Um novo estudo de colaboração internacional, incluindo pesquisadores de diversas instituições europeias e da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que consumir maconha diariamente, especialmente de alta potência, aumenta as chances de se ter um episódio psicótico mais tarde.
Maconha e psicose
Um novo estudo de colaboração internacional, incluindo pesquisadores de diversas instituições europeias e da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que consumir maconha diariamente, especialmente de alta potência, aumenta as chances de se ter um episódio psicótico mais tarde.
A maconha tem se tornado legal em mais países e estados e, com todo o “hype” em torno de suas funções medicinais, está começando a ganhar uma aura de saúde.
No entanto, existem alguns riscos graves ao bem-estar associados com o uso frequente da substância. Um dos mais preocupantes é o de ter um episódio psicótico.
Vários estudos anteriores haviam sugerido que o uso frequente de maconha está associado a um risco maior de psicose – isto é, quando alguém perde o contato com a realidade.
Agora, os pesquisadores resolveram fazer uma análise abrangente desta possível associação.
O método
No estudo, os pesquisadores consideraram cannabis de alta potência produtos com mais de 10% de tetrahidrocanabinol ou THC, o composto responsável pelos efeitos psicoativos da droga.
Eles estudaram 901 pessoas entre 18 e 64 anos que foram diagnosticadas com o primeiro episódio de psicose entre maio de 2010 e abril de 2015 em centros de saúde mental de 11 cidades, incluindo Londres, Paris, Amsterdã, Barcelona, outras cidades da Europa e um local no Brasil.
Os cientistas perguntaram a esses indivíduos e a um grupo de controle de mais de 1.200 pessoas saudáveis sobre seus hábitos, incluindo o uso de maconha.
As pessoas relataram os tipos de cannabis que utilizavam, como o “Skank” britânico ou o “Nederwiet” holandês, que permitiram aos pesquisadores identificar o conteúdo de THC em cada produto através de dados coletados pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência e dados nacionais de diferentes países.
Resultados
O estudo descobriu que os participantes que usavam maconha diariamente eram três vezes mais propensos a ter um episódio psicótico em comparação com alguém que nunca usou a droga.
Aqueles que começaram a usar cannabis aos 15 anos ou menos tinham um risco ligeiramente mais elevado do que aqueles que começaram a usar nos anos posteriores.
O uso de maconha de alta potência quase duplicou as chances de ter psicose em comparação com alguém que nunca fumou a substância.
E, para aqueles que usavam maconha de alta potência diariamente, o risco de psicose era o maior de todos: quatro vezes maior do que aqueles que nunca consumiram a droga.
Maconha potente
A fácil disponibilidade de maconha com alto teor de THC é um fenômeno recente. “Quase 20 anos atrás, não havia muita cannabis de alta potência disponível [no mercado]”, explica Marta Di Forti, psiquiatra e cientista clínica da King’s College London (Reino Unido).
Um estudo recente descobriu que a potência média da maconha na Europa e nos EUA em 2017 era de 17,1%, em comparação com 8,9% em 2008. Na Holanda, o conteúdo de THC de um produto cada vez mais popular conhecido como “Nederhasj” pode chegar a 67%.
O fato de que esta pesquisa observou as taxas de psicose e uso de cannabis em muitos lugares diferentes permitiu aos pesquisadores comparar a incidência de psicose com a disponibilidade e com o alto teor de THC.
Segundo os cientistas, as três cidades europeias – Londres, Paris e Amsterdã – nas quais a maconha de alta potência é mais comumente disponível têm as taxas mais altas de novos casos de psicose, em comparação com as outras cidades do estudo.
Mais forte a maconha, mais comum a psicose
Londres, Paris e Amsterdã apresentaram as taxas mais altas de novos diagnósticos de psicose: 45,7 a cada 100.000 pessoas por ano em Londres, 46,1 em Paris e 37,9 em Amsterdã.
Estas são também cidades onde maconha de alta potência é mais facilmente disponível e comumente usada.
Outras cidades europeias na Espanha, Itália e França, por outro lado, têm menos de 10% de conteúdo de THC na maioria dos produtos populares de maconha no mercado. Essas cidades também apresentaram taxas mais baixas de novos diagnósticos psicóticos.
Associação x causa
Vale notar, contudo, que a pesquisa não prova causalidade. Ou seja, não se pode dizer que a cannabis causa psicose.
Para afirmar isso, é preciso seguir as pessoas ao longo do tempo, antes de elas começarem a usar maconha, coletar informações genéticas, entre todos os outros tipos de dados, etc.
Isso porque transtornos psicóticos, como esquizofrenia e bipolaridade, são distúrbios multifacetados e complicados. Provavelmente, muitos fatores influenciam se e como eles se manifestam.
Apesar disso, novas descobertas como esta devem interessar a qualquer um que use cannabis. “Há pessoas em todo o mundo que usam cannabis por várias razões. Algumas delas recreativamente, algumas para propósitos medicinais. Elas devem estar cientes de que o uso de cannabis de alta potência vem com um risco”, sugere Di Forti. “Elas precisam saber o que procurar e quando pedir ajuda, caso se deparem com características de um distúrbio psicótico”, acrescenta.
Um artigo sobre o estudo foi publicado na revista científica The Lancet Psychiatry. [NPR]