Marte pode estar nos ensinando uma lição importante: nem sempre as coisas estão aonde normalmente deveriam estar.
Os cientistas afirmam que a principal razão para explorar o planeta é determinar se já houve vida lá. Há séculos os astrônomos vasculham o planeta, diretamente (a missão Viking) e indiretamente (todas as outras missões à Marte), sem sorte até agora.
Eis que podemos simplesmente estar procurando nos lugares errados. Hoje, a superfície de Marte é extremamente fria e seca. A radiação cósmica e solar não é impedida pela atmosfera fina e atinge a superfície, e o solo contém oxidantes fortes que destroem compostos orgânicos. Vida mais impossível impossível. Mas não foi sempre assim.
No início de sua história, Marte era mais quente e úmido o suficiente para o desenvolvimento de rios, lagos e oceanos. A atmosfera era mais espessa e havia um campo magnético protetor. A vida teria sido possível no passado. É por isso que as missões futuras procurarão sedimentos antigos, na esperança de encontrar evidências fósseis de vida.
Falar é fácil. Na prática, a história é outra. Para chegar aonde queremos, temos primeiro que encontrar um local promissor para a vida – a partir de uma reconstrução da história marciana. Nós precisamos descobrir se havia água corrente, o tempo e a extensão dessa água, que tipo de minerais foram formados, e se as condições geoquímicas são compatíveis com a vida.
Depois que os locais promissores forem identificados, precisamos descobrir se existem processos físicos ou químicos que poderiam ter destruído evidências fossilizadas e, finalmente, buscar essas evidências.
Isso torna a pesquisa extremamente sofisticada e cara. A NASA pretende lançar este ano um laboratório para estudar tudo isso. Com ele, vem o robô mais avançado já enviado a qualquer planeta. Por volta de 2018, uma missão conjunta da NASA e da Agência Espacial Européia vai enviar duas sondas para a superfície de Marte, que devem retornar além de 2020. O seu valor científico será enorme, mas pode engolir o orçamento da NASA para a década.
Sendo assim, seria essa uma boa estratégia? Talvez não.
Se tomarmos a Terra como exemplo, vemos que a vida é possível nos lugares mais impossíveis. O deserto do Atacama, no Chile, e os vales secos da Antártica parecem sem vida, mas não são. O Atacama é o deserto mais seco do planeta, com apenas um chuvisco ocasional a cada 10 anos ou mais. Os vales secos da Antártica são os mais frios desertos da Terra. A maioria da água está congelada no solo, e a pouca neve que cai sublima antes de derreter. Em ambos os lugares a água líquida, ingrediente chave para a vida, é extremamente rara.
Estes desertos são as analogias mais próximas que temos para a superfície marciana, e nos permitem estudar o que acontece com a vida quando os ambientes são mais secos e mais frios.
Por exemplo, a vida busca refúgio em nichos onde a água líquida ainda pode se formar, mesmo que apenas por um tempo curto de vez em quando. Isso ocorre em dois substratos: sais e gelo.
Sais absorvem vapor de água da atmosfera e formam soluções líquidas a baixa umidade relativa do ar, fenômeno chamado de liquefação. Quando o gelo fica em contato com partículas de sedimento, ele derrete e forma de filmes finos de água líquida que são estáveis, mesmo em temperaturas muito abaixo de zero.
Em outras palavras, sais e gelo expandem a janela de condições físicas em que a água líquida é estável, mesmo quando o ambiente torna-se geralmente inabitável. No Atacama, onde a maior parte da água está na atmosfera, a vida é encontrado dentro de rochas de sal, enquanto que nos vales secos da Antártica é encontrada na interface entre o gelo ou neve e sedimentos.
Não só o sal e o gelo podem permitir a vida, como também são excelentes substratos para a preservação da vida. Antigos depósitos de sal e gelo na Terra contêm compostos orgânicos, biomoléculas complexas e até mesmo células inteiras que foram preservados por milhões de anos.
As boas notícias continuam: há ambientes salgados e de gelo em Marte. Grandes depósitos de sais são comuns no hemisfério sul, e o calote polar norte contém espessas camadas de sedimentos e gelo. Se alguma vez houve vida em Marte, esses são os nichos onde ela poderia ter existido, e onde a vida fóssil seria melhor preservada.
Mais do que boas notícias: uma verificação nesses locais poderia ser feita com pequenas missões de baixo custo. O que será que os cientistas estão esperando? [NewScientist]