Você pode saber quando está acordado, mas a ciência não sabe

Por , em 15.12.2013

Mais de uma década atrás, uma mulher de 43 anos foi anestesiada para fazer uma histerectomia. Tudo parecia estar conforme o planejado, até que, por um intervalo de tempo, a anestesia parou de funcionar. Ela não conseguia abrir os olhos ou mover os dedos, e nem mesmo reflexos básicos como respirar pareciam funcionar; um tubo teve que ser colocado em sua garganta. Ela estava acordada e consciente na mesa de operação, mas congelada e incapaz de dizer a alguém o que estava acontecendo.

Essa história de terror não é única. Outras pessoas já passaram pelo pavor da anestesia que dá errado. Infelizmente, esta é uma caminhada na corda bamba: muita anestesia pode matar, pouca pode deixar o paciente consciente do procedimento e incapaz de se comunicar.

Para cada mil pessoas que se submetem a anestesia geral, uma ou duas não ficam tão inconscientes quanto parecem – elas se lembram de seus médicos falando, da faca do cirurgião, mesmo enquanto seus corpos permanecem catatônicos e passivos.

Para o azar dessas 0,13% pessoas, não há realmente uma boa medida preventiva. A anestesia de sucesso requer completa inconsciência, e não sabemos medi-la.

Você pode saber quando você está acordado ou não, mas não pode provar isso cientificamente. Isso porque não há como objetivamente distinguir entre um cérebro consciente e um inconsciente. O que, felizmente, pode mudar.

Recentemente, uma equipe de cientistas (incluindo brasileiros da USP) descobriu uma assinatura neurológica que pode ser reveladora de uma mente que está acordada.

Existem ferramentas que anestesiologistas usam para obter uma boa ideia de como as drogas estão funcionando, mas esses sistemas são imperfeitos. Segundo George Mashour, professor de anestesiologia da Universidade de Michigan (EUA), há dois mistérios entrelaçados: primeiro, não entendemos completamente como os anestésicos trabalham, pelo menos não em uma base neurológica, e, em segundo, não entendemos exatamente a consciência (como o cérebro a cria ou o que realmente é).

Atualmente, anestesiologistas observam nossas ondas cerebrais para medir o estado de vigília. Mas as novas experiências mostram que o verdadeiro sinal de uma pessoa desperta pode ser a maneira como os sinais viajam dentro de nossos cérebros, e não quais sinais são enviados pelo cérebro.

As implicações disso são fascinantes – podem revelar como mentes dormentes trabalham, bem como o que significa estar plenamente consciente.

O estudo

Na falta de uma forma de medir a consciência diretamente, anestesiologistas monitoram a presença de certos tipos de ondas cerebrais, respostas físicas e sensibilidade à dor – e ajustam a dose da droga se precisarem.

Para melhorar este método, os neurocientistas procuram pelo que chamam de “correlatos neurais da consciência” – mudanças na função cerebral conforme uma pessoa transita de estar aparentemente consciente para aparentemente inconsciente.

Em agosto, uma equipe internacional de pesquisadores com base na Universidade de São Paulo (Brasil) e na Universidade de Wisconsin, Madison (EUA) comparou a atividade cerebral de pacientes de todo o espectro da consciência – acordados, dormindo, drogados com anestésicos, em coma ou que sofrem com a “síndrome do encarceramento”, em que o corpo parece preso em um estado de coma, mas o cérebro está ativo e consciente.

Os pesquisadores estimularam os cérebros destes sujeitos com um campo magnético e utilizaram eletroencefalograma para traçar o caminho dos sinais. Os cérebros conscientes e inconscientes reagiram ao estímulo de formas distintas.

Se o paciente estivesse acordado, o sinal elétrico viajava por todo o cérebro. Se estava inconsciente, o sinal tendia a ficar localizado e simplesmente desaparecia como um sonar.

Essa descoberta reforça uma teoria existente de como a consciência funciona. Ao contrário da sabedoria convencional, evidências mostram que redes sensoriais nos cérebros de pessoas inconscientes permanecem localmente funcionais, mas a comunicação entre elas é quebrada. É como se as luzes de um bairro ficassem acesas, mas as linhas de internet e de telefone não funcionassem.

Assim, o novo estudo pode indicar que a inconsciência é o que acontece quando diferentes partes do cérebro não conseguem se conectar: o sinal simplesmente morre. Isto também sugere que os anestésicos funcionam melhor quando cortam as linhas de comunicação do cérebro.

Dor é diferente de consciência

Os neurocientistas sabem que a consciência não reside em uma só parte do cérebro (não há nenhuma região onde todas as informações são agregadas), mas eles não sabem muito mais do que isso.

A consciência é difícil de estudar por sua própria natureza, por isso foi deixada na maior parte para os filósofos nos últimos cem anos – e nem eles concordam em muita coisa.

A anestesia se tornou um motivo para os cientistas voltarem a pensar sobre a consciência. Pesquisadores dizem que não é suficiente assumir que o paciente está inconsciente só porque ele não responde a dor.

Enquanto você precisa de um cérebro para ter consciência, você pode não precisar de um para sentir dor. Na década de 1990, cientistas realizaram testes em ratos e cabras para estudar como os efeitos dos anestésicos mudam conforme diferentes partes do cérebro são intencionalmente danificadas ou removidas. A quantidade de fármacos necessários para evitar que os animais se movessem em resposta à dor não se alterou conforme o córtex, o tálamo e o tronco cerebral foram destruídos. Os cientistas estavam medindo um reflexo da medula espinhal, que é uma coisa muito mais primitiva e não tem nada a ver com a consciência. Em resumo, sinais exteriores de consciência podem ou não ter algo a ver com a consciência real.

Na vida cotidiana, é quase impossível saber se alguém está consciente ou não, mesmo se isso parecer muito óbvio. Filósofos gostam de apontar que você pode estar cercado por pessoas que parecem estar totalmente conscientes, mas que não experimentam nada disso subjetivamente. Para aqueles sob anestesia a ponto de serem cortados, no entanto, tal sofisma oferece pouco consolo.

Então, como medir a comunicação intracerebral?

Cada vez mais, a investigação sobre o que acontece com o cérebro sob anestesia sugere que a síntese e integração de informações entre as diversas partes do cérebro é a melhor medida de consciência. A nossa experiência subjetiva do mundo pode surgir como um subproduto do cérebro juntando diferentes estímulos sensoriais.

Descobrir um método para medir essa comunicação é fundamental para a prevenção das histórias de terror nas mesas de operação.
George Mashour, o professor de anestesiologia de Michigan, propôs a criação de um monitor que incidisse sobre a capacidade do cérebro de se comunicar dentro de si. É parecido com o estudo américo-brasileiro, mas segue um sinal diferente.

A atividade nos cérebros conscientes faz um loop entre as áreas sensoriais (o córtex visual na parte de trás do cérebro, por exemplo) e as áreas do processamento de informações (como o lobo temporal, atrás das orelhas). Mashour chama isso de “processamento recorrente”: sinais viajam das áreas sensoriais para as áreas de processamento e depois voltam.

Quando alguém está inconsciente, o processamento recorrente desaparece. O estudo de Mashour mostrou que esse padrão – ou a falta dele – ocorre nos cérebros de pessoas anestesiadas com três drogas diferentes. Não é apenas um efeito colateral de um tipo de medicação.

Seu trabalho sugere que os monitores de anestesia podem ser mais eficazes se, em vez de medir a presença de ondas elétricas produzidas pelo cérebro, observassem como os sinais elétricos se movem ao redor do cérebro. [io9, NYTimes]

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