Menino perde uma enorme parte do cérebro e ninguém consegue notar a diferença
Você pode viver sem o baço, mas não sem o cérebro, não é mesmo? Logo, provavelmente não é uma boa ideia remover um grande pedaço dele em uma cirurgia. As consequências devem ser desastrosas.
Ou não. Um novo estudo de caso publicado na revista científica Cell Reports relatou o sucesso de uma operação desse tipo realizada em um garoto de 6 anos.
Os médicos removeram partes grandes do lado direito de seu cérebro devido a um tumor que estava causando convulsões na criança. Três anos depois, ele teve uma recuperação quase completa, com outras áreas de seu cérebro compensando a perda. Mal dá para notar que o menino não tem um enorme pedaço do seu principal órgão.
O caso
A criança identificada apenas como “UD” começou a ter convulsões quando tinha apenas 4 anos de idade. Por conta do tumor, desenvolveu uma epilepsia que somente piorou com o tempo. Nenhum tratamento convencional parecia melhorar sua qualidade de vida.
Sem outras opções, os médicos tomaram a decisão incrivelmente difícil de remover uma grande parte do cérebro do menino – aproximadamente um terço do hemisfério direito – quando ele tinha 6 anos de idade.
A cirurgia envolveu partes do órgão que gerenciam informações sensoriais, incluindo visão e som, como o lobo occipital e o lobo temporal. O lobo occipital é um dos quatro principais lobos do córtex cerebral e fica na parte de trás do cérebro. É responsável por processar informações visuais e vincular as imagens resultantes a memórias. Ambos os lados direito e esquerdo do lobo occipital trabalham juntos para processar a entrada visual, mas têm “especialidades” em termos de processamento visual; por exemplo, o lado direito está fortemente envolvido no reconhecimento de rostos, enquanto o esquerdo domina a identificação de palavras escritas.
O outro lobo afetado, o lobo temporal, é outro dos quatro lobos principais. Faz fronteira com o lobo occipital na parte inferior do córtex cerebral. Este lobo processa informações auditivas e ajuda a integrar memórias com sons e outras informações sensoriais.
Após a cirurgia, os médicos e pesquisadores esperavam que as convulsões cessassem, mas não sabiam exatamente como o cérebro de UD lidaria com a perda. No pior cenário, as redes cerebrais não se reorganizariam para compensar a perda, e UD teria graves deficiências de processamento visual e sensorial.
Sucesso
Agora, três anos após a data da operação, o menino está muito melhor do que os médicos esperavam. Sua cognição e inteligência são equiparadas com outras crianças de sua faixa etária, graças ao lado esquerdo de seu cérebro trabalhando uma dupla jornada.
Conforme os pesquisadores que analisaram o caso explicam, o cérebro de UD não compensou totalmente a perda da região, mas chegou bem perto disso. Por exemplo, ele tem um ponto cego permanente em seu lado esquerdo. Mas o garoto lida facilmente com a situação, simplesmente movendo os olhos e a cabeça para capturar a visão periférica completa em seu lado esquerdo.
Em outras palavras, UD não recuperou a função no córtex visual de “ordem inferior”, ou seja, funções básicas como a visão periférica, mas recuperou todo o funcionamento mais complexo do córtex visual, o de “ordem superior”.
A neurocientista cognitiva Marlene Behrmann, da Universidade Carnegie Mellon (EUA), também esclarece que UD pontuou acima da média em testes de QI e estava dentro de uma faixa normal de percepção visual para sua idade. Além disso, se sai muito bem em reconhecer rostos, discriminar objetos, perceber formas globais e em testes de proficiência em leitura.
Conclusão
Os resultados da ressonância magnética funcional durante o acompanhamento de três anos indicaram que o lado esquerdo do lobo occipital continuava a lidar com o processamento de texto enquanto se reorganizava gradualmente para cobrir também o reconhecimento facial – uma tarefa tipicamente dominada pelo lado direito do lobo.
Os médicos acreditam que a incrível recuperação do menino se deve ao fato de ele ainda ser jovem quando a operação foi realizada.
Ao remover o grande pedaço de massa cerebral quando ele tinha apenas 6 anos, o cérebro do garoto teve tempo de se adaptar e criar estratégias à medida que se desenvolvia. Como resultado, o menino conseguiu evitar o tipo de perda cognitiva associada a danos cerebrais sofridos por adultos.
O portal New Scientist informou que o menino quer ser neurologista quando crescer. Maravilhoso, não? [NYPost, ArsTechnica]