O sabor não é bem o que você pensa. Todas as crianças aprendem na escola que o paladar é um dos cinco sentidos, parceiro do olfato, do tato, da visão e da audição. Uma consequência do encontro entre os alimentos e as papilas gustativas, que enviam sinais importantes – doce ou amargo, nutriente ou veneno? – para o cérebro. Se ao menos fosse assim tão simples.
O alimento é uma parte primordial em nossas vidas, mas nem por isso deixa de ser uma questão rica em mistérios.
Na última década, o nosso entendimento sobre gostos e sabores foi abalado pelas revelações das inúmeras e complexas formas como os alimentos mexem com a nossa consciência e de todas as maneiras que nossos preconceitos filtram nossas experiências de sabor. “Delícia” é um valor tanto arraigado quanto aprendido, e ao mesmo tempo é pessoal e universal. Trata-se de um produto de todos os cinco sentidos (incluída a audição) que interagem de formas inesperadas. Esses sinais sensoriais estão sujeitos à revisão desse amontoado de tecido nervoso que chamamos de cérebro.
Vamos começar pelo começo: os alimentos entram em sua boca, seus dentes os mastigam e os nutrientes começam a ser quebrados por enzimas na sua saliva. A comida logo entra em contato com suas papilas, os poucos milhares de irregularidades geográficas da sua língua. Cada papila, cuja estrutura lembra a de uma cebola, possui de 50 a 100 células gustativas. Estas células têm receptores químicos em sintonia com os cinco gostos básicos: amargo, doce, azedo, salgado e umami (palavra emprestada do japonês que descreve o sabor salgado e temperado da carne assada ou do molho de soja).
Estes cinco sabores são suficientes para nos ajudar a determinar se aquilo que acabamos de colocar em nossa boca deve continuar seu caminho dentre de nosso organismo ou não: se o alimento é doce ou salgado e, portanto, uma provável fonte de nutrientes, ou se é amargo e potencialmente venenoso. No entanto, este número limitado de gostos não chega nem perto de representar a complexidade dos sabores que sentimos.
Para isso, nos voltamos para o nariz. Enquanto você leva um pedaço de comida à boca, um pouco de ar é forçado para as passagens na parte de trás dela, onde os receptores de cheiro na cavidade nasal detectam milhares de produtos químicos voláteis que se somam a sabores complexos.
Este olfato retronasal, como é chamado, não tem quase nada a ver, fisiologicamente, com o ato de cheirar o seu alimento. Seu cérebro sabe de onde os sinais de cheiro estão vindo – por meio de suas narinas ou de sua boca. E, no caso deste último, o órgão junta estes sinais aos das papilas gustativas. O olfato retronasal produz um sentido, nem cheiro nem gosto sozinhos, mas um híbrido que chamamos de sabor. É um processo de transformação irreversível, como transformar combustível e oxigênio em chamas.
Nosso sentido do paladar não termina na boca. Nos últimos anos, os cientistas descobriram receptores gustativos por todo o corpo, que ajudaram a resolver alguns mistérios de longa data. Durante 50 anos, os cientistas vinham tentando descobrir por que comer glicose produz uma liberação muito mais acentuada de insulina no organismo do que injetar a mesma quantidade de glicose diretamente na corrente sanguínea. Em 2007, eles descobriram que as células que revestem o intestino delgado também contêm receptores gustativos. Quando esses sensores intestinais detectam o açúcar, eles criam um efeito cascata de hormônios que finalmente termina com um esguicho de insulina extra para a corrente sanguínea.
Entretanto, o nosso senso de gosto não se limita apenas ao intestino. Seu nariz, por exemplo, é revestido de células que identificam substâncias químicas amargas. Se há veneno no ar, eles reflexivamente o impedem de puxá-lo para dentro dos seus pulmões. Se o veneno consegue chegar à garganta, detectores amargos acionam os cílios da traqueia para que ajudem a limpar as vias respiratórias.
Esta fisiologia pode explicar o que entendemos por sabor, mas a anatomia não nos auxilia muito a entender do que nós gostamos. Nossas preferências de sabor tomam forma ao longo da vida, a começar pela fase enquanto ainda estamos no útero. Os bebês cujas mães consomem alho durante a gravidez são mais propensos a desfrutar do sabor de alho no leite materno. As mulheres grávidas que bebem suco de cenoura têm mais chances de dar à luz filhos que gostam de cenoura. A justificativa evolutiva é bastante simples: se a mãe comeu, é seguro.
Na verdade, nós usamos os nossos amigos e entes queridos da mesma forma que os monarcas medievais utilizavam os provadores de comida: nós os deixamos experimentar um alimento primeiro, e então vamos checar se eles estão bem 20 minutos depois.
O princípio é válido até o fim da cadeia alimentar. Ratos odeiam o gosto do cacau, mas recentemente alguns cientistas separararam um rato de seu grupo e o persuadiram a comer um pouco de cacau. O rato, na sequência, foi devolvido ao convívio com seus semelhantes. Quando os outros ratos sentiram o cheiro de cacau de seu hálito, mudaram suas mentes e de repente passaram a adorar cacau.
As crianças humanas são mais difíceis de convencer. De acordo com algumas pesquisas, elas precisam experimentar um alimento desconhecido cerca de nove vezes, em média, antes de começar a gostar do sabor. Como qualquer pai irá atestar, muito do gosto de seus filhos, mesmo que já sejam adultos, vêm de quão boa foi a propaganda de mamãe e papai sobre esses alimentos durante a infância dos pequenos. Além disso, o mesmo vale para os adultos, como décadas de campanhas de marketing de alimentos cada vez mais sofisticadas têm demonstrado.
O ambiente dá muitas pistas sobre o sabor que os alimentos devem ter. Em um experimento, pesquisadores conectaram a língua dos voluntários a um dispositivo elétrico de baixa tensão e mostraram-lhes fotografias de alimentos. Em seguida, enviaram um leve choque por meio de suas papilas gustativas, numa sensação não muito diferente de lamber uma bateria.
O choque tinha o objetivo de conferir um sabor neutro. Questionados mais tarde para avaliar quão prazerosos os choques foram, os voluntários que viram fotos de alimentos doces ou gordurosos avaliaram o estímulo como muito mais agradável do que aqueles que viram um alimento de baixa caloria.
Os elementos visuais e auditivos envolvidos no processo chegaram a parecer cômicos. Batatas fritas passaram a ter um gosto mais crocante, se as pessoas a comiam enquanto usavam fones de ouvido. Vinho branco com uma gota de corante alimentício vermelho possuíam o gosto de vinho tinto, até mesmo para experientes provadores de vinho. As pessoas comiam menos se o prato tivesse a cor vermelha. Um bloco de queijo com bordas afiadas parecia ter um sabor mais penetrante do que um com cantos arredondados.
Ou seja, nem tudo vem de nossa boca, ou da parte de trás do nosso nariz, ou das células gustativas em nosso intestino. A sensação de um sabor delicioso vem de nossa mãe, nossa infância, do lugar onde estamos comendo, dos pratos em que estão os alimentos, dos amigos com quem estamos fazendo a refeição. É algo na mesma medida químico e mental. [Scientific American]