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Malas antigas revelam histórias fascinantes sobre pacientes psiquiátricos

Encontrar pertences abandonados antigos pode ser uma experiência bastante comovente. Se há uma história triste ligada aos objetos, geralmente sentimos melancolia. Ainda assim, ao mesmo tempo, ficamos fascinados por essas histórias e pelas vidas dos outros, especialmente se suas experiências forem muito diferentes da nossa.

É por isso que essas malas, que antes pertenciam a pacientes do Centro Psiquiátrico Willard, em Nova York (EUA), são tão cativantes.

Em 1995, trabalhadores encontraram as malas no sótão de um edifício abandonado quando o hospital fechou. As malas tinham sido colocadas lá para armazenamento entre 1910 e 1960, cada uma retirada de um paciente recém-chegado. Como as pessoas muitas vezes eram enviadas para o hospital para ficar lá o resto de suas vidas (a estadia média era de mais de 30 anos), além de deixarem família para trás em países estrangeiros, os objetos nunca foram reclamados ou recuperados.

Cada uma das malas é como uma pequena cápsula do tempo, oferecendo um vislumbre da vida dessas pessoas: uma visão preciosa de quem seus donos eram, de onde vieram, do que os interessava e até mesmo a quem amavam. “Foi-me dada a incrível oportunidade de fotografar essas malas e seus conteúdos”, disse o fotógrafo Jon Crispin. “Para mim, elas abrem uma pequena janela para a vida de algumas das pessoas que viviam na instalação”.

As malas abandonadas foram levadas ao Museu Estadual de Nova York (New York State Museum, EUA) e entraram para sua coleção permanente. Lá, foram cuidadosamente catalogadas, com cada item contido nas malas sendo embrulhado para proteção. Crispin os desembrulhou para fazer estas fotografias.

A mala acima pertencia a uma mulher chamada “Freda B” (não é possível compartilhar o nome completo dos pacientes, pois eles são protegidos por leis de privacidade). Apesar de não sabermos o sobrenome de Freda, há coisas que podemos saber sobre ela. Olhando para os seus pertences, podemos supor que ela gostava de manter as coisas em ordem. A mala inclui um conjunto de escovas para cuidados pessoais, uma pequena vassoura, um sapato de couro creme e um despertador. Também contém um livro, que pode sugerir que ela era uma professora ou pelo menos interessada no campo de treinamento de sentidos e jogos.

A maioria dos pacientes que acabaram no centro psiquiátrico em Willard foram enviados para lá contra a sua vontade. Na década de 1950, não era difícil mandar alguém para uma instituição mental. Tudo o que era necessário era um atestado médico. Muitos pacientes eram simplesmente “rejeitados” pela sociedade.

A mala acima pertencia a Frank, um homem que teve uma reação exagerada ao ser servido em um prato danificado em um restaurante no Brooklyn (Nova York, EUA), em junho de 1945. Sentindo-se desrespeitado, Frank “simplesmente enlouqueceu”, segundo Crispin. Ele não faz mal a ninguém, mas chutou algumas latas de lixo e fez muito barulho do lado de fora do restaurante. Foi internado em dois outros hospitais antes de acabar em Willard em 1946, para uma estadia de três anos. As repercussões do incidente no restaurante nunca abandonaram Frank, e ele acabou morrendo em um hospital para veteranos em Pittsburgh (EUA) em 1984.

Na imagem acima, vemos uma coleção de fotografias pessoais que Frank mantinha na sua mala. Ele se correspondia com sua família em West Virginia e Ohio, inclusive com seu pai. No entanto, de acordo com registros médicos, Frank não tinha nenhum contato com a família, o que mostra como a história oficial pode errar. “Frank parece muito elegante, e há todas essas belas mulheres dos anos 30 e 40 em suas fotos”, conta Crispin. “Isso realmente me afetou”. Crispin também acrescentou que descobriu que Frank era gay.

Aqui vemos mais uma fotografia do conteúdo da mala de Frank. Entre seus pertences estavam seu uniforme do Exército, cartas de sua família, e um sapato de bebê.

Um homem chamado Dmytro foi outro ex-paciente com uma história incrível. Ele era filho de um fazendeiro pobre na Ucrânia e foi forçado a trabalhar como escravo pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, foi preso pelos soviéticos na Hungria. Dmytro conseguiu escapar e acabou em um acampamento americano em Viena. Lá, ele conheceu sua esposa Sophia (foto acima). Em 1949, o casal mudou-se para os EUA, e Sophia ficou grávida. A vida era boa para Dmytro, mas logo veio a tragédia.

Infelizmente, Sophia perdeu seu bebê e morreu, e a vida do imigrante ucraniano entrou em uma espiral descendente. Em luto, Dmytro tinha ilusões de que estava destinado a se casar com a filha do então presidente americano Truman, Margaret. Em 1952, Dmytro tentou fazer uma visita não autorizada à Margaret na Casa Branca, e o Serviço Secreto dos EUA o manteve sob custódia. Dmytro acabou em Willard em 1953, após breves estadias em dois outros hospitais psiquiátricos.

Durante a sua estada em Willard, Dmytro foi submetido a 20 sessões de terapia de eletrochoque, que – talvez não surpreendentemente – não o melhorou. Na década de 1960, ele descobriu que possuía um dom para expressar-se com pintura. Sendo assim, usou suas telas para contar a sua história de vida e fez uma pintura por dia por vários anos. Sua arte foi exibida em uma exposição em Washington (EUA), mas ele deu a maior parte de seu trabalho para membros do hospital. Em 1977, Dmytro foi finalmente dispensado do centro psiquiátrico. Em 2000, ele faleceu em um lar de idosos com 84 anos.

A mala acima pertencia a Anna e, de acordo com Crispin, contém um registro meticuloso das roupas dentro dela. Claramente, esses itens eram os favoritos da paciente.

Ocasionalmente, as razões pelas quais as pessoas eram enviadas a asilos eram ligadas a lutos que elas tiveram que sofrer, ou devido a terem crenças religiosas estranhas. Outras vezes, elas podem ter sofrido com problemas de saúde ou traumas. É provavelmente justo dizer que pelo menos alguns desses indivíduos não deveriam ter recebido o tratamento que receberam. Uma vez que eram admitidos em Willard, as pessoas eram classificadas com base em sua capacidade de trabalhar. As mulheres geralmente eram atribuídas para cozinhar, costurar e limpar, enquanto os homens recebiam tarefas como jardinagem, sapataria e carpintaria. Essa prática foi proibida em 1973, mas até lá os próprios pacientes mantinham a instituição funcionando, com sua força de trabalho não remunerada.

Aqueles que eram considerados perigosos para si ou outros eram presos, e suas atividades eram rigorosamente controladas. Os tratamentos oferecidos em Willard, pelo menos até meados dos anos 1950, eram bastante desagradáveis. Um deles era de hidroterapia, no qual os pacientes eram forçados a ficar em banhos de água fria por longos períodos de tempo. Também havia a eletroconvulsoterapia, como a que Dmytro foi submetido.

Não foram apenas malas que ficaram no sótão do hospital. Este recipiente de armazenamento era de propriedade de uma mulher chamada Eleanor, que provavelmente gostava de costurar. Talvez ela tenha trabalhado como costureira no centro. Muitos desses artefatos pessoais permaneceram no local após a morte de seus proprietários porque as leis de privacidade faziam com que fosse difícil que parentes tivessem algum contato. E, em alguns casos, quando as famílias podiam ser encontradas, elas já tinham cortado relações com o paciente institucionalizado.

Esta mala contém objetos embrulhados e evidencia o processo de preservação do museu. Foi em 1999 que o psiquiatra e cineasta Peter Stastny, bem como Darby Penney, um ativista para pessoas com deficiência mental, viram pela primeira vez as malas. A dupla utilizou registros hospitalares para escolher um pequeno número de casos para um estudo mais aprofundado. Junto com a fotógrafa Lisa Rinzler, eles passaram uma década investigando o perfil dos pacientes, o que levou a uma exposição e ao livro de 2009 “The Lives They Left Behind” (em português, “A vida que eles deixaram para trás”).

O livro e a exposição receberam muitas reações diferentes, de intriga à indignação. Os pertences abandonados geraram lágrimas. Cada mala tem uma história, até mesmo esta acima, aparentemente vazia, de Floyd.

Olhando para estas malas antigas, podemos nos sentir aliviados que os tempos mudaram. No entanto, enquanto as coisas podem ter melhorado muito no campo das doenças mentais, a luta continua. Um grande número de pessoas ainda vive mal, e os pacientes mentais podem acabar excluídos socialmente. Pessoas afetadas por problemas de saúde mental ainda têm dificuldades financeiras, e as drogas que elas tomam podem levar a condições secundárias, como diabetes e doenças cardíacas, o que pode conduzir à morte. Espera-se que essas malas ajudem a humanizar os doentes mentais, e aumentar a conscientização sobre suas condições.[EG]

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