Por quem os sinos dobram?
Fui convidado recentemente a proferir uma palestra na Escola Municipal Prefeito Omar Sabbag, aqui em Curitiba, como parte do Programa Comunidade Escola.
O principal objetivo do evento foi de efetuar essa aproximação entre professores e escritores, com foco na implantação de Oficinas de Criação Literária, sempre com o intuito de incentivar o despertar do talento literário bem como o do destacar a importância do voluntariado.
Foi com muita alegria que aceitei o gentil convite da coordenadora de área do Programa na Regional, a educadora Raquel Mello.
Fiquei muito feliz em participar da atividade mesmo realizando-se numa fria noite de sexta-feira.
E também fiquei muito honrado de compartilhar a tribuna com o escritor brasileiro Engelbert Schlögel cujo belíssimo trabalho de incentivo ao voluntariado é notadamente inspirador.
Tema principal desse artigo.
Usando as palavras de Engelbert posso traduzir o evento:
“Os educadores têm em suas mãos a chance de trabalhar desde cedo com a ideia e a importância do voluntariado”.
Doutor em Estudos Transdisciplinares em Filosofia, Sociologia e Mundialização, pela Universidade de Coimbra, mestre em Educação e graduado em Letras Português-Inglês, ambos pela PUCPR, Engelbert identificou sua vida em suas ações no voluntariado.
Laureado com diversos prêmios, tais como Prêmio Paraná de Educação, Prêmio Pinheiro do Paraná e Prêmio Montemor-O-Velho e Prêmio Marcelino Champagnat, tem se dedicado às atividades literárias e educacionais, sempre tendo como objetivo principal o de despertar a participação do voluntariado no Brasil.
Por esta razão se dispõe a ministrar palestras e conferências em programas de formação continuada de professores e principalmente atividades de leitura destinadas em especial aos estudantes do ensino fundamental e ao público infanto-juvenil, em geral.
Em seu livro “Uma elefanta e um homem em Chitwan, no Nepal” (Base Editorial, 2012) ele relata sua jornada num berçário de elefantes, onde cuidou por algum tempo da elefanta Lumna desde o entendimento de suas necessidades vitais até o enfrentamento das adversidades da vida na selva.
Sem ser panfletário o escritor Engelbert, pontua que esse tempo que passou no Parque Nacional de Chitwan foi pleno de significados, principalmente ao apreender a importância de se cultuar o respeito pela vida em suas mais diversas formas de manifestação.
O Parque Nacional de Chitwan fica no Reino do Nepal, a Sudoeste da capital Katmandu, ao longo de sua linha de fronteira com a Índia e é um dos últimos redutos de selva asiática para animais ameaçados de extinção – tais como urso indiano e o tigre de Bengala, e é infelizmente o último para o rinoceronte.
Em seu projeto de conservação, integrado ao Patrimônio Mundial da Humanidade, o parque , além de incluir orfanatos para elefantes, também inclui centros de criação de crocodilos palustres para tentar afastar por vez o fantasma da extinção desses e de outros patrimônios biológicos.
Depois de prestar serviços voluntários em diversas localidades, tanto no Brasil quanto no exterior (tais como Nepal, Índia, Bangladesh, Quênia, Polônia, só para citar alguns) o professor Engelbert reconheceu o amadurecimento de sua ideia do que seria o voluntariado e assim pôde definir, com maior nitidez, o seu sentimento acerca do sofrimento, tanto da humanidade quanto da natureza.
Assim ele reitera:
“Hoje compreendo que voluntariar é permitir-se abrir os olhos e deixar que o coração perceba quanta diferença podemos fazer neste mundo!”
Ele que não apenas falou, mas que também materializou sua ação com vários exemplos.
Um dos mais pungentes:
O professor Engelbert vendeu todos os seus bens para construir, com esses recursos, um poço artesiano que resolvesse de vez o problema da sede e da miséria que assolava comunidades carentes abaixo do limite da extrema pobreza.
Eu me perguntei se eu seria capaz de fazer isso?
Em sua voz:
“Se cada um pudesse abrir mão de um pouquinho do muito que têm talvez as grandes questões viscerais que impactam a humanidade, e em consequência a natureza, tivessem outro encaminhamento”.
Enfim:
Como eu disse no início desse artigo, foi uma honra conhecer pessoalmente esse notável brasileiro que tornou concreto para mim o que é realmente estender a mão àquele que precisa.
Não simplesmente repetindo o assistencialismo politiqueiro, que tende a perpetuar os contrastes à medida que incute a acomodação e incentiva a inércia, mas aquela ajuda justa de quem ensina a pensar. De quem é capaz de acender no coração do outro a tênue chama de esperança – principalmente no coração daqueles que já perderam tudo.
Essa noite de sexta-feira, cercado por educadores, que em sua prática diária não medem esforços em prodigalizar o bem ao semelhante, em sua forma mais inteligente – que é a de ensinar – fez com eu sentisse, pela primeira vez em muitos anos, orgulho de ser brasileiro.
Quando o escritor e professor Engel encerrou sua palestra com a frase que, ao meu ver, traduziu a essência do voluntariado:
“A dor existente na vida do outro é também minha.”
Recordei de imediato da verdade eterna impressa no poema de John Donne:
“A morte de cada homem nos diminui, porque somos parte da humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
-o-
[FOTO 1 – Church bell – de Paula Mc Cabbe ]
[ FOTOS 2 E 3 – do acervo dos autores]
Post-Scriptum
Aos muitos leitores que, por e-mail, têm me solicitado o texto completo do poema de John Donne, cuja célebre citação intitula o presente artigo, ei-lo no original e logo a seguir ouso uma singela tradução de minha autoria, que poderia ser aperfeiçoada pelos meus queridos leitores.
“No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main.
If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if promontory were, as well as if a manor of thy friend’s or of thine own were. Any man’s death diminishes me, because I am involved in mankind; and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee”.
“Nenhum homem é uma ilha, plena em si mesmo; cada homem é uma parte do continente, uma parte do todo.
Se um seixo for levado pelo mar, a Europa é diminuída, como se perdesse um promontório, ou uma parte de teus amigos ou mesmo uma parte de ti mesmo.
A morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.
-o-
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LEIA SOBRE O LIVRO A COR DA TEMPESTADE do autor deste artigo
À VENDA NAS LIVRARIAS CURITIBA E ARTE & LETRA
Navegando entre a literatura fantástica e a ficção especulativa Mustafá Ali Kanso, nesse seu novo livro “A Cor da Tempestade” premia o leitor com contos vigorosos onde o elemento de suspense e os finais surpreendentes concorrem com a linguagem poética repleta de lirismo que, ao mesmo tempo que encanta, comove.
Seus contos “Herdeiros dos Ventos” e “Uma carta para Guinevere” foram, em 2010, tópicos de abordagem literária do tema “Love and its Disorders” no “4th International Congress of Fundamental Psychopathology.”
Foi premiado com o primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos da Scarium Megazine (Rio de Janeiro, 2004) pelo conto Propriedade Intelectual e com o sexto lugar pelo conto Singularis Verita.