Nem pão e nem circo
Esses dias ao ler os jornais, tive a forte impressão de que a História realmente se repetia. Talvez como drama. Talvez como farsa. Não sei.
Alguns acontecimentos no Brasil lembraram-me Roma Antiga.
Por exemplo: em bom e alto latim o “panem et circenses” – a política do Pão e Circo – que imperou na Roma do Século I da era cristã.
O humorista e poeta Juvenal, contemporâneo dessa época, cunhou a expressão em uma de suas obras, a então célebre Sátira X, na qual criticava acintosamente a falta de interesse do povo romano aos assuntos da ciência, da cultura e da política, e que só se preocupava em comer bem e divertir-se, a ponto de que tal característica fosse utilizada como instrumento de manipulação e dominação.
Mesmo com a expansão econômica e o crescimento da “civilidade romana”, ironicamente os trabalhadores livres, formados em sua maioria por pessoas humildes e de poucas condições financeiras foram submetidas à dura realidade da periferia, vivendo em habitações precárias e insalubres, submetendo-se a empregos extenuantes e mal remunerados.
Para que esse povo submetido à exploração desumana de sua mão de obra e também às piores condições de sobrevivência, não se revoltasse, promovendo ações violentas e descontroladas, os governantes da época adotaram a política do pão e circo.
Mensalmente distribuíam uma cesta básica de alimentos no Pórtico de Minucius, constituídas por uma quantidade de cereais o suficiente para que o povo não morresse de fome e também promoviam vários eventos populares, sempre com o objetivo de distrair a população dos problemas viscerais de sua condição de vida.
Nos tempos de crise as autoridades apaziguavam as tensões sociais com a construção de enormes arenas, nas quais se realizavam grandes espetáculos populares, tais como, por exemplo, a luta de gladiadores por sua própria vida.
Essa velha e sub-reptícia política era duplamente vantajosa. Ao mesmo tempo em que a população ficava apaziguada e mansa, a popularidade do governante entre os mais humildes ficava consolidada.
Foi nesse ponto de minha reflexão que então me perguntei: – será que isso tem a ver com o nosso Brasil de hoje? Será que a história romana está se repetindo, aqui, ora como drama e ora como farsa?
Não! Claro que não. É um lapso de quem busca, de forma insistente, por significados.
Não há nenhuma repetição da história romana aqui. Pelo menos com o que tenho lido nos jornais.
Pois no Brasil desses últimos dias, a política é do “Nem pão e Nem circo”.
Afinal o pão na mesa está cada vez mais raro e o circo da praça cada vez mais caro.
Tanto que o glamour de frequentar as arenas modernas e assistir aos espetáculos mais populares ficou para a alta sociedade.
Outra visceral diferença:
São nas ruas, fora dessas arenas tão luxuosamente construídas, que as principais lutas estão acontecendo.
A luta diária e anônima para garantir a simples sobrevivência física. E uma outra, suprapartidária, que sob os holofotes distorcidos da mídia tenta resgatar a voz e a vigília há tanto tempo perdidas.
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[Imagem por Semilla Luz]
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