Com o derretimento das calotas polares em Marte, paisagens intrigantes emergem. O orbitador Mars Express, da Agência Espacial Europeia (ESA), registrou imagens fascinantes em abril de 2024 na região conhecida como Australe Scopuli, próxima ao polo sul. À medida que a primavera marciana avança, o gelo que recobre a área começa a sublimar, passando diretamente do estado sólido para o gasoso, um truque químico que parece desafiar as estações. Esse fenômeno libera dióxido de carbono na atmosfera rarefeita do planeta e cria formações intrigantes apelidadas de “terreno críptico”.
Cientistas descrevem essas regiões escuras como um quebra-cabeça da natureza, com padrões geométricos que se destacam entre o gelo brilhante ao redor. Além de sua aparência misteriosa, esse contraste indica como o ciclo de congelamento e degelo anual pode esculpir paisagens impressionantes ao longo de décadas ou até séculos.
A dança do degelo e seus efeitos dramáticos
Durante a primavera, as calotas de gelo compostas por dióxido de carbono e água recuam, revelando não apenas gelo antigo, mas também leques de poeira escura que emergem do solo. Esse material, quando exposto à luz solar, acelera o derretimento ao absorver mais energia, um processo que pode ser comparado a usar roupa escura em um dia quente. À medida que o gelo derrete, parte desse material afunda novamente, formando padrões poligonais. Esses desenhos podem ser resultado de ciclos repetidos de congelamento, semelhantes ao que ocorre no permafrost terrestre, onde rachaduras aparecem em solo congelado ao longo das estações.
Estudando essas formações, os pesquisadores esperam entender melhor o clima de Marte ao longo de sua história. A alternância entre congelamento e sublimação oferece pistas sobre as eras glaciais e as mudanças atmosféricas que ocorreram no passado distante do planeta vermelho.
Arte marciana: jatos de vapor e padrões poligonais
As câmeras da missão Mars Express e do Orbitador de Traço de Gás (TGO) revelaram detalhes impressionantes. O TGO capturou uma imagem de polígonos gelados, formados em 2020, que só agora foi divulgada. Esses polígonos parecem se alinhar nas latitudes médias do sul de Marte e indicam como o vapor aprisionado pode criar padrões elaborados. Em alguns casos, o gás pressurizado abaixo do gelo irrompe em jatos, lançando poeira para a superfície como pequenos gêiseres interplanetários.
Os depósitos em forma de leque que surgem com esse processo variam entre algumas dezenas a centenas de metros e ilustram um fenômeno curioso: a poeira mais escura lançada pela explosão aquece mais rápido ao sol, acelerando o derretimento ao seu redor. Esse efeito lembra a física por trás de um campo coberto de neve onde partes mais escuras derretem primeiro.
Pistas geológicas e o futuro da exploração
Compreender o comportamento dessas formações é essencial para futuras missões tripuladas e robóticas. Saber onde e como o gelo se forma ou derrete ao longo das estações pode ajudar os cientistas a encontrar reservas de água escondidas, um recurso essencial para missões prolongadas no futuro. Além disso, o estudo das calotas polares e dos ciclos de dióxido de carbono pode esclarecer como Marte perdeu sua antiga atmosfera densa, que um dia permitiu a presença de água líquida na superfície.
Os padrões vistos no polo sul não são apenas uma curiosidade visual; eles podem fornecer uma janela para o passado e indicar onde a água pode estar presente hoje, ainda que presa sob camadas de poeira e gelo. Descobrir essas reservas poderia tornar mais viável a colonização do planeta, reduzindo a necessidade de transportar água da Terra.
A exploração contínua de Marte, com novas imagens e dados, ajuda a refinar o conhecimento sobre o comportamento climático do planeta. Entender a dinâmica do gelo e as transições entre vapor e sólido é crucial não apenas para a ciência planetária, mas também para o planejamento estratégico das futuras missões que um dia poderão levar humanos a explorar pessoalmente o Planeta Vermelho.