Ícone do site HypeScience

Nós matamos os neandertais? Nova pesquisa pode finalmente responder a esta antiga pergunta

Uma reconstrução de um Neandertal tardio encontrado em El Salt, no sudeste da Espanha, sugere como poderiam ter sido os últimos representantes dessa espécie. Muitos dos últimos Neandertais possivelmente viveram na Península Ibérica, isolados em seu refúgio final. Pesquisas recentes apontam que a extinção desses nossos parentes próximos pode ter sido causada por uma mistura de fatores, como o isolamento, a endogamia e a competição com os humanos modernos. (Crédito da imagem: Fabio Fogliazza)

A extinção dos Neandertais, nossos parentes humanos mais próximos, é um quebra-cabeça que a ciência vem tentando solucionar por décadas. Um novo corpo de pesquisas começa a desvendar as muitas peças desse enigma, trazendo à tona um panorama mais complexo do que se imaginava. Esses primos antigos desapareceram há cerca de 34 mil anos, e os estudiosos especulam que a humanidade moderna possa ter desempenhado um papel decisivo nesse processo, direta ou indiretamente.

A Crônica dos Últimos Neandertais: Isolamento e Sobrevivência

Cerca de 37 mil anos atrás, os Neandertais ainda habitavam o que hoje conhecemos como o sul da Espanha. Imaginemos pequenos grupos, vivendo em uma paisagem agreste, ocupados com suas atividades cotidianas, como criar ferramentas de pedra, colecionar penas para adornos e até esculpir símbolos em rochas. A explosão de um supervulcão na Itália, os Campos Flégreos, ocorrida alguns milênios antes, devastou ecossistemas pelo Mediterrâneo, alterando drasticamente suas condições de sobrevivência. Apesar de sua resiliência, os Neandertais não perceberam que estavam entre os últimos de sua linhagem.

Entretanto, a saga do desaparecimento deles começa bem antes, em um período de dezenas de milhares de anos, quando foram ficando cada vez mais isolados. Espalhados por um território hostil, eles lutavam para manter viva uma história que já se estendia por quase meio milhão de anos em terras inóspitas da Eurásia.

O Choque de Dois Mundos: Humanos Modernos e Neandertais

O encontro entre os Neandertais e os Homo sapiens é um capítulo curioso da história humana. Essas duas espécies dividiram o cenário europeu por pelo menos 2.600 anos, e talvez até por 7.000 anos, em uma época que se mostrou particularmente difícil para os Neandertais. A sobreposição no tempo e no espaço entre as duas espécies levantou a dúvida: os humanos modernos foram os responsáveis pelo desaparecimento dos Neandertais? Isso poderia ter ocorrido de maneira direta, com conflitos e violência, ou de modo indireto, com a introdução de doenças e a disputa por recursos.

Uma reconstrução de um enterro Neandertal desenterrado no início do século 20 em Chapelle-aux-Saints, na França, revela pistas sobre a vida dessa espécie. O esqueleto encontrado no local, que apresentava uma coluna deformada, serviu como base para as primeiras representações dos Neandertais, muitas vezes retratados de forma estereotipada como “brutamontes curvados”. (Crédito da imagem: DEA / A. DAGLI ORTI/De Agostini via Getty Images)

Em alguns lugares, os Homo sapiens chegaram a territórios onde os Neandertais já não existiam, enquanto em outros, há indícios de que os dois grupos coexistiram. Esse convívio inclui até mesmo a troca de genes, como revelado pela análise do genoma Neandertal em 2010. Isso significa que, em algum momento, houve não apenas troca de territórios, mas também de DNA, o que faz com que hoje todos nós carreguemos um pouco desse antigo legado em nossos genes.

A Tempestade Genética: Inbreeding e o Fardo das Mutações

Os Neandertais, apesar de sua resistência, enfrentavam desafios internos que enfraqueceram sua linha genética. Estudos mostram que suas comunidades eram pequenas, muitas vezes com menos de 20 adultos. Esse isolamento forçava o acasalamento entre parentes próximos, gerando uma diversidade genética limitada, um conceito conhecido como baixa heterozigosidade. O resultado foi um acúmulo de mutações prejudiciais, que dificultavam a sobrevivência de seus descendentes. Como um jardim que se fecha sobre si mesmo, eles acabaram sufocados por sua própria falta de diversidade.

A fragilidade genética dos Neandertais significava que até mesmo uma pequena queda na taxa de sobrevivência infantil — algo como uma diminuição de 1,5% — poderia levar à extinção de um grupo em poucos milênios. E, enquanto suas comunidades diminuíam, as de Homo sapiens se expandiam como fogos de artifício pela Europa.

Tecnologia e Cultura: A Vantagem Humana

Os Neandertais, por mais engenhosos que fossem, enfrentaram dificuldades em acompanhar o ritmo tecnológico dos Homo sapiens. Embora eles tenham criado ferramentas complexas, não há evidências claras de que tenham desenvolvido armas de longo alcance, como os projéteis dos humanos modernos. Imagine uma partida de caça em que os Homo sapiens tivessem arcos e flechas e os Neandertais apenas lanças. A diferença no resultado seria inevitável.

Arqueólogos já acreditaram que guerras ou conflitos entre humanos modernos e Neandertais poderiam ter sido responsáveis pela extinção dos nossos parentes mais próximos. De fato, há indícios de que os Neandertais sofreram violência física. Um exemplo é um crânio encontrado em St. Césaire, na França, que apresenta uma fratura provocada por um objeto cortante. No entanto, não há provas de que essa lesão foi causada por humanos modernos, ou sequer de que ambos habitavam a mesma caverna. (Crédito da imagem: Raphael GAILLARDE/Gamma-Rapho via Getty Images)

Além disso, os Neandertais viviam em pequenos grupos isolados, o que limitava a troca de ideias. Em contrapartida, as comunidades humanas maiores tinham uma espécie de “rede social pré-histórica” que permitia o compartilhamento de novas invenções e inovações. A transmissão cultural e o aprendizado coletivo deram aos Homo sapiens uma vantagem significativa na luta pela sobrevivência.

As Últimas Pistas: Violência ou Integração?

Os arqueólogos, ao analisar restos de Neandertais, encontram sinais de violência. Um crânio com uma fratura em St. Césaire, na França, sugere que o indivíduo sofreu um golpe com um objeto cortante. Em outro caso, uma costela de um Neandertal na Caverna de Shanidar, no Iraque, mostra uma lesão parcialmente cicatrizada, causada por um golpe. Contudo, não há como provar que esses ferimentos foram infligidos por humanos modernos.

Se a violência teve algum papel, ele pode ter sido um detalhe menor em uma história maior e mais sutil. Os Homo sapiens poderiam ter trazido novas doenças para as quais os Neandertais não tinham imunidade. Pesquisas recentes mostram que nós herdamos dos Neandertais genes que influenciam nossa resposta imunológica, incluindo vulnerabilidades a certas condições, como lúpus e doenças autoimunes.

Neurons (shown in yellow) in Neanderthal-inspired brain organoids, or 3D, self-sustaining brain tissue in a dish, fire more chaotically and develop fewer interconnections than do modern human “mini-brains.” This may have made Neanderthals less nimble thinkers. This, in turn, may have meant they were less skilled hunters and foragers than modern humans were. (Image credit: Alysson Muotri Lab/UCSD)

O Enigma da Integração: Desaparecimento ou Absorção?

Uma teoria intrigante sugere que os Neandertais podem não ter sido simplesmente extintos, mas sim assimilados lentamente por populações de Homo sapiens. Ao longo de milhares de anos, a convivência teria levado a um gradual “derretimento” das fronteiras genéticas entre as espécies, fazendo com que os Neandertais desaparecessem como um riacho que se funde a um rio maior. No entanto, essa hipótese carece de evidências claras de uma convivência cotidiana.

Ainda assim, a ideia de que Homo sapiens e Neandertais compartilharam genes faz pensar que, talvez, um pouco dos Neandertais ainda corra nas veias de todos nós. Afinal, ao olhar para o espelho, quem sabe, há um pouco do passado Neandertal refletindo em nossos traços.

A Cueva Antón, localizada no sudeste da Espanha, possivelmente foi um dos últimos abrigos dos Neandertais. Descobertas no sítio incluem conchas ornamentadas com pigmentos alaranjados de goethita e hematita, datadas de aproximadamente 36.600 anos. Pesquisadores sugerem que essas conchas pintadas atuavam como identificadores de grupos dentro das comunidades Neandertais, influenciando quem podia acessar determinados recursos. (Crédito da imagem: João Zilhão e colegas)

Sobrevivência, Evolução e o Legado dos Neandertais

A saga dos Neandertais nos lembra que a sobrevivência da vida na Terra é uma história de adaptação e resistência, mas também de encontros e desencontros. Eles atravessaram eras glaciais e sobreviveram em ambientes que nós hoje consideraríamos inóspitos. Quando chegaram ao fim, foi menos por uma catástrofe repentina e mais por uma longa série de pequenas tragédias: um vulcão que abalou o ecossistema, a dificuldade de lidar com mutações, e a chegada de Homo sapiens, que trouxeram novas formas de viver e competir.

Por mais que tentemos recriar o fim dessa história com teorias e evidências, sempre haverá um mistério pairando sobre os últimos momentos dos Neandertais. Talvez, a resposta final esteja enterrada em algum sítio arqueológico ainda por descobrir. E enquanto não encontrarmos um Neandertal e um humano moderno abraçados, congelados no tempo, a história deles continuará aberta à interpretação. [Live Science]

Sair da versão mobile