Um dos desafios frequentes da paternidade está em lidar com uma criança que come poucos alimentos – hábito conhecido como “frescura para comer”. Cerca de 20% das crianças com idades entre 2 a 6 têm uma ideia tão restrita do que querem comer que podem tornar a hora da refeição em um campo de batalha.
Um estudo publicado na última semana na revista “Pediatrics” mostra que, em casos extremos, a alimentação seletiva pode ser associada a um problema mais profundo, como um sintoma de depressão ou a ansiedade social.
O estudo seguiu um amplo espectro de crianças que tinham ido para a Universidade de Duke para cuidados médicos de rotina. A maioria das crianças não gosta de alguns alimentos (brócolis é um vilão comum), mas os pesquisadores enquadravam uma criança como um “comedor exigente sério” se suas opções de alimentos fossem tão limitadas que tornassem refeições em casa difíceis e refeições fora de casa quase impossíveis.
Esses casos extremos eram raros – apenas 3% de todas as crianças. Mas, segundo o estudo, como um grupo, eles tinham duas vezes mais probabilidade do que as crianças que não eram exigentes de ter um diagnóstico de depressão, e sete vezes mais probabilidade de terem sido diagnosticadas com ansiedade social.
Nem todos são casos médicos
Nancy Zucker, diretora do Centro para Distúrbios Alimentares Duke, diz que os pais de crianças que são extremamente seletivas podem achar útil procurar ajuda profissional, porque as crianças não podem simplesmente superar o comportamento por conta própria. Mesmo que eventualmente o façam, isso pode ser prejudicial para crianças e familiares até que elas superem.
A grande questão é o que fazer sobre casos menos extremos, que no estudo Duke compunham 17% de todas as crianças. Estas têm uma lista de alimentos que simplesmente não comem. “Elas eram mais sensíveis a gosto, cheiro, textura e a pistas visuais como a luz”, explica Zucker. “Elas também tinham níveis mais elevados de sintomas de ansiedade e sintomas depressivos”. Porém, esses sintomas não chegam a cruzar a linha para um diagnóstico formal, “o que é importante ressaltar, porque eu realmente não quero causar pânico entre os pais”.
A sensibilidade dessas crianças à alimentação significa que elas, de acordo com a pesquisadora, têm uma experiência de vida potencialmente mais rica, mais viva. Mas poderia ser uma vulnerabilidade se isso cruza um limite e começa a prejudicá-las.
No supermercado
Encontrar alimentos que uma criança queira comer é frustrante para muitos pais, mas há relativamente poucos estudos sobre este assunto. Ser exigente na hora de comer não é algo que diz respeito apenas às crianças – este hábito também nos diz muito sobre o relacionamento mais amplo da sociedade com a comida.
“Nossas noções do que é uma alimentação típica mudaram radicalmente nos últimos cem anos”, afirma Kathleen Kara Fitzpatrick, psicóloga da Escola de Medicina da Universidade de Stanford. Crianças norte-americanas comem alimentos sólidos em idade mais avançada, mais lentamente do que costumavam e muitas vezes com uma faixa mais estreita de alimentos. “É por isso que a maioria dos menus infantis em restaurantes parecem exatamente o mesmo”, diz ela.
As escolhas alimentares também têm raízes biológicas. “Você não quer que seu filho coma qualquer coisa, porque daí ele vai comer sujeira, cabelos e cocô de gato”. Recusar muitos alimentos pode, em parte, ser um exagero natural da defesa contra o envenenamento. Beverly Tepper, professora de Ciência Alimentar da Universidade Rutgers, diz que essas reações ocorrem, na verdade, antes mesmo da comida chegar na boca de uma criança.
Muito além do sabor
O primeiro e mais forte teste não é o gosto da comida, mas como ela é visualmente. “Uma vez que tenhamos passado a fase do como é essa comida, sentimos o cheiro dela e, se ela tem um odor atraente, podemos nos interessar em consumi-la ou prová-la”, enumera Tepper.
Nesse ponto, textura e sabor entram em jogo. O amargor desempenha um papel crítico na aceitação ou rejeição de alimentos (o que explica muito sobre as crianças e o brócolis). A pesquisadora de Rutgers diz que a reação de um indivíduo à amargura é em parte uma característica genética, portanto, algumas crianças serão naturalmente mais avessas a alimentos amargos.
Para ela, o que é notável não é que as crianças muitas vezes rejeitem alimentos amargos, mas por que alguém desenvolve o gosto pela amargura. “Dietas mais saudáveis tendem ter mais variedade. Portanto, este pode ser um mecanismo que garante uma maior variedade na dieta”.
A maioria de nós fica mais receptivo a experimentar novos alimentos à medida que crescemos e o processo de aceitação fica mais fácil. Adultos podem precisar experimentar novos alimentos uma ou duas vezes antes de decidir se gostam deles ou não. Em contraste, explica Fitzpatrick, crianças típicas podem precisar de oito exposições, e “comedores seletivos extremos podem exigir 52 ou mais apresentações de um alimento antes de ele não ser mais considerado novo”.
Essa é uma razão pela qual não é fácil para os pais treinar algumas crianças a não serem tão exigentes. Pode dar muito trabalho, mas também pode valer a pena.
“O que eu sugiro ao pais é, se vai haver ‘aventuras alimentares’, que elas aconteçam durante o lanche”, aconselha Zucker, explicando que é melhor não perturbar o tempo socialmente importante das refeições para travar uma briga por causa da comida. E, vale lembrar, a maioria das crianças eventualmente irá desenvolver um paladar muito mais amplo. [NPR, Live Science]