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Meio bilhão de anos atrás, a “panqueca marinha” é o animal assimétrico mais antigo conhecido

Uma ilustração artística do aspecto que os cientistas imaginam que o Quaestio simpsonorum tinha há 555 milhões de anos. (Crédito da imagem: Obra de Walker Weyland)

Imagine uma criatura marinha de 555 milhões de anos deslizando preguiçosamente pelo fundo do mar como uma versão ancestral de uma panqueca marinha. Agora, acrescente um detalhe peculiar: uma protuberância em forma de ponto de interrogação invertido no meio de suas costas. Não é a descrição de um personagem de ficção científica, mas do Quaestio simpsonorum, o fóssil mais antigo conhecido a exibir um corpo assimétrico, redefinindo nossa compreensão da evolução animal.

O estudo foi publicado em 3 de setembro na revista Evolution and Development e destaca como essa criatura, aparentemente modesta, abriu caminho para formas de vida mais complexas ao longo do tempo. Ela viveu no período Ediacarano, numa época anterior à famosa explosão Cambriana, quando a vida começou a diversificar-se de forma espetacular.

Os “primeiros passos” assimétricos no fundo do mar

Os fósseis do Quaestio foram descobertos no Parque Nacional Nilpena Ediacara, na Austrália, um verdadeiro baú de tesouros da vida primitiva. Ao longo de décadas, a região tem revelado alguns dos organismos mais antigos e complexos, mas nenhum tão peculiar quanto esse. A assimetria, evidenciada pela curvatura única na criatura, faz deste animal uma peça-chave no quebra-cabeça evolutivo.

Scott Evans, paleobiólogo da Universidade Estadual da Flórida e principal autor da pesquisa, afirmou que a criatura era “menor que uma palma de mão”, mas possuía uma característica marcante: um corpo que distinguia lado esquerdo e direito, algo raro na época. Fósseis desse período geralmente apresentam corpos simétricos, reforçando o impacto evolutivo da descoberta. A natureza assimétrica permitiu uma melhor adaptação funcional, da mesma forma que os humanos evoluíram com o coração do lado esquerdo e o fígado do lado direito.

Como a assimetria moldou a complexidade da vida

A capacidade de desenvolver assimetria de forma consistente marca um divisor de águas na evolução. Em organismos mais simples, padrões simétricos eram a norma, como é o caso de muitos cnidários modernos (medusas e corais). Entretanto, a assimetria trouxe maior especialização: partes do corpo começaram a ter funções únicas e localizadas.

Estudos anteriores, como uma pesquisa publicada pela Philosophical Transactions of the Royal Society B em 2016, já indicavam que essa característica permitiu a criação de estruturas mais sofisticadas. Por isso, a descoberta do Quaestio simpsonorum adiciona uma nova camada ao entendimento de como organismos complexos surgiram e prosperaram na Terra.

Rastros antigos e uma dieta microscópica

Além de sua anatomia intrigante, o Quaestio deixou evidências claras de que podia se mover. Trilhas fossilizadas foram encontradas ao lado de um dos espécimes, sugerindo que ele se deslocava lentamente pelo leito oceânico, sugando bactérias e algas microscópicas como um pequeno aspirador submerso. O paralelo com o funcionamento de um robô Roomba foi uma comparação brincalhona dos cientistas, ilustrando o comportamento repetitivo e eficiente da criatura na busca por alimento.

Esse tipo de mobilidade é notável para um ser do período Ediacarano, onde muitos dos organismos eram estacionários. A capacidade de se movimentar deu ao Quaestio uma vantagem na exploração do ambiente, talvez até evitando predadores ou competindo por recursos.

A vida na Terra como referência cósmica?

Mary Droser, paleontóloga da Universidade da Califórnia, Riverside, e coautora do estudo, vê a descoberta como uma oportunidade de refletir sobre a própria evolução da vida na Terra e seu potencial em outros planetas. Segundo Droser, ao entender as primeiras etapas de desenvolvimento animal no nosso planeta, estamos melhor equipados para buscar formas de vida fora da Terra. “Por enquanto, somos o único planeta que conhecemos com vida”, pondera. “Revisitar nosso passado pode oferecer pistas sobre o que procurar em mundos distantes.”

Por que essa descoberta importa para a ciência moderna?

As criaturas do período Ediacarano, como o Quaestio, ajudam os cientistas a decifrar os primeiros passos na formação de organismos multicelulares e as pressões evolutivas que moldaram seus corpos. Entender a genética por trás dessa assimetria também tem implicações na biologia moderna, uma vez que a mesma lógica genética parece ter persistido por mais de 500 milhões de anos. Isso significa que padrões genéticos fundamentais nos seres vivos de hoje podem ter raízes profundas em organismos extintos há eras.

Como um detalhe curioso: se a evolução tivesse seguido apenas a simetria perfeita, talvez nossos corpos fossem bem diferentes, e corações “centralizados” poderiam ser comuns — mas essa configuração traria riscos à circulação sanguínea. Em outras palavras, devemos agradecer a seres como o Quaestio pela liberdade evolutiva que permitiu a diversidade biológica moderna.

E agora, o que mais podemos descobrir?

O Parque Nacional Nilpena Ediacara continua a ser um local fascinante para novas descobertas. A cada novo fóssil desenterrado, adicionamos peças essenciais ao enigma da evolução. As trilhas deixadas por esse antigo “Roomba” submerso são apenas um lembrete de que a história da vida é repleta de pequenos mistérios à espera de serem revelados.

Essa descoberta reforça como até mesmo seres aparentemente insignificantes podem ter desempenhado um papel gigantesco na jornada evolutiva da Terra — quem diria que uma criatura em forma de ponto de interrogação pudesse responder tantas questões?

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