Transplante fecal radical cortou quase pela metade os sintomas de autismo destas crianças

Por , em 10.04.2019

De acordo com um novo estudo da Universidade Estadual do Arizona (EUA), transformar o ambiente microbiano no intestino de crianças diagnosticadas com autismo pode aliviar significativamente a gravidade dos sintomas da condição.

Após receberem uma forma de terapia de transplante fecal, os participantes não apenas experimentaram menos problemas intestinais, como continuaram a mostrar melhorias contínuas nos sintomas do autismo após o procedimento – um avaliador profissional encontrou uma redução de 45% nos principais deles (linguagem, interação social e comportamento) dois anos após o transplante.

A técnica utilizada pelos pesquisadores Rosa Krajmalnik-Brown, James Adams e Dae-Wook Kang é conhecida como “Microbiota Transfer Therapy” (terapia de transferência de microbiota ou MTT), um tipo especial de transplante fecal originalmente desenvolvido pelo gastroenterologista australiano Dr. Thomas Borody.

A importância da microbiota

Atualmente, tratamentos eficazes para autismo incluem terapia comportamental, medicamentos psiquiátricos e abordagens dietéticas e nutricionais. No entanto, nenhum tratamento médico foi aprovado para tratar os principais sintomas da condição, como dificuldades de comunicação social e comportamentos repetitivos.

Uma área promissora de pesquisa envolve a microbiota intestinal, que é a coleção de micróbios que vive em nossos intestinos e nos ajuda de muitas maneiras, incluindo a digestão e o funcionamento do sistema imunológico.

Pesquisas recentes sugerem que nossas microbiotas intestinais também afetam a comunicação cerebral e a saúde neurológica. Em todo o mundo, cientistas têm estudado a ideia de que mudanças na microbiota intestinal podem ser responsáveis ​​por desencadear uma vasta gama de doenças.

“Muitas crianças com autismo têm problemas gastrointestinais, e alguns estudos, incluindo os nossos, descobriram que essas crianças também têm sintomas piores relacionados ao autismo”, explicou Krajmalnik-Brown. “Em muitos casos, quando você é capaz de tratar esses problemas gastrointestinais, seu comportamento melhora”.

Intestino x autismo

Aproximadamente 30 a 50% de todas as pessoas com autismo têm problemas gastrointestinais crônicos, principalmente constipação e/ou diarreia. O desconforto e a dor podem causar irritabilidade, diminuição da atenção e da aprendizagem e impactar negativamente o comportamento.

Um estudo anterior com antibiótico (vancomicina) havia encontrado grandes melhorias temporárias nos sintomas gastrointestinais e de autismo, mas os benefícios foram perdidos algumas semanas após o tratamento ter sido interrompido, apesar do uso posterior de probióticos vendidos sem receita médica.

Krajmalnik-Brown, Kang e Adams mostraram que, ao transferir uma microbiota saudável para indivíduos sem certas bactérias intestinais, é possível “doar” um grupo mais diversificado de bactérias para o paciente e melhorar a saúde intestinal e os sintomas do autismo a longo prazo.

“Estamos encontrando uma conexão muito forte entre os micróbios que vivem em nossos intestinos e sinais que viajam para o cérebro”, disse Krajmalnik-Brow. “Dois anos depois, as crianças estão ainda melhores, o que é incrível”.

MTT

O transplante de microbiota fecal (MTT) foi inicialmente desenvolvido por Borody. Com base em sua experiência com seus pacientes, Borody liderou um projeto de tratamento clínico usado para este estudo, em conjunto com os cientistas da Universidade do Arizona.

A abordagem MTT envolve 10 semanas de tratamento, incluindo pré-tratamento com vancomicina, limpeza intestinal, supressor do ácido do estômago e transferência de microbiota fecal diariamente durante sete a oito semanas.

No estudo inicial, publicado na revista Microbiome em 2017, o protocolo de tratamento usado em 18 crianças entre 7 e 16 anos pareceu ser uma “abordagem promissora” para alterar a microbiota intestinal e melhorar sintomas gastrointestinais e comportamentais nos pacientes com o espectro do autismo.

Essas melhorias persistiram por pelo menos oito semanas após o término do tratamento, sugerindo um impacto de longo prazo.

Acompanhamento

No início do estudo, crianças com autismo apresentavam menor diversidade em seus respectivos micróbios intestinais do que crianças sem a condição, e não possuíam certas cepas de bactérias úteis, como Bifidobacteria e Prevotella. O tratamento com MTT aumentou substancialmente a diversidade microbiana e a presença de bactérias úteis.

Um novo estudo, realizado após dois anos, mostrou que a diversidade continuou aumentando e a presença de micróbios benéficos permaneceu. Este foi publicado na revista Scientific Reports.

Uma avaliação profissional revelou uma redução de 45% nos sintomas de autismo em comparação com a linha de base nas crianças. Os pesquisadores observam que, embora possa haver algum efeito placebo, muito desse efeito parece ser real.

No início do estudo, 83% dos participantes foram classificados com autismo “grave”. No final do estudo, apenas 17% eram “graves”, 39% eram “leves/moderados” e 44% estavam abaixo do ponto de corte para autismo leve. Além disso, os pais da maioria dos participantes relataram “uma melhora lenta, mas constante, nos sintomas centrais” do autismo.

Próximos passos

Devido à natureza aberta do estudo e ao pequeno tamanho da amostra utilizada, mais pesquisas são necessárias para verificar a utilidade do MTT como terapia.

O estudo inicial envolveu uma estimativa de “primeira geração” quanto à dose ideal e duração do tratamento, suficiente para 90% das crianças terem benefícios substanciais. A equipe está trabalhando agora na otimização dessa dosagem para tentar melhorar ainda mais os benefícios, e determinar quando doses de reforço podem ser necessárias.

Todas as famílias envolvidas completaram as avaliações de acompanhamento, e o tratamento foi geralmente bem tolerado com efeitos adversos mínimos.

“Compreender quais micróbios e produtos químicos produzidos pelos micróbios estão conduzindo essas mudanças comportamentais está no centro do nosso trabalho”, concluiu Krajmalnik-Brown. [MedicalXpress, ScienceAlert]

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