O que você diria se alguém sugerisse que você segurasse uma água-viva?
Bom, dependendo de qual espécie estivermos falando, você não precisa se preocupar. Você com certeza sabe pouco sobre essas criaturas incríveis, se só conhece o fato delas picarem e queimarem.
A experiência de Natalie Anger com águas-vivas é boa. Ela pegou na mão a medusa-da-lua, de sete centímetros de largura, e logo seu medo se tornou fascínio. A água-viva brilhou. Com seus tentáculos retraídos, parecia uma criatura redonda translúcida, firme e viscosa, como uma fatia de fígado revestida de ovo cru.
“O veneno de uma medusa-da-lua comum é muito fraco”, disse Anders Garm, que estuda águas-vivas. “Você tem que beijá-la para senti-lo”. Quanto a isso, não há perigo, não? Natalie não pretendia beijá-la, ainda assim a água-viva deixou um presente na palma de sua mão: uma película pegajosa surpreendentemente difícil de remover.
A água-viva parece o “estrangeiro” do reino Animal. Onde está sua cabeça, seu coração, suas costas, ou mesmo sua frente, seus órgãos? No entanto, por mais emblemática que seja, ela merece sua posição.
Grupo diversificado de milhares de espécies encontradas em todo o mundo, as águas-vivas são absurdamente antigas, datando de 600 a 700 milhões de anos ou mais. Isso é aproximadamente o dobro da idade dos peixes ósseos e dos primeiros insetos e três vezes a idade dos primeiros dinossauros.
“As águas-vivas são os animais de múltiplos órgãos mais antigos da Terra”, disse David J. Albert, especialista em água-viva. Ainda assim, não sabemos quase nada sobre elas.
Elas foram ignoradas ou mal compreendidas pela ciência por muito tempo. Agora, uma série de novos estudos descobriu que há uma complexidade muito maior nessas criaturas.
Por exemplo, pesquisadores descreveram recentemente o sistema visual incrível da água-viva mortal, na qual uma matriz interativa de 24 olhos de quatro tipos distintos (dois deles muito semelhantes aos nossos próprios olhos) permitem que ela navegue como um marinheiro experiente pelos manguezais que habita.
Como elas evoluíram para esses olhos? Eles têm córnea, cristalino e retina, como os de humanos, e ficam suspensos em pedúnculos com cristais pesados numa ponta, uma espécie de giroscópio para garantir que eles estejam sempre apontados para cima. O cristal funciona como peso: não importa como a água-viva se reoriente, o pedúnculo dobra e os olhos são virados para cima.
E por que olhar fixamente para o céu? Os pesquisadores determinaram que ela olha para cima buscando orientação navegacional. Os animais vivem e se alimentam entre as raízes subaquáticas das árvores de manguezais sombrios. De noite, afundam no leito lodoso da laguna. De manhã, precisam voltar às raízes ou passar fome. Elas rumam à superfície e os olhos voltados para cima vasculham o céu, até encontrar a copa das árvores do mangue.
A água-viva também não está tão distante do sistema nervoso central que os vertebrados superiores têm tanto orgulho de ter. A distribuição das células de uma água-viva pode ser mais difusa, comparativamente a de um animal com um cérebro e medula espinhal óbvia, mas ela é muito mais que isso.
Recentes investigações detalhadas de arquitetura e atividade neural do animal revelam indícios de “condensação neuronal”, lugares onde os neurônios se aglutinam para formar estruturas distintas que funcionam como centros de integração – recebendo informação sensorial e traduzindo-a a respostas adequadas. “Ou seja, a medusa é capaz de muito mais do que as pessoas pensam. Está errado quem diz que ela não tem sistema nervoso central”, diz Richard Satterlie.
David Albert vai além, afirmando que a água-viva tem cérebro. Ele passou anos estudando a população residente da baía de Roscoe, começando com a pergunta simples: como pode haver uma população residente aqui?
As marés mudam de fluxo na baía todo dia. As medusas deveriam ser como plâncton, à mercê das marés. Então, por que elas não são despejadas pelas marés em mar aberto?
Albert descobriu que as águas-vivas não são nem um pouco navegantes passivas. Quando a maré começa a fluir para longe da baía, eles “cavalgam” a onda até chegarem a uma barra de cascalho e, em seguida, mergulham até chegar a águas tranquilas.
Elas permanecem no oásis da tranquilidade até que a maré comece a fluir de volta para a baía, altura em que elas vêm para cima e são arrastadas de volta para a baía.
Ele também descobriu que as águas-vivas têm medidores de salinidade, e no verão evitam a água doce despejada na baía que vem do derretimento de neve de montanhas, mais uma vez mergulhando até encontrar sal suficiente para atender seu gosto.
Elas também gostam de se reunir. Através de assinaturas moleculares, elas podem distinguir uma água-viva amigável de qualquer espécie predadora que as ameace.
Segundo Albert, essas atividades não podem ser ignoradas. “Se você olhar para todos esses comportamentos, você tem que se perguntar: o que seria necessário para organizá-los e executá-los? Não são reflexos simples, são comportamentos organizados. Isso é o que o cérebro faz”, conclui.
Elas são realmente incríveis: não têm dificuldade nenhuma em manter-se na natureza. São encontradas em mar aberto, ao longo das costas e nas lagoas, e algumas espécies podem lidar até com água fresca.
Suas necessidades de oxigênio modestas permitem que elas cresçam em “zonas mortas” e outras águas poluídas, onde a maioria da vida marinha não consegue. Nada surpreendente para um grupo que resistiu cinco extinções em massa no passado.
Águas-vivas adultas variam em tamanho desde a australiana irukandji, do tamanho de uma unha, à medusa-juba-de-leão, que tem um sino de 2,5 a 3 metros de diâmetro e tentáculos que se arrastam por 30 metros ou mais.
Uma marca da criatura é sua simetria radial, que permite que as águas-vivas nadem em linha reta. Todas são carnívoras: se alimentam de plâncton, crustáceos, peixes e outras medusas. Elas não caçam ativamente; usam seus tentáculos como redes para pegar alimento.
A picada dos tentáculos pode liberar minúsculos arpões embalados com neurotoxinas. Na água-viva mais venenosa, as toxinas são projetadas para trabalhar com rapidez e de forma inequívoca, para não causar qualquer dano ao seu tecido delicado.
Alguns desses venenos infalíveis têm potência suficiente para matar animais muito maiores, que a medusa não tem intenção de comer. O mais famoso exemplo é a medusa australiana vespa-do-mar, cujo ferrão pode matar um homem adulto em questão de segundos ou minutos. Contudo, seus “arpões” são curtos, e os australianos descobriram que podem se proteger das vespas-do-mar simplesmente usando uma meia-calça.[NewYorkTimes]