O que acontece quando você mistura o mundo quântico com a termodinâmica? Uma revolução

Por , em 9.05.2017

A teoria da termodinâmica é um conjunto de leis que ditam a interação entre temperatura, calor, trabalho, energia e entropia.

Essas leis aplicam-se a tudo, do sol a buracos negros a seres vivos. Sim, tudo mesmo, ou seja, o universo inteiro. A teoria é tão simples e geral que Albert Einstein disse que provavelmente nunca seria desbancada.

Apesar disso, uma das coisas mais estranhas sobre ela é que essas regras parecem subjetivas. Um gás feito de partículas que, em conjunto, parecem ter a mesma temperatura – e que, portanto, seria incapaz de trabalhar – poderia, após uma inspeção mais detalhada, revelar diferenças de temperatura microscópicas que poderiam ser exploradas afinal, a fim de torná-lo útil.

Nos últimos anos, uma compreensão revolucionária da termodinâmica passou a explicar essa subjetividade usando a teoria da informação quântica. Assim como a termodinâmica surgiu inicialmente da tentativa de melhorar as máquinas a vapor, os termodinamicistas de hoje estão estudando o funcionamento das máquinas quânticas.

Termodinâmica quântica

Os cientistas estão encontrando novas versões quânticas das leis termodinâmicas. Reescrever a teoria levou os especialistas a reformular seus conceitos básicos em termos de sua natureza subjetiva, e a desvendar o relacionamento profundo e muitas vezes surpreendente entre energia e informação – os abstratos 1s e 0s pelos quais os estados físicos são distinguidos e o conhecimento é medido.

A “termodinâmica quântica” é um campo em construção, marcado por uma mistura típica de expectativa e confusão.

“Estamos entrando em um novo mundo”, disse Sandu Popescu, físico da Universidade de Bristol, um dos líderes deste esforço de pesquisa. Referindo-se à termodinâmica clássica, completou: “Embora tenha sido muito boa quando começou, agora estamos olhando para ela de uma maneira completamente nova”.

O começo

Em uma carta de 1867 a seu colega escocês Peter Tait, o físico James Clerk Maxwell descreveu seu agora famoso paradoxo insinuando a conexão entre termodinâmica e informação. O paradoxo diz respeito à segunda lei da termodinâmica – a regra que a entropia sempre aumenta. Segundo ela, a energia torna-se cada vez mais desordenada e menos útil conforme se espalha dos corpos mais quentes para os mais frios.

O grande físico austríaco Ludwig Boltzmann mostrou que o fato da energia se dispersar e a entropia aumentar é uma simples questão estatística: existem muitas maneiras da energia se espalhar entre as partículas num sistema (muito mais do que se concentrar, por exemplo), de modo que, conforme as partículas se movem, elas naturalmente tendem para estados nos quais sua energia é cada vez mais compartilhada.

Porém, a carta de Maxwell descrevia um experimento do pensamento em que um ser iluminado – mais tarde chamado de “demônio de Maxwell” – usaria seu conhecimento para diminuir a entropia e violar a segunda lei.

O demônio sabe as posições e velocidades de cada molécula em um recipiente de gás. Ao dividir o recipiente em dois, e abrir e fechar uma pequena porta entre as duas câmaras, o demônio permite que apenas as moléculas de movimento rápido passem pela porta, enquanto as lentas percorrem outro caminho. As ações do demônio dividem o gás em quente e frio, concentrando sua energia e reduzindo sua entropia geral. O gás, antes inútil, agora pode ser usado.

A resolução

Maxwell e outros cientistas se perguntavam como uma lei da natureza poderia depender do conhecimento – ou ignorância – das posições e velocidades das moléculas. Se a segunda lei da termodinâmica depende subjetivamente da informação que uma pessoa tem, em que sentido ela é verdadeira?

Um século mais tarde, o físico norte-americano Charles Bennett, baseando-se em trabalhos anteriores de Leo Szilard e Rolf Landauer, resolveu o paradoxo ligando formalmente a termodinâmica à jovem ciência da informação.

Bennett argumentou que o conhecimento do demônio é armazenado em sua memória, e a memória tem que ser limpa, o que exige trabalho. Em 1961, Landauer calculou que, a temperatura ambiente, pelo menos 2,9 zeptojoules de energia são necessários para um computador apagar um bit de informação armazenada. Em outras palavras, conforme o demônio organiza o gás em quente e frio e diminui a entropia do gás, seu cérebro queima energia e gera entropia mais do que suficiente para compensar. Logo, a entropia geral do sistema gás-demônio aumenta, satisfazendo a segunda lei da termodinâmica.

Quanto mais informações você tem, mais trabalho você pode extrair. O demônio tem muito mais informações do que uma pessoa média.

Teoria da informação quântica

Demorou mais meio século até o surgimento da teoria da informação quântica, um campo nascido na busca por um computador quântico, a fim de que os físicos explorassem as surpreendentes implicações práticas de sua hipótese.

Durante a última década, Popescu e seus colegas de Bristol, juntamente com outros grupos, argumentaram que a energia se espalha para objetos frios de objetos quentes devido à forma como as informações se espalham entre as partículas.

De acordo com a teoria quântica, as propriedades físicas das partículas são probabilísticas; em vez de serem representáveis como 1 ou 0, podem ter alguma probabilidade de ser 1 e alguma probabilidade de ser 0 ao mesmo tempo. Quando interagem, também podem ficar emaranhadas, juntando as distribuições de probabilidade que descrevem ambos os estados.

Um pilar central da teoria quântica é que a informação – os 1s e 0s probabilísticos que representam os estados das partículas – nunca é perdida.

Seta termodinâmica

Ao longo do tempo, no entanto, à medida que as partículas interagem e se tornam cada vez mais emaranhadas, as informações sobre seus estados individuais se espalham, se misturam e se dividem entre mais e mais partículas.

Popescu e seus colegas acreditam que o aumento do emaranhamento quântico é subjacente ao esperado aumento da entropia – a seta termodinâmica do tempo. Uma xícara de café esfria à temperatura ambiente porque conforme as moléculas de café colidem com as de ar, a informação que codifica a sua energia escapa e é compartilhada pelo ar circundante.

Entender a entropia como uma medida subjetiva permite que o universo como um todo evolua sem nunca perder informações. Mesmo enquanto partes do universo, como café, motores e pessoas, experimentam entropia crescente à medida que sua informação quântica se dilui, a entropia global do universo tende para zero.

Renato Renner, professor do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, descreveu isso como uma mudança radical de perspectiva. Há quinze anos, “pensávamos na entropia como uma propriedade de um sistema termodinâmico”, disse. “Agora, na teoria da informação, não afirmamos que a entropia é uma propriedade de um sistema, mas uma propriedade de um observador que descreve um sistema”.

Quantidades conservadas

A relação entre informação, energia e outras “quantidades conservadas”, que podem trocar de mãos, mas nunca ser destruídas, gerou dois interessantes trabalhos ano passado. Ambos os grupos de pesquisa conceberam um sistema quântico hipotético que usa informação como uma espécie de moeda para negociar entre outros recursos mais materiais.

Imagine um vasto recipiente, ou reservatório, de partículas que possuem energia e momento angular. Este reservatório é ligado tanto a um peso, que precisa de energia para ser levantado, quanto a uma plataforma giratória, que momento de impulso angular para acelerar ou desacelerar.

Normalmente, um único reservatório não é útil – isto remonta à teoria inicial da termodinâmica. Mas os pesquisadores descobriram que um reservatório contendo múltiplas quantidades conservadas segue regras diferentes. “Se você tem duas quantidades físicas diferentes que são conservadas, como energia e momento angular, você pode trocar uma por outra”, disse Popescu.

No sistema hipotético, o peso pode ser levantado à medida que a plataforma giratória diminui, ou o contrário. Os pesquisadores descobriram que a informação quântica descrevendo a energia das partículas e os estados giratórios pode atuar como uma espécie de moeda de troca que permite o comércio entre a energia do reservatório e suprimentos de momento angular. Essa noção é nova e sugere a necessidade de uma teoria termodinâmica mais completa que descreva não apenas o fluxo de energia, mas também a interação entre todas as quantidades conservadas no universo.

Entendendo o universo

A aparente incapacidade de expressar tudo sobre o universo em termos de informação poderia ser relevante para a busca de uma descrição mais fundamental da natureza. Nos últimos anos, muitos teóricos discutiram sobre a possibilidade do espaço-tempo, o tecido flexível do universo e a matéria e energia dentro dele, ser um holograma que surge de uma rede de informações quânticas emaranhadas.

Conhecer as ligações lógicas entre esses conceitos poderia ajudar os físicos a solucionar vários mistérios do universo, como a física de buracos negros, objetos misteriosos que engolem tudo a sua volta, conhecidos por terem temperaturas e entropias, mas que de alguma forma irradiam informação. “Um dos aspectos mais importantes do buraco negro é a sua termodinâmica”, disse Popescu. “Mas o tipo de termodinâmica que se discute nos buracos negros, por ser um assunto tão complicado, é ainda mais de um tipo tradicional. Estamos desenvolvendo uma visão completamente nova sobre a termodinâmica. É inevitável que essas novas ferramentas sejam usadas para estudar buracos negros”.

Aplicações

Janet Anders, cientista de informação quântica da Universidade de Exeter (Reino Unido), adota uma abordagem baseada em tecnologia para entender a termodinâmica quântica. “A pergunta é: o que precisamos saber sobre isso para dizer aos tecnólogos?”, questiona.

Em 2012, Anders ajudou a fundar uma rede de investigação dedicada à termodinâmica quântica que agora tem 300 membros. Com seus colegas, ela espera descobrir as regras que regem as transições quânticas de motores e refrigeradores quânticos, que poderiam um dia ser usados em congeladores, computadores, painéis solares e outras aplicações.

Em 2015, Raam Uzdin e colegas da Universidade Hebraica de Jerusalém calcularam que os motores quânticos podem superar os clássicos. Esses motores probabilísticos ainda seguem a fórmula de eficiência em termos de quanto trabalho podem derivar da energia que passa entre corpos quentes e frios. Mas são às vezes capazes de realizar esse trabalho muito mais rapidamente, dando-lhes mais poder.

Outros pesquisadores também estão buscando descobertas mais concretas. Em março, Jonathan Oppenheim, da Universidade College London (Reino Unido), publicou um artigo derivando a terceira lei da termodinâmica – uma declaração historicamente confusa sobre a impossibilidade de atingir a temperatura do zero absoluto – usando a teoria da informação quântica. Ao lado de Lluis Masanes, ele mostrou que o “limite de velocidade de refrigeração” impedindo que se alcance o zero absoluto surge do limite de quão rápida a informação pode ser bombeada para fora das partículas em um objeto de tamanho finito.

Críticas

À medida que o campo da termodinâmica quântica cresce, gerando uma variedade de abordagens e achados, alguns termodinamicistas tradicionais se incomodam com aspectos da teoria. Peter Hänggi, da Universidade de Augsburg, na Alemanha, acha que a importância da informação está sendo sobrestimada, por exemplo.

Isso faz com que os pesquisadores pensem no universo com um processador gigante de informação quântica em vez de uma coisa física. Ele acusa os teóricos da informação quântica de confundir diferentes tipos de entropia – os tipos termodinâmicos e de informação – e usar estes últimos em domínios onde eles não se aplicam.

Oppenheim e Popescu concordam plenamente com Hänggi de que existe o risco de minimizar a fisicalidade do universo. “Desconfio de teóricos da informação que acreditam que tudo é informação”, disse Oppenheim. “Quando a máquina de vapor estava sendo desenvolvida e a termodinâmica estava em pleno andamento, havia pessoas postulando que o universo era apenas uma grande máquina a vapor. Na realidade, é muito mais confuso do que isso”. [Wired]

1 comentário

  • Arnaldo Chioquetta:

    Hoje sabemos que calor é uma vibração e as aplicações dos conhecimentos sobre ondas pode ser utilizada para o calor.

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