Anestesia: por que ela é um grande mistério médico

Por , em 23.06.2014

Se tem uma coisa que agradecemos imensamente por ter sido descoberta, essa coisa é a anestesia.

Esse grande avanço médico nos permite perder a consciência durante cirurgias e outros procedimentos dolorosos, o que é ótimo para nós.

O problema é que os cientistas não estão inteiramente certos de como ela funciona – simplesmente não há uma maneira objetiva de medir se nosso cérebro está “acordado” ou não, e é por isso que algumas pessoas permanecem imóveis, mas conscientes em salas de cirurgia, sofrendo em silêncio, o que não é tão ótimo para nós.

Para terminar de agradecer à ciência, agora estamos chegando mais perto de resolver o mistério da anestesia – e, de quebra, da própria consciência também.

Anestesia em números

A anestesiologia percorreu um longo caminho desde 1846, quando um médico no Hospital Geral de Massachusetts (EUA) colocou uma garrafa com um líquido perto do rosto de um paciente até ele ficar inconsciente.

Apesar dos avanços, até 1940, a anestesia ainda era algo arriscado. Naquela época, uma em cada 1.500 mortes pré-operatórias eram atribuídas a ela. Esse número tem melhorado dramaticamente, principalmente por conta de progressos técnicos e em produtos químicos, padrões de segurança modernos e um influxo de anestesistas credenciados.

Hoje, a possibilidade de um paciente saudável sofrer uma morte devido a anestesia é inferior a 1 em 200.000, ou seja, uma chance de 0,0005% de fatalidade – muito boas chances especialmente se você considerar a alternativa, que é a de ficar acordado durante o procedimento cirúrgico.

Deve-se salientar, no entanto, que as mortes relacionadas com a anestesia estão aumentando, principalmente pelo envelhecimento da população. Considerando “pacientes não saudáveis”, a taxa de mortalidade em todo o mundo durante a anestesia é de cerca de 1,4 mortes por 200.000 pessoas. Já o número de mortes no prazo de um ano após a anestesia geral é de cerca de um em cada 20. Para pessoas com idade acima de 65 anos, é de uma a cada 10.

A razão para esses números altos, segundo o anestesista André Gottschalk, é que a anestesia pode ser estressante para pacientes idosos com problemas cardíacos ou pressão arterial elevada, e cada vez mais essas pessoas precisam de cirurgias.

E morrer não é o único perigo associado com a anestesia. Ela pode induzir uma condição conhecida como delírio pós-operatório, um estado de confusão grave e perda de memória. Após a cirurgia, alguns pacientes se queixam de alucinações, têm dificuldade em responder a perguntas, e esquecem por que estão no hospital. Estudos têm mostrado que cerca de metade de todos os pacientes com 60 anos ou mais sofrem com esse tipo de delírio. Esta condição geralmente desaparece após um dia ou dois.

Para algumas pessoas, geralmente com mais de 70 anos de idade e com histórico de déficits mentais, uma alta dose de anestesia pode resultar em problemas persistentes por meses e até anos depois, incluindo problemas de atenção e memória.

Anestesia x consciência

Normalmente, a anestesia é iniciada com a injeção de um medicamento chamado propofol, que proporciona uma transição rápida e suave para a inconsciência. Em cirurgias mais longas, um anestésico inalado, como isoflurano, é usado com conjunto para se obter um melhor controle da profundidade da anestesia.

Os neurocientistas não sabem como produtos químicos como o propofol funcionam exatamente – e nem vão saber, até entenderem completamente a própria consciência.

Quando alguém está anestesiado, sua atividade cerebral e cognição continuam ativas, mas sua consciência se “desliga”. Por exemplo, um estudo mostrou que ratos podem “lembrar” de cheiros que sentiram enquanto estavam sob anestesia geral.

Os pesquisadores precisam traçar os correlatos neurais da consciência – variações na função cerebral que podem ser observadas quando uma pessoa passa de estar consciente a inconsciente – para entender a consciência e, consequentemente, a anestesia.

Essas variações podem ser certas ondas cerebrais, respostas físicas, sensibilidade à dor, enfim, qualquer coisa; só precisam estar correlacionadas diretamente à consciência.

Os cientistas sabem que a anestesia incapacita várias proteínas diferentes na superfície de neurônios, que são essenciais para a regulação do sono, atenção, aprendizagem e memória. Mas, mais do que isso, ao interromper a atividade normal dos neurônios, os anestésicos perturbam as comunicações entre as diversas regiões do cérebro que, em conjunto, provocam inconsciência.

Mas não descobrimos ainda qual região ou regiões do cérebro são responsáveis por esse efeito. Na verdade, pode não ser uma coisa só.
De acordo com a teoria do “espaço de trabalho global”, a consciência é um fenômeno amplamente distribuído, onde a informação recebida é processada em regiões separadas do cérebro sem que estejamos conscientes disso. A subjetividade só acontece quando esses sinais são transmitidos para uma rede de neurônios em todo o cérebro que dispara em sincronia.

Sendo assim, os anestésicos podem provocar inconsciência bloqueando a capacidade do cérebro de integrar corretamente as informações. Segundo o pesquisador Andres Engels, a comunicação de longa distância do cérebro fica impedida durante a anestesia, de modo que ele não pode construir o espaço de trabalho global.

Voltando à consciência

Há também a ciência de sair da inconsciência – outra coisa que não entendemos completamente. Pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles (EUA) dizem que o retorno da atividade cerebral consciente ocorre em grupos distintos do cérebro, de maneira não uniforme.

“A recuperação da anestesia não é simplesmente o resultado do fim do efeito do anestésico, mas também do cérebro encontrar o seu caminho através de um labirinto de possíveis estados de atividade para permitir a experiência consciente de novo”, observou o pesquisador Andrew Hudson. “Simplificando, o cérebro reinicia-se”.

De um modo semelhante, outro estudo sugeriu que a confusão pós-operatória pode ser devido ao cérebro revertendo a um estado evolutivo mais primitivo, uma vez que passa por esse processo de “reinicialização”. [io9]

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