Como a pixação em uma ponte mudou a história da matemática para sempre

Por , em 17.10.2024
Ponte Broome em Dublin. (Foto de William Murphy/Flickr/CC-BY)

No dia 16 de outubro de 1843, William Rowan Hamilton, um brilhante matemático irlandês, estava passeando ao longo do Canal Real de Dublin. Em meio a reflexões sobre um problema matemático, um estalo de genialidade o atingiu, e ele decidiu esculpir sua descoberta em uma ponte usando uma faca. O resultado? Um rabisco aparentemente simples na Ponte Broome que marcaria a história da matemática para sempre:

i² = j² = k² = ijk = -1

Embora pareça um simples ato impulsivo, essa inscrição transformou a maneira como representamos informações matemáticas, simplificando cálculos em inúmeras aplicações práticas — desde a construção de pontes até a programação de sondas espaciais. Vamos entender melhor o que esse famoso grafite significa e por que ele é tão importante.

Uma solução inesperada para as rotações no espaço

O desafio que intrigava Hamilton era encontrar uma forma prática de descrever direções em um espaço tridimensional. Naquela época, já se sabia como localizar objetos com coordenadas x, y e z. Porém, quando o assunto era rotacionar esses objetos, os cálculos se complicavam, exigindo geometrias esféricas intrincadas. Hamilton buscava um método mais direto.

Inspirou-se em como as rotações em duas dimensões eram descritas usando números complexos, que têm uma parte real e uma imaginária, multiplicada pelo número i — conhecido como a raiz quadrada de -1. Jean Argand e John Warren já haviam descoberto que esses números podiam ser representados como pontos em um plano, e que multiplicá-los por i resultava em uma rotação de 90 graus, como se você retrocedesse os ponteiros de um relógio das 12h15 para as 12h.

“Aqui, enquanto caminhava em 16 de outubro de 1843, Sir William Rowan Hamilton, em um lampejo de genialidade, descobriu a fórmula fundamental para a multiplicação de quaterniões i² = j² = k² = ijk = -1 e a gravou em uma pedra desta ponte.”

Hamilton e sua busca pela quarta dimensão

Fascinado por esse método, Hamilton decidiu expandi-lo para três dimensões, imaginando um plano complexo que contivesse uma nova direção, representada pelo número imaginário j. Contudo, após meses de tentativas e falhas, percebeu que para manter a simplicidade das rotações, precisaria ir além: adicionar uma quarta dimensão, com um terceiro número imaginário, k.

Representar um número complexo como um ponto em um plano e multiplicá-lo por i resulta em uma rotação de 90° no sentido anti-horário da linha associada.

Nesse novo universo matemático, o eixo k precisava ser perpendicular aos outros três, com uma definição particular: k² = -1 e k = ij = -ji. Juntando tudo, ele criou a fórmula i² = j² = k² = ijk = -1. Essa foi a descoberta que ele gravou na pedra da ponte, no que talvez tenha sido o primeiro “grafite acadêmico” da história.

Quaternions: os números que revolucionaram as rotações

Hamilton deu o nome de “quaternions” a esse sistema de números em quatro dimensões. Eles se tornaram uma ferramenta poderosa para calcular rotações em três dimensões, sendo usados hoje para guiar satélites e controlar robôs. Mas o grande segredo dos quaternions está em sua parte imaginária, que Hamilton chamou de “vetor”.

Um vetor (r) pode ser imaginado como uma seta que liga o ponto O ao ponto com coordenadas (x, y, z).

Um vetor é como uma seta que aponta não apenas uma direção, mas também uma força. Imagine uma seta que sai de um ponto de origem (zero) e aponta para a localização de um objeto (x, y, z), representando essa posição como x i + y j + z k. Esse conceito de vetor se tornou essencial para a física e a engenharia, facilitando desde cálculos de movimentos até o design de motores de foguetes.

A evolução dos vetores e a chegada de Heaviside

Cerca de 50 anos depois, Oliver Heaviside, um inventor britânico um tanto peculiar, refinou a ideia de Hamilton, substituindo os números imaginários por vetores reais. A essência, porém, permaneceu inalterada: as regras para multiplicar vetores e os próprios componentes dos vetores continuaram a ser os mesmos.

Hamilton também identificou duas maneiras de multiplicar vetores: uma que resulta em um número, o chamado produto escalar, e outra que produz um novo vetor, conhecido como produto vetorial. Esses dois tipos de multiplicação são fundamentais em fórmulas que explicam forças eletromagnéticas, essenciais para nossos dispositivos eletrônicos.

Notação compacta e o legado dos quaternions

Durante sua pesquisa, Hamilton criou uma notação compacta para seus quaternions, usando letras gregas para representá-los. Mais tarde, essa prática foi substituída por letras em negrito, como sugerido por Heaviside, e permanece um padrão na matemática atual. Um exemplo notável é uma das equações de Maxwell, que descreve a relação entre os campos elétricos e magnéticos:

∇ × E = -∂B/∂t

Com uma simbologia enxuta, essa equação demonstra como um campo elétrico (E) reage às mudanças de um campo magnético (B). Sem essa notação vetorial, seriam necessárias três equações complexas, cheias de coordenadas e operações complicadas.

Um visionário persistente

Embora Hamilton não tenha vivido para ver seu trabalho plenamente reconhecido, sua perseverança em manter-se firme na crença de que sua descoberta um dia seria valorizada foi recompensada. Seu entusiasmo não era vaidade, mas sim a certeza de que seus quaternions poderiam transformar a forma como lidamos com as leis físicas.

A versão detalhada da equação. É evidente que a notação vetorial facilita bastante o trabalho.

James Clerk Maxwell, um físico escocês notável, foi um dos primeiros a perceber o valor da notação vetorial criada por Hamilton. Ele incorporou essas ideias em suas teorias eletromagnéticas, que formam a base de grande parte da eletrônica moderna.

Hoje, programadores da NASA e desenvolvedores de gráficos digitais continuam a utilizar quaternions para simplificar cálculos de rotação, mostrando que essa antiga descoberta tem relevância no mundo moderno. Cada vez que você vê um personagem girando suavemente em um jogo de videogame ou um satélite se ajustando no espaço, há um pouco da genialidade de Hamilton por trás.

O dia de Hamilton e seu legado imortal

Todos os anos, no dia 16 de outubro, matemáticos e entusiastas refazem a caminhada de Hamilton ao longo do Canal Real de Dublin, celebrando o “Dia de Hamilton”. Eles relembram a trajetória do homem que, com um simples grafite em uma ponte, mudou o curso da matemática e da ciência.

Mas, mesmo para aqueles que não sabem o que é um quaternion, as aplicações de sua descoberta estão presentes em nosso cotidiano. Desde a orientação precisa de robôs até a forma como processamos dados em motores de busca, todos nós usufruímos das ideias que Hamilton esculpiu na pedra de uma ponte. [The Conversation]

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