Uma das faces mais tristes sobre as histórias de usuários de drogas está no absurdo das ações que eles cometem em períodos de abstinência. Consumidores de heroína de algumas cidades africanas estão rompendo um limite de perigo nesse sentido: injetam em seu próprio corpo o sangue de outro usuário. O procedimento, adotado na ilha de Zanzibar, em Mombasa (Quênia), era até então desconhecido de médicos e pesquisadores quando foi registrado em Dar Es Salaam, capital da Tanzânia.
É a verdadeira festa do HIV. O vírus da AIDS, que atualmente infecta 25 milhões de africanos (cerca de 5% da população do continente), pode ser transmitido facilmente pelo simples fato de usuários compartilharem as seringas no uso da heroína (que também pode ser inalada, o que também é comum, e fumada). Quando se injeta o sangue de outra pessoa, o risco de transmissão do HIV é quase de 100%. Além disso, um mundo de outras doenças além da AIDS (que por si própria abre o organismo para outras doenças) podem passar nessa transfusão.
Como o vírus da AIDS dispõe de vários meios para ser transmitido, o perigo dessa prática vai além dos usuários desesperados que a aplicam. Como a relação sexual (hetero ou homossexual), muito comum em uma área onde a prostituição é profílica, também é tiro certo para transmitir o vírus, aqueles que jamais consumiram cocaína nessas regiões também correm perigo.
O panorama ameaça elevar os níveis de HIV entre a população dos países da áfrica oriental (tais como o Quênia e a Tanzânia, onde a prática da “transfusão compartilhada” foi detectada), que atualmente gira entre 3% e 8% das pessoas. No sul do continente, essa taxa fica entre 15% e 25%, mas esse novo risco, segundo os cientistas, tende infelizmente a “equilibrar” as duas regiões, para pior, é claro.
Compartilhar sangue, tristemente, é uma saída que os viciados encontraram para economizar dinheiro. Prostitutas que têm lucros razoáveis com a profissão, suficientes para se comprar uma partida de heroína, injetam tudo em si e “vendem” seu sangue para outras pessoas. O objetivo é ajudar a sustentar amigas que não conseguem mais, por doença ou idade, se manter na prostituição.
O pior de tudo é que essa transfusão é praticamente inútil em termos de levar heroína ao organismo da pessoa que recebe o sangue. O comprador, usuário compulsivo, não tem condições de comprar heroína, por isso apela para a opção mais barata da injeção. Mas a heroína se dissolve nos cinco litros de sangue que o ser humano tem, e a quantidade de sangue injetado é cerca de uma colher de chá. O suficiente para transmitir o vírus do HIV. Ou seja: não passa de um efeito placebo, aonde quase nada de heroína chega ao viciado, cuja abstinência retorna logo e traz com ela o vírus da AIDS.
O panorama do consumo de drogas na África está piorando cada vez mais. Até pouco tempo atrás, os custos que os traficantes tinham com transportes e propinas era muito alto para os padrões de consumo da população, o que minimizava o tráfico. Nos últimos anos, contudo, os criminosos arranjaram uma solução criativa: pagam os subornos em droga. As autoridades, como policiais, fiscais, funcionários de portos e aeroportos, em geral, aceitam o pagamento em heroína. Assim, podem revendê-la para complementar seus baixos salários. Os traficantes, economizando o dinheiro da propina, baixar em até 90% o preço da heroína para a população, o que está espalhando o vício. Ao que parece, a humanidade ainda não está perto de se livrar desse problema. [The New York Times]