Esse era o elo que faltava para termos uma internet quântica

Por , em 24.03.2020

Um novo estudo da Universidade de Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (ambos nos EUA) resolveu o elo que faltava para termos uma internet quântica funcional e prática: uma forma de corrigir os sinais perdidos.

Pesquisadores tentam criar uma rede quântica há mais de vinte anos. Até hoje, a maior dificuldade tem sido enviar sinais quânticos por grandes distâncias sem perda.

O que os cientistas americanos realizaram foi encontrar uma maneira de corrigir essa perda de sinal com um protótipo de “nó quântico” que pode capturar, armazenar e emaranhar bits de informações quânticas.

“Esta demonstração é uma inovação conceitual que pode estender o maior alcance possível de redes quânticas e potencialmente possibilitar muitas novas aplicações de uma maneira que é impossível com qualquer tecnologia existente”, explicou Mikhail Lukin, um dos autores da pesquisa.

Mensagens clássicas versus mensagens quânticas

Do primeiro telégrafo até a internet de fibra ótica atual, toda tecnologia da comunicação precisou lidar com o fato de que os sinais se degradam e são perdidos quando transmitidos a longas distâncias. É por isso que os repetidores foram inventados, láááá na metade dos anos 1800.

Duzentos anos se passaram, e ainda usamos esta técnica na nossa infraestrutura de comunicação de longa distância para amplificar e corrigir erros.

Por exemplo, em uma rede clássica, se João quer enviar uma mensagem para Maria, essa mensagem viaja em uma linha mais ou menos reta, passando por repetidores, onde é lida, amplificada e corrigida. Esse processo é, infelizmente, vulnerável a ataques.

No caso de uma rede quântica, são utilizadas partículas de luz – fótons – entrelaçadas (ou emaranhadas) para se enviar uma mensagem. O emaranhamento quântico permite que bits de informação sejam correlacionados perfeitamente entre dois pontos distantes. Uma vez que eles não podem ser observados sem mudar sua natureza, mensagens entrelaçadas são totalmente seguras, ou seja, não podem ser hackeadas.

Acontece que a comunicação quântica, tanto quanto a clássica, também é afetada pela perda convencional de fótons. O que a torna ultra segura, no entanto, é o mesmo motivo pelo qual não podemos usar repetidores para consertar essa perda de informação.

Como amplificar e corrigir um sinal quântico, se não podemos lê-lo?

A solução é o que os pesquisadores chamam de “repetidor quântico”. Ao contrário do clássico, que repete um sinal através de uma rede existente, o quântico cria uma nova rede de partículas entrelaçadas para retransmitir a mensagem.

A cada estágio desta rede quântica, um repetidor deve ser capaz de capturar e processar bits de informação quântica para corrigir erros, armazenando-os por tempo suficiente para que o resto da rede fique pronto.

Aqui, entram dois grandes problemas: fótons são superdifíceis de capturar, e a informação quântica é muito frágil e complicada de armazenar.

Para contornar essas dificuldades, os cientistas do novo estudo têm trabalhado em um sistema que possa executar bem essas duas tarefas: centros de cor em diamantes.

Oi?! O que é isso?

Esses “centros” são pequenos “defeitos” na estrutura atômica de um diamante que podem absorver e irradiar luz, dando origem às cores brilhantes da joia preciosa.

Os pesquisadores integraram tal centro em um diamante nanofabricado, que confina os fótons, forçando-os a interagir com ele.

Em seguida, colocaram o dispositivo em um refrigerador de diluição, que atinge temperaturas próximas ao zero absoluto, e enviaram fótons individuais através de cabos de fibra ótica para o refrigerador, onde foram capturados e presos com eficiência pelo centro de cor.

“Nos últimos anos, nossos laboratórios têm trabalhado para entender e controlar os centros de cores, principalmente como usá-los como dispositivos de memória quântica para fótons individuais”, disse Mihir Bhaskar, outro autor do novo estudo.

Armazenamento

O dispositivo pode armazenar informações quânticas por milissegundos, o que é tempo suficiente para que sejam transportadas por milhares de quilômetros.

Eletrodos ao redor do diamante foram utilizados para fornecer sinais de controle para processar e preservar as informações armazenadas na memória.

“Este dispositivo combina os três elementos mais importantes de um repetidor quântico – memória longa, a capacidade de capturar informações de fótons com eficiência, e a capacidade de processá-las localmente. Cada um desses desafios havia sido resolvido separadamente, mas nenhum dispositivo [até hoje] tinha combinado os três”, afirmou outro membro da pesquisa, Bart Machielse.

Testando no mundo real

A internet quântica tem diversas aplicações interessantes: pode ser usada para enviar mensagens à prova de hacking, melhorar a precisão do GPS e permitir computação quântica baseada em nuvem.

A nova pesquisa representa a primeira demonstração em nível de sistema de grandes avanços em nanofabricação, fotônica e controle quântico que podem tornar essa tecnologia real, demonstrando a vantagem quântica na comunicação de informações.

“Atualmente, estamos trabalhando para estender essa pesquisa implantando nossas memórias quânticas em links de fibra ótica urbanos reais. Planejamos criar grandes redes de memórias quânticas emaranhadas e explorar as primeiras aplicações da internet quântica”, concluiu ainda outro pesquisador do estudo, Ralf Riedinger.

Um artigo sobre a pesquisa foi publicado na prestigiada revista científica Nature. [Phys]

Deixe seu comentário!