Qual é a verdadeira natureza do ser humano? Será por nossa capacidade de nos locomovermos sobre duas pernas? Pela dimensão do nosso cérebro, que nos permite utilizar ferramentas? Ou pela habilidade de organizar sociedades e aproveitar de forma eficaz os recursos do planeta e as relações interpessoais?
Embora possa parecer uma questão simples para quem não reflete profundamente sobre ela, os antropólogos — especialistas no estudo dos seres humanos — frequentemente têm uma perspectiva mais complexa.
“A maneira como usamos este termo não é totalmente coloquial, nem completamente científica,” observa Sheela Athreya, antropóloga biológica da Universidade Texas A&M, referindo-se à palavra “humano”. Além disso, o significado varia conforme o contexto em que “humano” é empregado.
A Definição de Hominíneo
A definição mais abrangente de um ser humano pode estar na ideia do que é um hominíneo. Basicamente, um hominíneo é um primata que caminha em duas pernas.
Contudo, existe um debate sobre quais espécies se enquadram como hominíneos, especialmente as mais antigas. Por exemplo, o Orrorin tugenensis, encontrado no Quênia e datado de cerca de 6 milhões de anos atrás, é considerado por alguns como bipede, o que o tornaria um dos primeiros hominíneos, embora haja divergências nessa classificação.
Outros hominíneos antigos incluem o grupo Australopithecus. Várias espécies foram identificadas nessa categoria, como a famosa Lucy, uma Australopithecus afarensis encontrada na Etiópia. Embora mais evidências sejam necessárias, alguns cientistas acreditam que Orrorin ou Australopithecus possam ser ancestrais distantes de hominíneos posteriores, como Homo erectus, H. sapiens, Neandertais e Denisovanos.
O Significado de ‘Homo’
Em antropologia, “Homo” deriva da palavra latina para humano. Segundo essa definição, até os membros mais antigos desse gênero, como o Homo habilis, que data de mais de 2 milhões de anos atrás, seriam considerados humanos. Isso inclui Neandertais, Denisovanos e H. erectus.
No entanto, ainda não há um consenso científico sobre o que exatamente constitui o gênero Homo. Uma questão em aberto, por exemplo, é se o Homo erectus evoluiu diretamente do Homo habilis ou se ambos surgiram aproximadamente no mesmo período de um ancestral comum.
Alguns pesquisadores até sugerem que o Homo habilis poderia ser melhor classificado dentro do grupo Australopithecus do que no gênero Homo.
Uma característica distintiva do Homo erectus, em grande parte, é ter sido o primeiro hominíneo conhecido a deixar a África. Athreya aponta que isso representa um viés entre os estudiosos, onde hominíneos que se dispersaram da África são comparados a características mais humanas, como o uso de ferramentas ou a adaptação a climas não equatoriais, enquanto hominíneos anteriores são frequentemente comparados a macacos.
Os Humanos Modernos
Entender os humanos modernos não simplifica a definição de humano. Inicialmente, os Neandertais e Denisovanos eram vistos como totalmente distintos.
Por um tempo, utilizou-se o termo redundante “Homo sapiens sapiens” para diferenciar os humanos modernos dos Neandertais, às vezes classificados como Homo sapiens neanderthalensis. No linguajar comum, a distinção era feita com o termo “humanos anatomicamente modernos”, focando em características físicas como a ausência de saliências nas sobrancelhas, testa menos inclinada e dentes menores em comparação aos Neandertais.
Entretanto, análises genéticas recentes revelaram que os humanos modernos, cujos ancestrais migraram da África, possuem até 4% de DNA Neandertal. Assim, muitos indivíduos na Europa, Ásia e Américas têm uma composição genética parcialmente Neandertal. “Não posso afirmar categoricamente que Denisovanos ou Neandertais são uma realidade concreta com características definidas,” comenta Athreya, questionando a base empírica e filosófica dessas classificações.
Parte do desafio reside na natureza da classificação das espécies. Se as espécies estão constantemente evoluindo, quando podemos dizer que se tornaram algo distinto?
Viés na Classificação Humana
Outro aspecto do problema está no viés inerente àqueles que criam ou sustentam essas classificações. Athreya aponta que, tradicionalmente, os antropólogos que estudam a variação humana provêm principalmente de origens europeias.
Athreya, identificando-se como uma paleontóloga morena e não cristã, acredita que sua perspectiva é única. Ela sugere que, se aborígenes australianos ou papuas estivessem liderando esses estudos, a categorização de hominíneos poderia ser significativamente diferente.
“A área é dominada por indivíduos com compreensão limitada sobre o espectro completo da diversidade genética e biológica humana,” afirma. Uma análise mais abrangente das características e genética humanas poderia oferecer uma nova visão sobre o que define o “humano”. [Discover Magazine]