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Psicólogos encontram no RPG ferramenta para motivar adolescentes e jovens

Muitos pais brasileiros têm um desafio em comum: seus filhos adolescentes não querem largar os eletrônicos e quase não interagem com outras pessoas da mesma idade fora do mundo virtual.

“A gente está numa cultura mais isolante. As pessoas estão mais ativas no mundo virtual mas mais solitárias no mundo real, não tem mais essa coisa de brincar na rua, e isso é muito forte em São Paulo. Surgem essas questões sociais quando eles passam pela adolescência: faltam amigos”, aponta o psicólogo Germano Henning, que desenvolveu com o psicólogo Túlio Andrade um método diferente de terapia em grupo, utilizando RPG (Role-playing Game) e, que hoje, junto com Miguel Bunge, foi criado o Grupo D20, na cidade de São Paulo.

Germano costuma receber muitos encaminhamentos de escolas e psiquiatras para ajudar no desenvolvimento de habilidades sociais de crianças e jovens, e ele encontrou uma forma muito divertida de trabalhar essa competência: por meio dos RPG, jogos de interpretação de papéis que envolvem a fantasia épica. Ou seja, muitos dragões, espadas mágicas, bolas de fogo, monstros e animais em histórias de aventura.

Enquanto a terapia de grupo tradicional costuma acomodar cerca de 15 pessoas, a terapia em grupo com RPG precisa de menos gente para a dinâmica funcionar de forma eficaz. “O mínimo é de três participantes e o máximo é de oito”, conta Germano. Em sua clínica, dois terapeutas e mais um estagiário guiam os jogos para criar cenários personalizados com base nas dificuldades pessoais de cada jogador.

Um aluno que costuma procrastinar para fazer trabalhos escolares, por exemplo, ganha pontos para fazer seu personagem do RPG evoluir se conseguir completar a tarefa antes do prazo final. “Se ele fizer quatro semanas antes do prazo, ganha 4 mil pontos, enquanto se fizer três semanas antes, ganha 3 mil pontos, e assim por diante”, conta o terapeuta. “O menino fez o trabalho um mês antes do prazo. A mãe dele até ligou para saber o que estava acontecendo”, lembra ele entre risos.

Outro caso em que o jogo ajudou a motivar o jogador fora do consultório foi o de um menino pequeno que brigou com uma colega de escola. Na mesma época, ele queria conquistar uma espada mágica para seu personagem, mas para fazer isso ele precisava ser legal com a colega e ela precisava escrever uma carta confirmando a mudança. “A gente tem que ser criativo, a maior demanda é criar as coisas muito rápido, na hora da terapia”, diz Germano.

Entre outros desafios que rendem pontos no jogo estão tomar remédio no horário correto, ir aos exames médicos, ter bom relacionamento com os colegas da escola, com irmãos e com os pais.

Com as recompensas imaginárias no jogo, os participantes encontram motivação para melhorar em alguns aspectos da vida escolar ou familiar. “Eles ficam extremamente motivados. Alguns têm dificuldade, mas a grande parte dos meninos cobra dos pais para marcar um ‘x’ na folha de atividades que enviamos para casa”.

Meninas também adoram RPG


Apesar do estereótipo que apenas meninos adolescentes gostam desse tipo de jogo, o RPG também faz sucesso entre as meninas. O Grupo D20 conta com um grupo misto e com um grupo exclusivo de meninas. “A gente não viu diferença de adesão. A gente achou que as meninas não iam gostar, mas elas gostaram, adoraram”, relata o terapeuta.

Há também um grupo de jovens adultos, de até vinte anos de idade, mas os participantes mais velhos têm maior dificuldade em participar com boa frequência por conta dos compromissos da faculdade e do trabalho. Os adolescentes frequentam os encontros quinzenais com mais assiduidade e acabam criando fortes laços de amizade com os outros participantes.

Amizade além da terapia

O Grupo D20 começou como um projeto para ajudar adolescentes dependentes de jogos eletrônicos a diminuírem o tempo na frente das telas. O resultado, porém, surpreendeu seus criadores, Germano e Túlio. “A gente percebeu que o ganho sempre foi social. Os participantes começam a ver o outro menino como amigo. Eles vão aos aniversários uns dos outros, saem juntos, vão na casa um do outro. Até os pais que costumam aguardar pelos filhos na sala de espera marcaram uma noite de sopas outro dia”, descreve Germano.

Essa proximidade entre os jogadores surge em um ambiente livre de bullying e que tem como regra de ouro a aceitação das características dos outros. Nem sempre este tipo de ambiente é possível em um lugar com grande número de adolescentes, como na sala de aula. “A gente evita o bullying que aconteceria na escola e na vida real, e eles aceitam uns aos outros. Eles também ouvem aos outros. Vamos supor que um menino seja muito agitado, mexa muito as mãos. O outro dá dicas de como se acalmar”, conta ele.

Grupo unido na caça aos pokémons

A partir desse vínculo formado na terapia, o grupo mais velho do RPG passou a se encontrar espontaneamente depois das sessões. Nesse momento, os psicólogos viram a necessidade de criar um grupo diferente que pudesse incluir questões sociais fora do consultório, mas sempre utilizando o vínculo dos grupos para garantir as relações em ambientes externos.

Com o lançamento do Pokémon Go, o D20 criou os grupos de saída com o objetivo de garantir a socialização fora do consultório.

Logo, em São Paulo, surgiram alguns grupos terapêuticos que adotaram as mesmas estratégias de saídas com grupos de meninos e meninas em parques, shoppings, aniversários e outros ambientes públicos. “Acredita-se que todos os pais e clientes demandam a mesma necessidade: vivência com pares fora do mundo virtual com foco na socialização, troca de experiências, brincar no mundo real, etc”, analisa Germano.

Indicação

Este tipo de terapia não depende de diagnóstico. Enquanto há participantes com ansiedade e dificuldade de concentração na escola, há também jovens com Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno do Espectro Autista. “Não é separado por diagnóstico”, diz o terapeuta.

Uso de RPG em terapia de grupo deve aumentar

Embora este tipo de terapia em grupo tenha aumentado ultimamente nos Estados Unidos – são seis grupos de terapeutas diferentes espalhados no país inteiro –, nem todos utilizam a mesma linha de psicoterapia. “Lá fora tem sido mais ligado ao cognitivismo, o foco parece ser outro. O nosso grupo não foi baseado em outros no Brasil ou fora dele, ele tem base na Análise do Comportamento”, explica Germano.

Os Grupo D20 estão crescendo rapidamente em poucos anos de atividade, e já contam com 11 grupos que se reúnem em diferentes consultórios da cidade de São Paulo. Por enquanto este parece ser o único grupo no Brasil de terapeutas especializados em terapia de grupo com RPG, mas o interesse neste campo está aumentado.

Germano até conta que um profissional de uma casa de internação para adolescentes no Canadá entrou em contato recentemente para trocar experiências, e pretende adotar este tipo de terapia com os jovens canadenses.

Grupo de estudos no Hospital das Clínicas da USP

Germano e Túlio se uniram ao professor de psicologia da USP Francisco Lotufo para organizar um grupo de estudos sobre terapia em grupo, que envolve a troca de experiências sobre o uso do RPG. Este grupo que reúne profissionais da área teve início no último mês de junho, e deve prosseguir até o final do ano

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