Descubra se você é normal

Por , em 12.10.2015

O que é ser normal? Será que existe consenso sobre isso, cientificamente falando?

Essas são perguntas muito difíceis de se responder. De acordo com o médico psiquiatra Luiz Henrique Carneiro Alves, atuante na cidade do Rio de Janeiro, do ponto de vista científico, pesquisadores, psicólogos e psiquiatras focam seus estudos prioritariamente em transtornos mentais, embora exista um movimento que busca fortalecer os aspectos saudáveis das pessoas, ao invés de tratar o não saudável.

“Na prática clínica, prefiro falar em saudável/não saudável do que em normal/anormal. Partindo desse ponto, poderíamos definir por normal aquele que é saudável mentalmente”, explica.

Normalidade x patologia

“Quando me perguntam sobre normalidade, gosto sempre de relembrar do conceito matemático/estatístico do termo: normal é aquilo que está dentro da curva de Gauss (ou curva normal)”, conta.

[box type=”shadow”]A Distribuição de Gauss ou Gaussiana, primeiramente introduzida pelo matemático Abraham de Moivre, é inteiramente descrita por seus parâmetros de média e desvio padrão – ou seja, conhecendo-se estes valores, consegue-se determinar qualquer probabilidade em uma distribuição normal.
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Segundo o Dr. Luiz, é assim que determinamos, por exemplo, os valores de referência dos exames laboratoriais. Porém, quando falamos de transtornos mentais, temos que tomar algum cuidado com essa conceituação para não classificarmos comportamentos anormais para uma cultura (como rezar virado para meca aqui no Brasil) como patológicos.

“Talvez aí esteja uma das diferenciações mais importantes: nem todo comportamento anormal (fora da curva) é necessariamente patológico”, esclarece.

O que é anormal? O que é normal?

O grande problema quando falamos de comportamento humano é que há um uso político e ideológico do conceito de normalidade que não tem nada a ver com o científico. Pertencer a tal religião ou ter tal orientação sexual pode ser considerado anormal em determinada região por questões ideológicas e doutrinárias, por exemplo, mas, mentalmente falando é muito mais complexo do que isso.

A última edição do Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, na sigla em inglês), da Associação Americana de Psiquiatria, define transtorno mental como uma síndrome onde há perturbação da cognição, regulação emocional ou comportamento que reflete em disfunção do funcionamento mental, levando a sofrimento ou incapacidade que afetem as atividades sociais, profissionais, familiares etc.

“Por exemplo, uma resposta esperada ou aprovada culturalmente (como luto pela morte de um parente) não constitui transtorno mental, por mais que cause um prejuízo nas atividades do dia a dia”, diz o Dr. Luiz.

Da mesma forma, desvios sociais de comportamento (de natureza política, religiosa ou sexual) e conflitos referentes ao indivíduo e a sociedade não são transtornos, a menos que sejam resultantes de uma disfunção – como seria em um paciente esquizofrênico de família judaica que, dentro de seu funcionamento delirante, se convertesse ao islamismo ou cristianismo. Segundo o psiquiatra, caso isso não fosse resultado de sua autodeterminação, mas sim de um funcionamento psicótico, cientificamente falando, seria anormal.

Ser normal é ser aceito socialmente?

É claro que ser normal passa também, em parte, pelo que é aceito ou não socialmente. No entanto, o não aceito nem sempre significa que a pessoa tenha um transtorno mental.

Considere o seguinte: todos sabemos que não é socialmente aceitável andar despido pela rua, mas alguns transtornos podem comprometer o funcionamento do córtex frontal e fazer com que a pessoa apresente uma desinibição social. “Lógico que, quando tal comportamento é motivado por questões ideológicas ou artísticas, não o classificamos como anormal”, diz o Dr. Luiz.

Outro exemplo: uma pessoa que trabalha, se sustenta, mantém relações sociais e familiares sem prejuízo no dia a dia, e que frequente como médium um centro espírita onde ouve vozes que outros não podem ouvir não é necessariamente anormal.

“Do ponto de vista fenomenológico, nós classificaríamos isso como uma alucinação auditiva, porém essa pessoa não tem nenhum prejuízo em suas atividades diárias, mantém um funcionamento satisfatório e está inserido em um meio que aceita esse fenômeno como normal, logo não há transtorno mental”, explana o médico.

Mas…

Se uma pessoa repentinamente deixar de dormir, começar a apresentar um aceleramento da fala e do pensamento, comportar-se de maneira grandiosa dizendo que escuta mensagens enviadas somente a ela, pois é especial, esses comportamentos provavelmente vão afetar seu emprego, cuidados pessoais e de higiene.

“Neste segundo caso, vemos que há um conjunto de sinais e sintomas, uma porção de alterações do comportamento que comprometem o funcionamento individual e que quando compreendidos em conjunto formam um quadro clínico”, diferencia.

Então, quando pedir ajuda?

O primeiro grande marcador se alguém não está saudável mentalmente é o sofrimento ou dor psíquica, e o quanto isso lhe afeta no dia a dia. Por exemplo, se uma pessoa começa a ter insônia, prejuízos de atenção, memória ou cognição, dificuldade em sair de casa ou em estar com as pessoas, deve pensar em procurar ajuda profissional.

O Dr. Luiz exemplifica: “Sentir ansiedade ou tristeza é normal, mas não em níveis que tais sentimentos lhe paralisem ou reduzam seu desempenho. Ao ser convidado para apresentar uma aula, fico ansioso e essa ansiedade faz com que eu estude e me prepare para que tudo dê certo, logo é normal ou adaptativa. Agora, se essa ansiedade me faz ficar insone, desatento, com dores abdominais, palpitações, sudorese etc, devo procurar ajuda”.

De gênio e louco, todo mundo tem um pouco?

Segundo o psiquiatra, a ligação entre loucura ou transtornos mentais e genialidade é muitas vezes romantizada.

A esmagadora maioria dos portadores de transtornos mentais tem um prejuízo no seu despenho e muita dificuldade em se estabelecer na vida, o que inclui manter um emprego e relações sociais sadias.

“De fato há alguns quadros psiquiátricos que, por vezes, levam à alguma vantagem. Vemos isso nos casos dos Savants, portadores de autismo que tem uma habilidade única em determinada área do conhecimento (música, matemática, artes, história etc), a despeito do grande prejuízo de interação social”, diz.

Vários dos grandes nomes da história provavelmente estavam no que hoje é chamado de espectro do transtorno bipolar. “Costumo dizer que, para um homem no final do século XV procurar por três diferentes reis a fim de que lhe financiassem uma viagem rumo ao desconhecido, para atravessar um oceano nunca antes atravessado, não poderia ser muito ‘normal’”, brinca.

Esse tipo de arrojo é traço marcante do transtorno bipolar, bem como a grandiosidade de Napoleão, mas isso só em determinadas ocasiões é vantajoso.

Permanecer em um estado alterado (como a fase eufórica do transtorno bipolar) é na verdade neurotóxico. Estudos indicam que pacientes bipolares em episódios hipomaníacos tem produtividade mais baixa, então é mais provável que seja mais difícil para eles realizar grandes conquistas, do que mais fácil.

Em resumo…

Ser normal é ser capaz de manter a funcionalidade social, manter-se produtivo e autônomo, manter um equilíbrio de seus dramas e dores psíquicas sem causar deliberadamente sofrimento aos que estão ao seu entorno.

Vale lembrar que ser “meio esquisito” não é igual a ter um transtorno metal, ou a ser anormal.

“Todos nós temos, em maior ou menor grau, sofrimento psicológico. Todos temos nossas manias, nossas incompreensões, tristezas e angústias… E isso é perfeitamente normal. Se partirmos desta compreensão, todo mundo tem um pouquinho de ‘anormalidade’ ou sofrimento psíquico”, sugere o Dr. Luiz.

Saindo um pouco do escopo da psiquiatria, como já comentamos acima, a “normalidade” tem um lado ideológico e político também. Muitas coisas que são consideradas normais em determinado contexto ou época não são motivadas por definições científicas.

Talvez por isso a palavra seja tão controversa. Segundo o Dr. Luiz, você dificilmente verá o termo “normal” sendo usado em livros de psiquiatria, salvo quando se fala de sua acepção estatística.

Quem sabe isso não seja uma lição: a de que não devemos buscar ser “normais”, mas sim simplesmente saudáveis, mental e fisicamente.

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