Físicos relataram algumas das evidências mais fortes de que o mundo quântico não obedece ao realismo local, demonstrando novas evidências para a possibilidade de emaranhamento quântico. Ao realizar um teste de Bell, essencialmente sem lacunas, eles mostraram que dois átomos separados por uma distância de um quarto de milha compartilham correlações que deveriam ser impossíveis sob a hipótese de realismo local, e que são mais bem explicadas pelo emaranhamento quântico.
O novo teste de Bell foi realizado por um grupo de pesquisadores liderados por Harald Weinfurter, da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, e no Instituto Max Planck de Ótica Quântica, ambos situados na Alemanha.
A probabilidade de que as correlações observadas possam ser explicadas pelo realismo local devido a algumas “variáveis ocultas” desconhecidas em vez do emaranhamento é inferior a uma em um bilhão, informam os físicos em artigo publicado no Physical Review Letters. Ao comprovar todos os dados acumulados, num estudo conduzido ao longo de sete meses, essa probabilidade cai ainda mais, até cerca de uma em cada dez quadrilhões (o número um seguido de 16 zeros). Isso significa que o mundo quântico viola qualquer localidade (segundo a qual os objetos distantes não podem influenciar-se mutuamente em menos de um certo período de tempo) ou o realismo (objetos existem conforme possam ou não ser mesurados), ou possivelmente ambos os princípios.
Três testes de Bell
O experimento aqui relatado é o último teste de Bell sem lacunas: um que simultaneamente fecha as duas maiores lacunas, a da localidade e a de detecção. O encerramento de ambas é vital para excluir explicações alternativas, como a possibilidade de que dois objetos emaranhados estejam secretamente compartilhando informações (lacuna de localidade) ou que as partículas que estão sendo detectadas não sejam representativas de toda a amostra, mas formem um subconjunto especial que distorce os dados (lacuna de detecção).
O primeiro teste de Bell sem lacunas, relatado em 2015 por uma equipe liderada por Ronald Hanson, da Universidade de Delft, demonstrou emaranhamento entre as rotações de elétrons dos centros de vácuos de nitrogênio (NV, em inglês) em diamantes. Pouco depois, outros testes de Bell sem lacunas relataram o emaranhamento entre os fótons. O teste em questão evidencia o emaranhamento entre um terceiro tipo de sistema: os estados de rotação dos átomos.
“Na minha opinião, o maior significado desse trabalho é a definitiva exclusão do realismo local”, disse à Phys.org o co-autor Wenjamin Rosenfeld, da Universidade Ludwig Maximilian de Munique e do Instituto Max Planck de Ótica Quântica. “É bom que experiências semelhantes tenham sido realizadas com diferentes sistemas (fótons, centros NV) essencialmente ao mesmo tempo, de modo que todos os resultados em conjunto podem ser considerados verdadeiramente conclusivos. Agora, não é mais uma questão de crença se a natureza pode ou não pode ser descrita de forma local-realista, mas uma questão de fato (no entanto, o problema da liberdade de escolha ainda precisa ser resolvido)”.
Configuração experimental
O novo experimento envolveu a captura de um átomo de rubídio no porão do departamento de física da Universidade Ludwig Maximilian de Munique e a captura de um segundo átomo de rubídio no porão do departamento de economia, a cerca de 400 metros de distância. Uma fibra óptica conectou os dois locais de medição.
Em seus testes, os cientistas estimularam os átomos, fazendo com que eles emitissem fótons em intervalos precisamente definidos. Os fótons então viajaram através da fibra óptica e interferiram um no outro. Essa interferência quântica, em tese, faz com que os átomos se enredem. Para detectar esse emaranhamento, os pesquisadores realizaram medições nos fótons, repetindo as medidas vez após outra para dezenas de milhares de pares de fótons. Os resultados mostraram que, definitivamente, os pares de fótons distantes estavam de fato enredados.
Última lacuna
Uma das últimas lacunas possíveis para a maioria dos testes de Bell diz respeito à escolha da medida aplicada nos átomos. Uma vez que essas medidas podem ser realizadas de várias maneiras, é importante salientar que o experimentador é livre para escolher qual a medida particular deve ser feita e que as variáveis ocultas não influenciam a escolha da medida e, de alguma forma, permitem que os átomos sincronizem suas propriedades. Esta possibilidade é chamada de livre arbítrio ou liberdade de escolha nas lacunas.
Para tentar fechar esta lacuna, os pesquisadores usaram um gerador de números aleatórios quânticos de alta velocidade, que escolhe configurações de medição que são verdadeiramente aleatórias – ou quase. O problema é que existe uma possibilidade muito pequena de que os geradores de números aleatórios possam se comunicar entre si ou com o restante do experimento antes do início da experiência. Isso permitiria que os átomos conhecessem os números aleatórios e, consequentemente, as medições a serem realizadas, antecipadamente, o que os permitiria sincronizar suas propriedades.
Os físicos explicam que a única maneira de fechar completamente esta lacuna é usar um gerador de números aleatórios extraterrestres, como a emissão de fótons inerentemente aleatória de estrelas localizadas a milhões de anos-luz de distância. A grande distância entre as estrelas e um experimento terrestre tornaria praticamente impossível a ocorrência de uma comunicação secreta, pois isso significaria que tal comunicação teria ocorrido antes de a luz deixar as estrelas, milhões de anos antes. Vários laboratórios de física estão atualmente desenvolvendo geradores de estatísticas extraterrestres aleatórias para este propósito.
Comunicação segura
Uma vez que o emaranhamento quântico provavelmente será um recurso importante em futuras tecnologias quânticas seguras, o fechamento dessas lacunas ajudará a aumentar a segurança das próximas aplicações no nível mais fundamental. Os pesquisadores esperam que os métodos utilizados neste estudo também contribuam para novos desenvolvimentos em sistemas de informação quântica e outras redes, que são utilizadas para comunicar informações quânticas a longas distâncias. Eles planejam investigar mais esta aplicação no futuro.
“Além de outras questões fundamentais, considerando a problemática da liberdade de escolha, há muito para se trabalhar aqui”, disse Rosenfeld. “De um lado, pode-se tentar empurrar o sistema ainda mais (especialmente a fidelidade do estado emaranhado) para poder realizar os chamados ‘protocolos independentes’ do dispositivo”. Isso permitiria obter uma chave criptográfica segura, mesmo a partir de dispositivos que são potencialmente não confiáveis (fornecido por um terceiro). Aqui, a irregularidade de Bell fornece a possibilidade de efetuar um teste, caso os dispositivos foram de alguma forma preparados antecipadamente, para produzir uma chave conhecida por um adversário. Além disso, as técnicas para gerar entrelaçamentos entre objetos distantes são importantes para que as redes quânticas permitam a comunicação segura em longas distâncias”, concluiu. [Phys.Org]