A mulher que desaprendeu a ler, mas continua escrevendo
A medicina já está familiarizada com um distúrbio neurológico chamado alexia, em que o paciente perde a habilidade da leitura e escrita após um dano cerebral, embora continue falando. Mas uma professora de jardim de infância de Massachussets, nos EUA, foi exemplo de um caso raro. Ela perdeu apenas a capacidade de ler, do dia para a noite, e todas as suas outras funções linguísticas do cérebro – inclusive escrever! – permaneceram intactas.
A professora, identificada apenas pelas iniciais MP, viveu um drama desesperador. Em uma bela manhã, com as crianças na escola, ela foi fazer a chamada e não conseguia ler o nome dos aluninhos. Intrigada, passou os olhos pelos seus planos de aula, e nada; um monte de símbolos incompreensíveis no papel. O martírio atingiu seu pico na hora de decorar a sala para o dia das bruxas: entre abóboras e vassouras, ela sequer foi capaz de soletrar “Halloween” na parede.
MP, conforme os médicos descobririam, sofreu um derrame cerebral. O distúrbio neurológico foi batizado pelo que os médicos chamam de “alexia sem agrafia”, já que a destreza na escrita é conservada. A zona responsável pela linguagem, no hemisfério esquerdo do cérebro, perdeu conexão com o córtex visual, o que impediu a leitura, mas todas as outras ligações entre a zona da linguagem e o mundo exterior foram conservadas.
Os doutores também descreveram que a paciente ainda é capaz de ler, de certa maneira. Embora não reconheça os caracteres, ela manteve uma espécie de “ligação emocional” com o texto: quando passou os olhos pela palavra “sobremesa”, ela teve uma resposta entusiasmada, afirmando que gostava daquilo (mas não sabia o que era), e quando viu a palavra “aspargo”, a reação foi negativa dizendo que algo naquela palavra a deixou chateada. Testes diferentes mostraram resultados semelhantes. É como se uma parte oculta da mente da professora ainda saiba o que está escrito quando vê uma palavra.
Além disso, MP desenvolveu uma técnica alternativa para conseguir continuar a ler. Diante de uma palavra escrita, ela tapa todas as letras com a mão e deixa apenas a primeira à mostra. Como ainda sabe escrever, passa o lápis por cima da letra desconhecida escrevendo cada letra do alfabeto, desde o “a”, até que o traçado dela “encaixe” com a letra em questão. Dá trabalho, mas é possível. Nada como uma crise para aguçar a criatividade. [PopSci / Neurology Journal]
3 comentários
Este fato não é tão incomum, muito menos desconhecido. Os antigos já haviam diagnosticado e desenvolveram tratamento que fizeram questão de nos passar pela cultura oral : “Escreveu não leu, o pau comeu!”
Tudo bem que parece tratamento do Analista de Bajé, mas também pode ser tido como meramente pavloviano.
Isto acontece pois a área responsável pela parte motora da fala está localizada no lobo frontal: parte opercular (também conhecida como área de broca) e a área que é responsável pela compreensão da linguagem se encontra no giro temporal superior (área de Wernicke), portanto a linguagem como um todo é processada em duas áreas diferentes do cérebro, dado a esta configuração morfológica, algumas patologias geram resultados como o descrito acima…
É possível que com fisioterapia outra parte do cérebro seja treinada para ela reaprender a ler. O exercício de cobrir as letras já é um início bom. A capacidade motora não foi prejudicada, talvez a cognitiva.