Se o seu avós ou pais com mais de 50 anos estiverem por perto, peça a eles que contem qualquer história da vida. É provável que eles vão contar algum episódio acontecido quando eles tinham entre 15 e 30 anos. Essa fase é conhecida como o “pico de reminiscência”.
Este pico da memória começou a chamar atenção dos pesquisadores na década de 1980, quando estudos começaram a trazer evidências de que a memória tem uma afinidade peculiar com acontecimentos que se passaram na terceira década da vida. Eles não sabiam se o que causava essas memórias detalhadas era a forma com a qual nosso cérebro de 20 e poucos anos codifica informações, se é por conta dos tipos de eventos que acontecem nessa fase da vida ou se memorizamos melhor os marcos da vida que acontecem nessa época.
É entre o final da adolescência e os 30 anos que a maioria das pessoas se forma na escola ou universidade, arruma o primeiro emprego, faz a primeira viagem sem os pais, que têm a primeira paixão, faz sexo pela primeira vez, se casa e até tem filhos. Um estudo de 1988 mostrou que 93% das memórias vívidas são sobre eventos que aconteceram pela primeira vez.
O cérebro jovem também codifica melhor informações sobre o mundo porque o órgão está em plena forma. A função cognitiva sofre um declínio com a idade e o fluxo das memórias pode ficar mais lento.
Mas aqui entra um dado curioso: um estudo de 2010 de Annette Bohn e Dorthe Berntsen acabou criando o pico da reminiscência em crianças que nem haviam passado por essa fase ainda. Eles pediram que alunos entre 10 e 14 anos escrevessem suas histórias de vida como se fossem idosos. Mesmo essas crianças descreveram em maiores detalhes os anos da juventude, entre 20 e 30 anos.
Isso motivou a criação de uma outra teoria sobre o pico, que foca nos fatores motivacionais da memória. Ela sugere que organizamos eventos que nos ajudam a entender quem somos. Isso se chama “perspectiva da narração”.
Segundo esta teoria, a memória é condicionada culturalmente. Lembramos melhor dos eventos que nos definem como pessoas e reforçam a imagem de quem pensamos ser. Assim, a noção de identidade e a memória estariam bastante conectadas.
A importância das memórias na fase dos 20 anos de vida ajudaria a explicar por que remakes de filmes ou adaptações de livros para o cinema costumam acontecer exatamente 20 anos depois que os originais saem pela primeira vez. Coisas que tocam as pessoas quando elas são jovens continuam presentes em suas vidas até que elas cheguem à fase em que sua própria geração começa a produzir cultura em peso– ao redor dos 40 anos.
Mesmo assim, ainda há muitas perguntas sem respostas, que com certeza renderão ótimos estudos no futuro. Há algo na juventude que nos faz relacionar o mundo externo com o interno com mais intensidade do que em outras fases da vida? Passar por uma nova fase de “primeiras vezes” na vida madura causaria um segundo pico de reminiscência? [Slate, Science Alert]