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Quem vigiará os vigias?

Como vimos no artigo da semana passada, além de ser um palpiteiro contumaz, o brasileiro é caracterizado, também, por sua habilidade inata de “dar um jeitinho”.

E o “jeitinho” — essa expressão tão coloquial e tão brasileira — abarca todo um universo comportamental que vai desde um inocente improviso até o franco desrespeito à ética — em sua expressão mais universal — que tipifica aí a conduta desonesta e caracteriza a pura falta de caráter.

É muito triste recebermos dos palpiteiros de plantão “bons conselhos” — que são pérolas da pior conduta que se possa conceber, bem, no estilo do “rouba, mas faz”.

Conselhos que incentivam esse “jeitinho” brasileiro, preconizando o comportamento desonesto, que em sua essência mais banal, o faz furar filas, furtar frutas nos supermercados, roubar sobremesas nos restaurantes, colar nas provas, fazer “cachorro” no caixa quando o chefe não está olhando, desrespeitar as leis de trânsito (quando não há vigilância), etc.

Em suma trapacear em toda e qualquer oportunidade que encontrar.

Quando dou consultoria “in company” na área de administração de conflitos, sou surpreendido pela realidade de que não são poucas as corporações que investem massivamente em segurança interna, pois os roubos praticados pelos funcionários colocam em risco a própria existência da corporação.

Sejam públicas ou privadas, as corporações tem sido alvos sistemáticos de verdadeiros “assaltos internos” onde, absolutamente tudo que não estiver sendo vigiado “é roubado”; desde objetos de escritório até segredos estratégicos.

É fácil arrumarmos desculpas:

— Os empresários exploram os trabalhadores;

— Os pobres precisam comer;

Etc.

Mas as estatísticas apontam que não importa a classe social ou a hierarquia do funcionário, o comportamento é sempre o mesmo.

Desde o porteiro que aceita propina para olhar para o outro lado, até o diretor executivo que vende para concorrência os segredos estratégicos.

E esse jeitinho se esgueira para a esfera política, ganhando ares de “poderosos esquemas” concatenados para burlar as leis e roubar descaradamente os cofres públicos, e em última análise, o bolso do contribuinte.

E quem tiver a ousadia de apontar esses disparates é acusado prontamente de “moralista” quando não de “ingênuo” ou otário.

Quando sou questionado sobre qual solução eu daria para a questão, a minha resposta é sempre a mesma:

— Precisamos despertar urgentemente nosso senso de humanidade.

Para que o nosso povo tenha acesso tanto ao pão do corpo quanto ao pão do espírito.

Por que é indubitável que a miséria material seja um das principais causas da miséria moral, porém, não é a única.

Talvez tenhamos que procurar mais no fundo de nós mesmos.

E é interessante notar, que perante a roubalheira desenfreada pela qual gira a vida pública brasileira os meios de comunicação já não noticiam com tanta ênfase os “pequenos” roubos diários.

Não dá ibope.

Nosso condomínio, nossa casa, nossa empresa passa a ser alvo diário de roubos internos e externos.

Será que a solução passa pelo simples policiamento, seja ele privado ou público?

Será que para nos sentirmos seguros contrataremos vigias e mais vigias?

Eu contraponho, com outro questionamento — esse muito mais filosófico:

— Numa terra sem honra, quem é que vigiará os vigias?

 

-o-

[Imagem Flickr]

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Navegando entre a literatura fantástica e a ficção especulativa Mustafá Ali Kanso, nesse seu novo livro “A Cor da Tempestade” premia o leitor com contos vigorosos onde o elemento de suspense e os finais surpreendentes concorrem com a linguagem poética repleta de lirismo que, ao mesmo tempo que encanta, comove. Seus contos “Herdeiros dos Ventos” e “Uma carta para Guinevere” foram, em 2010, tópicos de abordagem literária do tema “Love and its Disorders” no “4th International Congress of Fundamental Psychopathology.” Foi premiado com o primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos da Scarium Megazine (Rio de Janeiro, 2004) pelo conto Propriedade Intelectual e com o sexto lugar pelo conto Singularis Verita.

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