Há algo seriamente errado em nossa compreensão do universo

Por , em 3.10.2024
Uma supernova antiga, proveniente do início do universo, foi ampliada e duplicada três vezes (pontos circulados) devido ao fenômeno de lente gravitacional. (Crédito da imagem: NASA, ESA, CSA, STScI, B. Frye (Universidade do Arizona), R. Windhorst (Universidade Estadual do Arizona), S. Cohen (Universidade Estadual do Arizona), J. D'Silva (Universidade da Austrália Ocidental, Perth), A. Koekemoer (Instituto de Ciência do Telescópio Espacial), J. Summers (Universidade Estadual do Arizona))

O Telescópio Espacial James Webb (JWST) fez uma descoberta intrigante ao observar uma supernova antiga. E com isso, uma crise na cosmologia — a famosa “tensão de Hubble” — ganhou mais força, indicando que nossos modelos do universo podem estar mais equivocados do que pensávamos.

O problema de medir o crescimento do universo

A questão central da tensão de Hubble é que o universo parece estar se expandindo a ritmos diferentes dependendo de onde você olha. É como se estivéssemos medindo o crescimento de uma criança e, dependendo do ângulo, ela parece crescer de forma diferente. As medições feitas de regiões distantes, próximas ao início do universo, mostram que a taxa de expansão (a constante de Hubble) segue de perto o que nossos modelos preveem. No entanto, medições mais próximas de casa, aqui na Terra, sugerem uma expansão muito mais rápida — o suficiente para quebrar nossas previsões. E não, quebrar previsões científicas não é algo que os astrônomos apreciam.

Um novo estudo, que utilizou a luz distorcida gravitacionalmente de uma supernova localizada a impressionantes 10,2 bilhões de anos-luz, acrescenta mais lenha nessa fogueira científica. Os pesquisadores publicaram suas conclusões no The Astrophysical Journal, e os cálculos envolvendo essa constante de Hubble foram aceitos em outra publicação, agora disponível no banco de dados arXiv.

A constante que causa dores de cabeça

A constante de Hubble não é algo trivial. Imagine medir a velocidade de algo que você mal consegue ver a olho nu. Um dos métodos mais antigos e respeitados para calcular essa expansão cósmica envolve analisar minúsculas flutuações na radiação cósmica de fundo, um eco do Big Bang que aconteceu cerca de 13,8 bilhões de anos atrás. Esse método aponta para uma taxa de expansão de aproximadamente 67 quilômetros por segundo por megaparsec (ou seja, cerca de 67 km/s/Mpc), número que coincide com o que os modelos cosmológicos informam.

Mas quando você observa as estrelas Cefeidas — que, ao contrário de nós, têm um padrão de brilho constante — e calcula a expansão mais próxima, o número sobe para 73,2 km/s/Mpc. Pode parecer pouca diferença, mas em escalas cósmicas, é o equivalente a descobrir que você cresceu cinco centímetros enquanto dormia. A discrepância entre esses números está na origem do problema, jogando uma chave de fenda no meio do motor do nosso modelo padrão do universo.

Estrelas Cefeidas

A supernova rebelde que complicou tudo

Ao investigar um aglomerado de galáxias chamado PLCK G165.7+67.0 (não exatamente o nome mais fácil de lembrar), os astrônomos utilizaram o JWST para observar três pontos de luz distintos. Todos eles vieram de uma única supernova do tipo IA, uma explosão estelar que ocorre quando uma estrela cai sobre o resíduo de uma estrela morta, criando uma explosão nuclear. O que torna essas explosões fascinantes é que elas sempre acontecem com a mesma intensidade luminosa, o que faz delas um “padrão ouro” para medir distâncias no universo.

A luz da supernova foi ampliada e distorcida gravitacionalmente por uma galáxia em primeiro plano, e com base nos atrasos temporais entre os três pontos observados, os cientistas puderam calcular a constante de Hubble usando esse método. O resultado? Um número completamente diferente: 75,4 km/s/Mpc (com uma margem de erro que vai de 8,1 para cima e 5,5 para baixo). Ou seja, mais uma vez, o número não bate com o que esperávamos.

Será que o universo está pregando peças em nós?

Essa nova descoberta reforça que a chamada “energia escura“, aquela força misteriosa que acreditamos estar impulsionando a expansão do universo, pode estar agindo de maneira mais complexa do que supomos. Talvez o universo seja como aquele amigo que diz que está “tudo bem”, mas você sabe que não está. O mistério não será resolvido tão cedo, e os cientistas continuarão investigando essa questão usando outras explosões estelares e mais observações cósmicas.

Como sempre, o JWST permanece na linha de frente, fornecendo dados que desafiam nosso entendimento e forçando os cientistas a revisitar e refinar seus modelos do universo. Quem sabe o que mais ele pode revelar sobre o cosmos? É como se o telescópio estivesse nos dizendo: “Vocês não viram nada ainda”.

Ilustração da evolução do universo mostra o Big Bang à esquerda e o presente à direita. (Crédito da imagem: NASA / Equipe Científica WMAP)

Efeitos gravitacionais e o que eles podem nos ensinar

Curiosidade científica: o fenômeno que distorce a luz da supernova é chamado de “lente gravitacional”. Quando uma grande massa, como uma galáxia, está entre uma fonte de luz distante e a Terra, sua gravidade curva o espaço ao redor, distorcendo a luz como uma lente de aumento. Essa “trapaça” natural é o que nos permite estudar objetos distantes, como essa supernova. Lentes gravitacionais são uma ferramenta fundamental para a astronomia moderna e, quem diria, podem até nos ajudar a resolver a tensão de Hubble — ou pelo menos adicionar mais mistério à equação.

Para mais descobertas cósmicas fascinantes, acompanhe os estudos que surgem a partir dessas observações na próxima publicação de pesquisadores sobre o tema. Se você achou que entendíamos o universo, o Telescópio James Webb está aqui para te lembrar que a ciência sempre tem uma carta na manga.

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