O final de outubro deste ano assistiu a humanidade alcançar mais uma marca histórica: segundo as estimativas das Nações Unidas, somos agora 7 bilhões de pessoas respirando sobre o Planeta Terra. Mas não estamos apenas respirando: nós também trabalhamos, dormimos, comemos; e sim, defecamos. Já pensou a quantidade de fezes que é produzida por sete bilhões de pessoas?
Representantes de ONGs ambientais e humanitárias, de atuação internacional, chamam a atenção para um problema geralmente oculto. Os números da ONU revelam que 2,6 bilhões de pessoas (ou seja, 37% da população mundial) não têm saneamento básico e depositam seus excrementos no ambiente. A cada ano, 200 milhões de toneladas de fezes são lançadas na natureza sem tratamento.
Uma série de problemas pega carona nesse panorama, porque 90% destes excrementos sem saneamento são atirados em rios. Quando há chuvas pesadas, em países subdesenvolvidos, o líquido que corre pelas ruas, nas enchentes, não é nada saudável. Mas o risco de doenças relacionadas a excrementos apresenta, ele próprio, um leque maior de preocupações.
No mundo, morrem cerca de 1,4 milhões de crianças devido a doenças ligadas à falta de saneamento a cada ano. É como se perdêssemos uma criança por essa razão a cada 20 segundos. Uma das ONGs, a WaterAid, critica a ONU, que havia se comprometido a tomar ações para reduzir pela metade o número de pessoas sem saneamento no mundo até 2015, e agora consideram esse número “fora de alcance”.
O problema, segundo as entidades, é também cultural. O governo indiano, já nos anos 80, deu milhões de latrinas à população. Embora não sejam o ideal, as latrinas com cobertura química (geralmente, uma pá de cal) evitam o acesso de mosquitos e proliferação de doenças. Mas as autoridades da Índia tiveram, alguns anos depois, uma péssima surpresa: as pessoas usavam a “casinha” como estábulo ou depósito, e mantinham o hábito de defecar no ambiente.
Além do óbvio problema da contaminação, defecar ao ar livre leva consigo mais problemas culturais. Em algumas áreas da África subsaariana, nas localidades em cujas casas não há sequer latrina, mulheres são vítimas de estupro momentos antes de serem obrigadas a fazer suas necessidades em um arbusto.
E nem todas as latrinas são de boa qualidade. Quando não há manutenção adequada, ela logo fica infestada de insetos e exala um cheiro insuportável. Os pesquisadores da WaterAid explicam que isso é um problema gravíssimo, porque as pessoas claramente optam por defecar no rio ao invés da latrina diante dessa situação, o que amplia o problema ambiental.
Nas áreas urbanas, esse problema fica explícito em favelas. Os dados da ONU revelam que a população mundial morando em favelas caiu de 39% em 2000 para 30% em 2010. Pode parecer um alento, mas o número absoluto de pessoas nessa situação subiu. Em alguns casos, o governo municipal simplesmente não reconhece uma favela como parte do perímetro urbano, e todos os moradores ficam à margem de qualquer assistência sanitária.
Algumas cidades ainda apresentam paisagem semelhante a centros urbanos desenvolvidos do século XVIII: ruas estreitas, uma casa ao lado da outra, nada que se pareça com uma latrina para depositar as fezes. Em muitos lugares do mundo, os dejetos ainda são atirados à rua diretamente.
A falta de saneamento chega a criar situações surreais. Uma pesquisa recente, em países subdesenvolvidos, aponta que 20% das meninas deixam de ir à escola por falta local adequado para fazer as necessidades. Ou seja, até os índices de educação e alfabetismo são afetados pelas péssimas condições sanitárias.
Diante de um quadro tão pessimista, a WaterAid pensa em estratégias para “convencer” as autoridades da seriedade do problema. Um dos argumentos é econômico: de acordo com um levantamento, para cada dólar investido pelo Estado em saneamento básico, oito dólares são poupados em saúde pública. Segundo a ONG, 30 dólares (cerca de 52 reais, na conversão atual) são suficientes para garantir a uma pessoa acesso básico a água tratada e saneamento.
Embora os focos de maior atenção estejam em países pobres da África e Ásia, as nações desenvolvidas não estão livres do problema. Quando uma metrópole cresce além da sua capacidade, é comum que o esgoto não tenha estrutura suficiente para suportar o volume de fezes que cria. Em alguns locais, excrementos são depositados na natureza pela própria rede de esgoto super saturada.
Medidas para solucionar essa questão são urgentes, como explicam os pesquisadores, porque a população não está caindo. Por volta de 2100, calcula-se que haverá 10 bilhões de pessoas na Terra. Se o panorama com relação às fezes já é tão preocupante com a população atual, os cientistas nem conseguem prever o que pode acontecer se houver três bilhões de humanos a mais. [LiveScience]