“Desistir da vida”: a condição médica assustadora que mata por apatia

Por , em 27.10.2018

Só força de vontade pode não ser suficiente para vencer uma situação difícil, mas certamente faz muita diferença.

De acordo com uma nova pesquisa, pessoas podem morrer simplesmente por desistir da vida. Uma vez que entram em um estado no qual acham que a derrota é inescapável, a morte pode mesmo se tornar real.

Segundo o Dr. John Leach, pesquisador da Universidade de Portsmouth (EUA), o estudo é o primeiro a descrever os marcadores clínicos da “desistência da vida”, condição conhecida cientificamente como morte psicogênica.

Morte psicogênica

A condição geralmente segue um trauma do qual uma pessoa pensa que não há escapatória, fazendo com que a morte pareça o único resultado racional. Ela geralmente ocorre três semanas após o aparecimento do primeiro estágio.

“Não é suicídio e não está ligado à depressão. O ato de desistir da vida é uma condição muito real, muitas vezes ligada a traumas graves”, esclarece Leach.

O pesquisador descreveu os cinco estágios que levam ao declínio psicológico progressivo e sugere que a desistência da vida pode se originar de uma mudança em um circuito frontal-subcortical do cérebro, que governa nosso comportamento direcionado a objetivos. O candidato provável é o circuito cingulado anterior, responsável pela motivação.

“O trauma grave pode desencadear o mau funcionamento do circuito cingulado em algumas pessoas. A motivação é essencial para lidar com a vida e, se isso falhar, a apatia é quase inevitável”, explica.

Há “cura”?

A morte não é inevitável, e pode ser revertida por coisas diferentes em cada estágio. As intervenções mais comuns são atividade física e/ou a pessoa ser capaz de ver que uma situação está, pelo menos parcialmente, sob seu controle.

Ambos esses fatores desencadeiam a liberação da substância química dopamina no organismo.

“Reverter o declínio da morte psicogênica tende a acontecer quando um sobrevivente encontra ou recupera um senso de escolha, de ter algum controle, e tende a ser acompanhado por uma cura das feridas psicológicas e renovação do interesse pela vida”, concluiu o Dr. Leach.

Os cinco estágios

1. Retirada social

O primeiro estágio, de retirada social, ocorre geralmente após um trauma psicológico. As pessoas nesta fase podem mostrar falta de emoção e indiferença, tornando-se “absorvidas” em seu próprio mundo.

Prisioneiros de guerra têm sido frequentemente descritos neste estado inicial. Eles se “retiram” da vida social, vegetando ou tornando-se passivos.

De acordo com Leach, a retirada social pode ser uma maneira de lidar com uma situação ruim. Ou seja, se afastar de qualquer envolvimento emocional externo para permitir um realinhamento interno da estabilidade emocional. Mas, se não for controlada, pode evoluir para apatia.

2. Apatia

Uma “morte emocional” simbólica, a profunda apatia é comum em prisioneiros de guerra e sobreviventes de naufrágios e acidentes aéreos. É uma melancolia desmoralizante, diferente da raiva, da tristeza ou da frustração.

Também já foi descrita como a ausência do esforço para se conservar. As pessoas nesta fase ficam muitas vezes “desgrenhadas”, sem instinto de higiene.

Funciona como um grave desânimo, onde até mesmo a menor tarefa parece exigir o maior esforço possível.

3. Aboulia

Esse estágio corresponde a uma grave falta de motivação associada a uma resposta emocional abafada, falta de iniciativa e incapacidade de tomar decisões.
É improvável que as pessoas nesta fase conversem. Frequentemente, desistem de se lavar ou comer.

No geral, a pessoa perde sua motivação intrínseca – a capacidade ou o desejo de começar a agir para se ajudar -, mas ainda pode ser motivada por outras pessoas, por meio de educação persuasiva, raciocínio, antagonismo e até agressão física.

“Uma coisa interessante sobre a aboulia é que parece haver uma mente vazia ou uma consciência desprovida de conteúdo. As pessoas que se recuperaram deste estágio descrevem-no como ter uma mente como mingau, ou não ter nenhum pensamento”, informa o Dr. Leach.

4. Acinesia psíquica

Nesse estágio, a pessoa está consciente, mas em estado de profunda apatia e insensível a dores extremas. Muitas vezes são incontinentes, e deitam-se em cima de suas próprias excreções.

A falta de resposta à dor foi descrita em um estudo de caso em que uma jovem, diagnosticada posteriormente com acinesia psíquica, sofreu queimaduras de segundo grau ao visitar a praia, porque não saiu do sol.

5. Morte psicogênica

O estágio final é a desintegração de uma pessoa. “É quando alguém desiste. Ela pode estar deitada em seus próprios excrementos e nada – nenhum aviso, espancamento ou súplica – pode fazê-la querer viver”, diz o Dr. Leach.

Nos campos de concentração, as pessoas que chegaram a esse estágio eram normalmente reconhecidas porque começavam a fumar.

Cigarros eram altamente valiosos nessas prisões, e podiam ser trocados por coisas importantes, como comida. “Quando um prisioneiro pegava um cigarro e o acendia, seus companheiros sabiam que a pessoa havia realmente desistido, perdido a fé em sua capacidade de continuar e logo estaria morta”, conta.

O progresso do estágio quatro, a acinesia psíquica, para o estágio cinco, a morte psicogênica, geralmente leva de três a quatro dias.

Pouco antes da morte, há frequentemente um falso “despertar”, um lampejo de vida, como quando alguém de repente desfruta de um cigarro.

“Parece brevemente que o estágio de ‘mente vazia’ passou e foi substituído pelo que poderia ser descrito como um comportamento direcionado a um objetivo. Mas o paradoxo é que, enquanto um cintilar de comportamento direcionado a um objetivo frequentemente ocorre, o objetivo em si parece ser perder a vida”, finaliza o pesquisador. [MedicalXpress]

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