Neurologistas acidentalmente desconectam consciência de paciente

Por , em 27.02.2014

Um relatório muito interessante de um grupo de neurocirurgiões franceses lança luz sobre a base neural da consciência e dos sonhos. Guillaume Herbet e seus colegas descrevem o caso de um homem de 45 anos de idade no qual a estimulação elétrica de um ponto específico no cérebro “induziu uma alteração dramática da experiência consciente de uma maneira altamente reprodutível”.

O paciente tinha câncer no cérebro (um glioma difuso de baixo grau no hemisfério posterior esquerdo). Durante a cirurgia para remover o tumor, Herbet e sua equipe estimularam vários pontos de seu cérebro para mapear as áreas que eram funcionalmente mais importantes. Este é um procedimento padrão que permite que os cirurgiões saibam que pontos devem tentar deixar intactos.

A maioria dos estímulos não teve muitos efeitos, porém, em um ponto particular, na massa branca por baixo do córtex cingulado posterior (CCP) esquerdo, o pulso elétrico levou o paciente a parar de responder – a “se desligar”, essencialmente – por alguns segundos. As imagens abaixo ilustram este ponto, marcado como “S1” (a pequena mancha azul), e a parte que acabou sendo retirada na cirurgia, a zona vermelha do lado esquerdo.

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Ao recuperar a consciência após a estimulação, o paciente relatou que tinha estado “em um sonho”. Três estímulos da mesma área produziram três devaneios, contam os pesquisadores. “Surpreendentemente, ele se descreveu retrospectivamente como em um sonho, fora da sala de cirurgia, e foi capaz de fugazmente relatar suas experiências subjetivas. Com a estimulação 1 ele disse: ‘Eu estava num sonho, havia um sol’; na estimulação 2: ‘Eu estava sonhando, estava na praia’, e na estimulação 3: ‘Eu estava em um sonho, cercado por uma paisagem branca'”, listam. “Nenhum lugar no espaço anatômico circundante provoca esta manifestação”.

Ainda que a visão de sóis e praias não pareça constituir o pesadelo de muita gente, o paciente disse que estes sonhos eram, na verdade, absurdamente horríveis. Segundo o relato, apenas a menção de tais eventos já era associada a uma descarga emocional muito forte, incluindo choro e tremores. “Eu não me lembro, eu não quero lembrar”, dizia o homem.

Para os estudiosos, isto significa que “perturbar a conectividade subcortical do córtex cingulado posterior esquerdo induziu de forma confiável um colapso na experiência consciente”. Isto se encaixa perfeitamente com a teoria de que o CCP – um “líder” da rede neural – é fundamental para despertar a consciência. Contudo, o estranho é que uma grande parte dele não foi apenas interrompida, mas permanentemente cortada, e isto não destruiu a consciência do paciente.

Apesar disso, o homem relatou não ter experimentado nenhum pensamento negativo por quase um mês após a cirurgia. “Ele descreveu a si mesmo em uma espécie de estado contemplativo, com uma sensação subjetiva de felicidade absoluta e de atemporalidade”, conta o estudo.

Tal situação soa quase como uma iluminação espiritual, mas só durou um mês. Depois deste período, aparentemente ele teria voltado mais ou menos à consciência normal – ainda que o pedaço do CCP não tenha voltado a fazer parte de seu cérebro.

É… O curioso relato parece levantar mais perguntas do que respostas. [Neuroskeptic]

9 comentários

  • franobre:

    Antes de acreditar no “golpe da dualidade corpo-alma” acho que, em uma outra leitura, o evento pode a ter confirmado.Vejamos:
    a) A região foi extirpada, restando um ponto. Como os neurônios do ponto conectam-se à grande região retirada, então pode não haver influência neuronal na consciência, pois o que importa nos neurônios são suas conexões, retire-as e ele não serve mais.
    b) Mesmo fora da consciência física o paciente manteve sua consciência espiritual (nos sonhos) e a preservou após o…

  • Keven Almeida:

    Muito loco isso, um sonho aleatório instantâneo?
    Achei promissor…

    • Cesar Grossmann:

      Mas parece que o sonho provocado desta forma leva a um descontrole emocional. O paciente ficou bastante abalado emocionalmente por imagens que aparentemente não tem nenhum contexto emocional.

    • Keven Almeida:

      Mas no caso, nem os médicos, muito menos o paciente esperava o resultado acidental, acredito que se fosse esperado não aconteceria isso

  • Rossana:

    Eu gosto muito da àrea da neurologia, mas confesso que não entendi o artigo (percebi que foi estimulada uma àrea do cerébro que provocou no paciente respostas anormais, tendo este passado por pesadelos, seguido de um bem-estar emocional e psiquico por cerca de 1 mês), alguém poderia ter a delicadeza de explicar-mo?

    • Cesar Grossmann:

      Consciência, no artigo, representa o “estar desperto, ciente de si mesmo e do que o cerca”. Descobriram como mandar o sujeito para o país dos sonhos instantaneamente. Ou, se pensarmos de outra forma, como mudar o estado de consciência dele.

      É mais um golpe na dualidade corpo-alma…

    • Rossana:

      Jà percebi, obrigado pela ajuda, a minha confusão foi porque o título diz: “Neurologistas acidentalmente desconectam consciência de paciente” e num artigo estava escrito “A consciência não està no cérebro”.

    • priltzer .:

      Ahaha o Cesar é céptico como eu e só apanhou o que leva a deduzir isso. O mal na notícia é que supostamente o homem nem sonhos deveria ter… O que aconteceu. Julgo, talvez erroneamente, que na altura em que ele deveria estar em ”estado vegetal” manteve alguma consciência. E se essa se encontra naquele local era impossível. O que também não quer dizer que ela esteja fora do cérebro porque foi alterada durante o processo… Um artigo destes é uma faca de dois gumes…

    • priltzer .:

      Ahaha o Cesar é céptico como eu e só apanhou o que leva a deduzir isso. O mal na notícia é que supostamente o homem nem sonhos deveria ter… O que aconteceu. Julgo, talvez erroneamente, que na altura em que ele deveria estar em ”estado vegetal” manteve alguma consciência. E se essa se encontra naquele local era impossível. O que também não quer dizer que ela esteja fora do cérebro porque foi parcialmente desligada durante o processo. Um artigo destes é uma faca de dois gumes.

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