No início deste mês, a Fundação Nacional do Índio (Funai) confirmou que uma tribo amazônica que nunca antes tinha tido contato com o mundo exterior fez contato voluntário. Tal evento é raro e geralmente provocado por ameaças de violência.
Mais do que animados pela possibilidade de conhecer mais sobre as práticas e tradições deste povo, os antropólogos estavam temerosos de que a tribo brasileira isolada teria sido exposta a doenças para as quais seus membros não têm imunidade. E parece que seus piores temores foram confirmados: a Funai disse que aqueles que fizeram contato de fato contraíram gripe, doença que já aniquilou tribos inteiras no passado.
Com base em seus cortes de cabelo e na ornamentação de sua pele, é possível que as pessoas que fizeram contato pertencem à tribo Chitonahua. Sua linguagem é semelhante ao Pano – família linguística cujas variantes são faladas por povos indígenas no Brasil, no Peru e na Bolívia -, o que lhes permitiu comunicar-se com a tribo Ashaninka que encontraram. Os índios viviam na fronteira com o Peru, no Alto Rio Envira, mas foram forçados a deixar o local, provavelmente devido a uma ameaça de madeireiros ilegais ou traficantes de drogas que utilizam o rio, e contataram uma tribo do Acre. Eles relataram que tinham sido atacados.
Os dois grupos tribais coexistiram pacificamente por cerca de três semanas. Durante esse tempo, cinco homens e duas mulheres que haviam feito contato adoeceram com o vírus da gripe. Médicos foram trazidos para ajudar a fornecer cuidados, embora os indígenas estivessem inicialmente hesitantes em aceitar o tratamento e a vacinação. Autoridades médicas estão preocupadas com a transmissão da doença para outros, o que poderia matar um número substancial de pessoas da tribo.
O diretor do grupo de ativistas pelos direitos dos indígenas Survival International, Stephen Corry, disse que não poderia estar mais preocupado com o desenrolar dos fatos, incluindo os ataques que este povo teria sofrido no Peru. “O cenário de pesadelo é que eles retornem para suas antigas aldeias levando a gripe com eles. É um verdadeiro teste quanto à capacidade do Brasil de proteger esses grupos vulneráveis. A menos que um programa médico adequado e continuado seja imediatamente posto em prática, o resultado pode ser uma catástrofe humanitária”, explica o pesquisador.
“Como eles têm pouquíssima imunidade, o quadro poderia ter evoluído para uma pneumonia, colocando-os em risco de morte. Além disso, temíamos que o grupo do contato, composto por sete indivíduos, pudesse contagiar os demais integrantes de seu povo ao voltarem gripados para a aldeia onde residem”, conta Douglas Rodrigues, médico que prestou atendimento aos indígenas na ocasião. “Tivemos êxito, pois agimos na hora certa e conseguimos medicá-los antes de um eventual agravamento do quadro”, garante.
A equipe da Frente de Proteção Etnoambiental da instituição e o sertanista José Carlos Meirelles vinham acompanhando a aproximação dos índios isolados ao longo de 10 dias antes deles chegarem à aldeia Ashaninka. Por isso, foi possível adotar rapidamente medidas para a proteção do grupo.
Contudo, além da gripe, é possível que outras doenças tenham sido contraídas durante o encontro. A Funai está enviando uma equipe de profissionais de saúde para procurar a tribo e entregar outros medicamentos, mas a ajuda não deve chegar até o próximo mês. Até então, as autoridades terão de torcer que a doença não tenha se espalhado para o resto da tribo. Além disso, os índios ainda estão ameaçados pelos responsáveis por atividades criminosas que os levaram para longe em primeiro lugar.
“Tanto o Peru quanto o Brasil deram garantias de que iriam impedir a exploração madeireira ilegal e o tráfico de drogas que estão empurrando índios isolados a novas áreas. Eles falharam”, afirma Corry. “Os índios isolados agora enfrentam o mesmo risco genocida da doença e da violência que tem caracterizado a invasão e ocupação das Américas nos últimos cinco séculos. Ninguém tem o direito de destruir esses índios”. [IFLS, Funai 1, Funai 2, Portal Brasil]