coração são interrompidos, o órgão para de bater e logo acontece a morte, informa a associação.
Na grande maioria dos casos terminais, os médicos definem a morte quando o coração já não bate, disse o Dr. Sam Parnia, diretor de pesquisa de cuidados intensivos e ressuscitação na NYU Langone School of Medicine, em Nova York.
“Tecnicamente falando, é assim que se marca o horário da morte – tudo se baseia no momento em que o coração para”, disse ele à Live Science.
Uma vez que isso acontece, o sangue já não circula para o cérebro, o que significa que a função cerebral para “quase que instantaneamente”, disse Parnia. “Você perde todos os seus reflexos do tronco encefálico – seu reflexo mordaz, seu reflexo pupilar, tudo isso desaparece”.
Uma trajetória de morte celular
O córtex cerebral – a chamada “parte pensante” do cérebro – também reduz sua atividade de forma instantânea, em linhas retas – o que significa que não há ondas cerebrais visíveis em um monitor elétrico –, dentro de 2 a 20 segundos. Isso inicia uma reação em cadeia de processos celulares que eventualmente resultam na morte de células cerebrais, mas isso pode acontecer horas depois da parada cardíaca, segundo Parnia.
O procedimento da reanimação cardiopulmonar (RCP) é capaz de enviar algum sangue ao cérebro – cerca de 15% do que ele requer para funcionar normalmente, de acordo com Parnia. Isso é suficiente para retardar a trajetória da morte das células cerebrais, mas não é o bastante para impulsionar o cérebro no retorno às atividades, razão pela qual os reflexos não se recuperam durante a RCP, disse ele.
“Se você conseguir reiniciar o coração, que é o que a RCP tenta fazer, você começará gradualmente a recuperar o funcionamento do cérebro. Quanto mais fizer a reanimação, esses caminhos de morte de células cerebrais seguirão ocorrendo – mas com uma taxa ligeiramente mais lenta “, disse ele à Live Science.
Estudos recentes mostraram que os animais experimentam um aumento na atividade cerebral nos instantes seguintes à morte. E as pessoas na primeira fase depois de morrerem ainda podem experimentar alguma forma de consciência, disse Parnia. Evidências substanciais revelam que as pessoas cujos corações pararam e depois receberam a RCP foram capazes de descrever relatos precisos comprovados sobre o que estava acontecendo ao seu redor, acrescentou.
“Eles descrevem o que viram de médicos e enfermeiras trabalhando, dirão ter a consciência de conversas inteiras, de cenas visuais que estavam acontecendo, que de outra forma não seriam conhecidas por eles”, explicou. De acordo com Parnia, essas lembranças foram então verificadas por equipes médicas e de enfermagem que estavam presentes na época e ficaram surpresas ao saber que seus pacientes, tecnicamente mortos, podiam se lembrar de todos esses detalhes.
A morte e depois
Parnia e seus colegas estão atualmente investigando a omnipresença da consciência após a morte. Para isso, vêm observando um certo número de pessoas na Europa e nos Estados Unidos que sofreram parada cardíaca, no maior estudo dessa natureza que já foi realizado, disse ele.
“Da mesma forma que um grupo de pesquisadores pode estudar a natureza qualitativa da experiência humana do amor, por exemplo, estamos tentando entender as características exatas que as pessoas experimentam quando passam pela morte, porque entendemos que isso vai refletir a experiência universal que todos teremos quando esse momento chegar”, disse ele.
Os pesquisadores do estudo também estão observando o cérebro em detalhes durante o período de parada cardíaca, morte e reanimação para entender o quanto de oxigênio chega ao cérebro, quando exatamente o córtex retorna à ativa e como essas experiências se relacionam com a própria atividade cerebral, Parnia adicionou.
Para esses cientistas, os próximos passos mais importantes são a busca de métodos mais precisos para controlar o cérebro além do limiar da morte e melhorar a qualidade da reanimação, para fazer um melhor trabalho de prevenção de lesões cerebrais pela RCP, disse Parnia.
“Ao mesmo tempo, nós também estudamos a mente e a consciência humanas no contexto da morte, para entender se a consciência se destrói ou se ela continua depois que você morreu por algum período de tempo – e como isso se relaciona com o que está acontecendo dentro da cérebro em tempo real”, disse Parnia.
O filme “Flatliners” também sugere que a morte e a reanimação poderiam aumentar a atividade cerebral normal após o procedimento, pois os alunos que “morreram” e acordaram podem, de repente, lembrar-se de passagens ou trechos de livros há muito esquecidos. No entanto, no mundo real, um ticket de retorno da morte não inclui novos superpoderes cerebrais – embora frequentemente forneça uma nova perspectiva sobre a vida, observou Parnia.
“O que tende a acontecer é que as pessoas que tiveram essas experiências muito profundas podem voltar positivamente transformadas – tornam-se mais altruístas, mais empenhadas em ajudar os outros. Eles acham um novo significado para a vida depois ter tido um encontro com a morte”, disse Parnia.
“Mas não há como um súbito aprimoramento mágico de suas memórias”, acrescentou. “Isso é apenas o jazz de Hollywood”. [LiveScience]