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As implicações da descoberta do século: ondas gravitacionais do Big Bang e a existência do multiverso

Depois do anúncio, no dia 17, da descoberta dos sinais das ondas gravitacionais que sacudiram o espaço nos primeiros instantes do nosso Universo, o mundo da cosmologia entrou em polvorosa.

E não é para menos, a descoberta que tem sido anunciada como a descoberta do século, como a provável razão para um Prêmio Nobel, chegou para fortalecer uma hipótese, e derrubar, definitivamente, várias outras.

O que foi descoberto?

Para entender o que foi descoberto, primeiro é preciso ver o que temos hoje, e o que diz a teoria. Basicamente, o universo é bastante homogêneo, pelo menos em grandes escalas: se olharmos o grande cenário do universo, não há acúmulos de matéria e energia em grumos.

Mas quando olhamos para o passado, para a radiação cósmica de fundo, o Universo não é homogêneo, mas existem grumos de matéria e energia. Como foi que isto aconteceu? Como foi que as irregularidades na distribuição da matéria e energia foram suavizadas?

A resposta é a inflação. Em 1979 o professor Alan Guth propôs que o universo passou por um período de rápida expansão. Quer dizer, rápida é pouco, foi uma expansão mais rápida que a velocidade da luz!

Em menos de um segundo (mais ou menos em 0,00000000000000000000000000000000001 segundo), o momento mais remoto na história do Big Bang, o Universo passou de minúsculo para gigantesco. Ou, como conta o astrônomo Phil Plait, o Universo ficou 10 trilhões de trilhões de trilhões de trilhões de vezes maior nesta fração de tempo, algo como 50 ordens de magnitude maior.

Depois — ainda não sabemos por que — a inflação parou, e toda energia que estava causando a mesma se transformou em matéria e radiação, e começa a história do Big Bang Quente. A radiação cósmica de fundo é produzida quando o universo tem cerca de 400 mil anos. Seguem-se 380 milhões de anos de escuridão, e então o universo fica transparente, e é então que a radiação cósmica de fundo é finalmente liberada.

A inflação resolveria o problema da homogeneidade (ou isotropia) do universo, e também da sua forma — se o universo é aberto, fechado, ou se ele é plano, no limite entre o aberto e o fechado. Além disso, outras relíquias do tempo de Planck seriam destruídas pela inflação. Também explicaria por que o universo não “caiu sobre si mesmo” logo após os primeiros instantes, pressionado pela própria gravidade.

Mas como provar que aconteceu a inflação? O professor Andrei Dmitriyevich Linde, co-autor da hipótese da inflação, chegou à conclusão que a inflação seria acompanhada de ondas gravitacionais primordiais, que por sua vez deixariam marcas na polarização dos fótons da radiação cósmica de fundo.

A marca desta polarização apareceria no que é chamado de B mode. Outros fenômenos, como as lentes gravitacionais, também alteram a polarização, mas no chamado E mode.

Entra em cena o BICEP2

Durante dois anos, entre 2010 e 2012, uma equipe multinacional, liderada por cientistas americanos, fizeram uso de um laboratório astronômico na Antártida, o BICEP2, ou Background Imaging of Cosmic Extragalactic Polarization 2 (algo como “imagem de fundo da polarização cósmica extragaláctica”).

O que a equipe fez durante este tempo foram imagens da polarização da radiação cósmica de fundo, em busca de uma marca, um sinal deixado nestes fótons pela inflação, tudo de acordo com a hipótese da inflação.

Basicamente, a polarização da luz vem de um jeito quando ela é emitida, mas se ela passar por ondas gravitacionais, que comprimem e esticam o espaço, esta polarização seria alterada em um jeito específico, chamado polarização B mode.

Encontrando os sinais da polarização do tipo B mode, os cientistas também encontrariam o sinal certo, exato, inequívoco de que houve uma inflação, por que a presença de ondas gravitacionais só é prevista pelos modelos cosmológicos que incorporam a inflação. Até então a inflação era uma hipótese boa, explicava muita coisa, mas não tinha evidências indiretas.

Mas não bastava encontrar a polarização. Depois de encontrar o sinal, os cientistas tinham que eliminar outras explicações para esta polarização. Eles tinham que demonstrar que não se tratava do resultado da interação com poeira interestelar, ou o efeito de lentes gravitacionais, entre outras causas possíveis de polarização B mode.

Multiverso e inflação

Uma das consequências da hipótese da inflação são os multiversos. À medida que o universo expande em velocidade cada vez maior, pedaços dele vão se afastando e ficam tão distantes umas das outras que perdem qualquer contato umas com as outras.

Neste ponto, estes pedaços são universos à parte, tudo que acontece dentro dele é resultado da matéria e energia isolados nele. Não há mais troca de matéria ou energia com outros universos-ilha.

Confirmada a descoberta do BICEP2, a implicação dos multiversos se torna bastante forte. Mas como saber se temos múltiplos universos boiando por aí? Ninguém sabe, mas a partir da confirmação do modelo inflacionário, um dos caminhos para a pesquisa teórica é justamente estudar e entender como funciona o multiverso.

Talvez em vinte anos tenhamos mais um anúncio digno de outro Nobel, desta vez das primeiras evidências dos multiversos.

Gravidade quântica e grávitons

Outra consequência da confirmação da hipótese inflacionária é que o modelo quântico da gravidade é indiretamente confirmado. Se a gravidade for sujeita à mecânica quântica, então o modelo inflacionário previa que seriam produzidas flutuações quânticas na gravidade, que se manifestariam como ondas gravitacionais.

Assim como os fótons são a flutuação quântica do campo eletromagnético, os grávitons são a flutuação quântica do campo escalar gravitacional.

Entre outros efeitos, a descoberta aumenta a esperança de unificar a teoria da relatividade, base da hipótese inflacionária, com a mecânica quântica, que explica as ondas gravitacionais.

Modelo refutado

Confirmando-se a inflação, alguns modelos que também tentam explicar a homogeneidade do Universo, a partir de um Big Bang, tem que ser abandonados. Entre os modelos que serão abandonados está o modelo de Neil Turok, que fala que o universo passou por uma série de Big Crunch seguidos de Big Bangs (Big Bounce), o chamado modelo do universo cíclico.

O motivo é simples, conforme aponta o professor Stephen Hawking, “a teoria do universo cíclico prevê que não haveriam ondas gravitacionais no universo primordial”. Ele até fez uma aposta com Turok, de que as ondas gravitacionais no universo primordial existiam, e agora vai pegar o prêmio.

Por enquanto o professor Turok não admite a derrota, e pede por mais confirmações, que provavelmente ocorrerão em outubro, quando o satélite Planck irá publicar seus próprios dados sobre a polarização da radiação cósmica de fundo.

O Professor Linde recebe a notícia

No vídeo acima, o professor Linde é visitado pelo físico Chao-Lin Kuo, um membro da equipe que fez a descoberta, para contar para ele que eles tem 5σ (descoberta, percebe a professora Renata Kallosh, esposa de Linde e também uma física de Stanford).

O professor conta que eles acharam que era uma encomenda, até que ele se deu conta que era algo que ele estava esperando fazia 30 anos. A princípio ele fica um pouco cético, e mesmo agora ainda prefere esperar pela confirmação dos dados por outros telescópios, principalmente o telescópio Planck.

Como o professor aponta, esta descoberta nos deixa milhões de bilhões de bilhões de vezes mais próximos do Big Bang que qualquer outra observação já nos havia deixado, praticamente nas portas do tempo de Planck, praticamente de cara com o Big Bang. [Popular Science, Gizmodo, Bad Astronomy, Sky&Telescope, The Guardian, Preposterous Universe (2), Gizmag, NewScientist]

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